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Vazamentos da Lava Jato

Moro orientou Deltan a "ficar com 30%" de delação; juristas veem fato grave

O ex-juiz disse que haveria "muitos inimigos e que transcendem a capacidade do MP e Judiciário" - Rafael Marchante/Reuters
O ex-juiz disse que haveria "muitos inimigos e que transcendem a capacidade do MP e Judiciário" Imagem: Rafael Marchante/Reuters

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

15/06/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Em conversas reveladas pelo The Intercept Brasil, ex-juiz opina sobre investigação
  • Moro cuidava de ações ligadas à Petrobras, e portanto estava fora de sua alçada
  • Especialistas apontam conduta imprópria do então magistrado na relação com o MP

Em conversas divulgadas pelo site "The Intercept Brasil", o ex-juiz e ministro da Justiça, Sergio Moro, orientou o coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol a "ficar com 30%" da delação da empreiteira Odebrecht (veja a transcrição da conversa mais abaixo). Juristas ouvidos pelo UOL consideram o fato grave e defendem investigação das mensagens.

Num diálogo de 15 de dezembro de 2016, quando faltava um dia para serem concluídos os depoimentos de executivos da empreiteira, Deltan Dallagnol, procurador do MP (Ministério Público), listou o cargo de 372 políticos brasileiros na delação. Ele informou para o então juiz Moro que cerca de 30% dos casos eram de crimes de corrupção, 30% de caixa dois e 40%, de uma "zona cinzenta" a ser apurada.

Em resposta, o então magistrado afirmou ser "melhor ficar com os 30 por cento iniciais". E justificou: "Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do MP e Judiciário".

A assessoria do ministro Sergio Moro disse ao UOL que "os acordos com os executivos da Odebrecht foram homologados pelo Supremo Tribunal Federal e a 13ª Vara Federal de Curitiba só recebeu depois do desmembramento dos termos promovido pelo STF.". E acrescentou que "o ministro não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas criminosamente por hackers, que podem ter sido manipuladas, sendo necessário que o site divulgador apresente o material original para análise de sua integralidade".

A reportagem perguntou se o ministro negava especificamente o diálogo abaixo, mas foi informada de que Moro não tem cópia das mensagens e não se recordava, pois as conversas teriam acontecido há mais de dois anos.

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Tem que investigar 100%, diz criminalista

O presidente regional da Anacrim (Associação Nacional de Advocacia Criminal), Bruno Espiñeira, disse que, mesmo para o Ministério Público, a lei não permite selecionar o que investigar e o que não investigar.

Com relação ao Ministério Público, se há 100 envolvidos nos fatos, ele tem que investigar os 100. Não pode dizer que 70% tem político ou tem gente com poder grande e não deveria ter investigação.
Bruno Espiñeira, presidente regional da Anacrim

Como se trata de um magistrado, que não é investigador, considera que a situação é "surreal". "É inominável em qualquer democracia. É assustador."

O criminalista Marcelo Leal disse que "é preciso aprofundar a investigação para saber se houve seleção". "Se houve, é muito grave", disse. Além disso, "é a revelação de um juiz tratando com o Ministério Público sobre a estratégia de acusação".

Para Leal, o então juiz "violou o princípio da indisponibilidade da ação penal, escolhendo quem denunciar e quem perdoar, numa atuação pessoal incompatível com o distanciamento que o cargo impõe". Leal é professor convidado da Universidade de Lima e doutor Honoris Causa pela Universidade Privada de San Pedro, no Peru.

O criminalista e doutor em Direito Nélio Machado também reprova os diálogos. "Selecionar réu é desatender o princípio da obrigatoriedade da ação penal", disse ele. "É uma prática que pode ser contestada pelos meios judiciais. Ministério Público não pode escolher, delação não pode agir de forma seletiva. Isso vai descortinar uma investigação mais profunda e muitos dos que foram beatificados e canonizados vão ser colocados em sua perspectiva humana."

O procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro - Jorge Araújo / Folhapress - Jorge Araújo / Folhapress
O procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro
Imagem: Jorge Araújo / Folhapress
O diálogo

Quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Deltan - 16:01:03* - Caro, favor não passar pra frente:
Deltan - 16:01:03* - Odebrecht (favor manter aqui): 9 presidentes (1 em exercício), 29 ministros (8 em exercício), 3 secretários federais, 34 senadores (21 em exercício), 82 deputados (41 em exercício), 63 governadores (11 em exercício), 17 deputados estaduais, 88 prefeitos e 15 vereadores
Deltan - 16:01:03* - 62 deputados/senadores em exercício. Com governadores dá 73
Deltan - 16:01:03* - 301 políticos na relação
Deltan - 16:01:03* - Mais 72 políticos estrangeiros
Deltan - 16:04:40 - brasileiros são políticos por cargo que OCUPA, OCUPOU oOU [sic] PARA O QUAL SE CANDIDATOU
Deltan - 16:04:45 - por isso os 9 presidentes
Moro - 17:22:10 - Tudo isso corrupção e lavagem ou muitos casos de cx2?
Deltan - 17:25:21 - Para dizer, teria que olhar um a um. Não temos esse levantamento ainda. Intuitivamente, com base nas leituras e análises: 30% claramente propina: eles e nós reconhecemos 40% zona cinzenta: depende de diligências ou análises 30% claramente caixa 2 e nós concordamos
Deltan - 17:51:34 - As doações via caixa 1 sem indícios de contrapartida não entram nisso. Ficam fora.
Moro - 18:32:37 - Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais. Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do mp e judiciário.
Moro - 18:32:46 - Reservado obviamente
Deltan - 19:00:34 - [sinal de positivo com as mãos]

* O horário se repete pois são mensagens que Deltan encaminhou após receber de outra pessoa pelo Telegram. Fonte: The Intercept Brasil

Janot tem dito não ter relação com mensagens

A preocupação com a repercussão das investigações da Odebrecht havia sido mencionada em conversa de 21 de junho de 2016. O então juiz Sergio Moro diz a Deltan que acredita que "a revelação dos fatos e abertura dos processos deveria ser paulatina para evitar um abrupto pereat mundus [deixe-se a Justiça ser feita, mas acabe-se o mundo]".

Durante três dias, o UOL pediu uma entrevista com o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, Deltan Dallagnol. A assessoria de imprensa disse que ele não comentaria as conversas sobre a delação da Odebrecht e nem enviaria esclarecimentos por escrito.

O procurador-geral da República da época, Rodrigo Janot, foi quem fechou o acordo com a Odebrecht e conseguiu homologá-lo no Supremo Tribunal Federal. Ele não quis conceder entrevista à reportagem. Hoje, ele está aposentado e alega que seu telefone foi hackeado em 24 abril, dois dias depois de deixar o serviço público. O UOL apurou que Janot tem dito a interlocutores que não tem relação com os diálogos entre Moro e Deltan.

O diálogo entre o ex-juiz e o coordenador da força-tarefa sobre os 30% ocorreu na quinta-feira 15 de dezembro de 2016. No final do dia seguinte, todos os mais de 900 depoimentos dos 77 executivos haviam sido concluídos, de acordo com uma fonte do caso consultada pelo UOL.

Como era juiz, e não investigador, não era função de Moro definir o eventual tamanho do resultado da colaboração da Odebrecht ou os crimes que seriam investigados. Além disso, o caso corria no STF, com o ministro Teori Zavascki, não na 13ª Vara Federal de Curitiba.

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Moro pensava que era "dono da operação", critica investigador

Sob condição de anonimato, um importante investigador que participou da celebração disse à reportagem que o ex-juiz atuava assim porque se considerava "dono da Operação Lava Jato" ou "o pai da criança, que não desapegava".

Mas ele rejeitou qualquer interferência de Moro. E classificou as mensagens reveladas pelo "The Intercept Brasil" como prova da "intromissão" do ex-juiz à época, considerado "bravinho". Todos os fatos narrados pelos funcionários da construtora de Marcelo Odebrecht teriam sido investigados, inclusive os que resultaram em arquivamentos.

Como prova disso, ele cita críticas recebidas pela celebração do acordo de leniência e de delação com os executivos. A suposta redução da apuração não teria acontecido mesmo porque haveria suposto excesso de investigações infrutíferas e sem provas robustas.

Como mostrou o UOL, parte dos depoimentos dos executivos da maior construtora do país engrossam casos emblemáticos em que as delações não serviram para comprovar crimes. De 83 inquéritos abertos, 22 foram arquivados, sendo 13 por falta de provas.

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