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Com 85 assessores, senador Izalci Lucas emprega o mesmo que empresa média

O senador Izalci Lucas, que paga 85 funcionários para auxiliá-lo - Facebook/Divulgação
O senador Izalci Lucas, que paga 85 funcionários para auxiliá-lo Imagem: Facebook/Divulgação

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

24/06/2019 04h00Atualizada em 24/06/2019 14h48

Izalci Lucas é contador, professor e senador da República (PSDB-DF) eleito no ano passado. Político com mandato desde 2003, quando virou deputado distrital, o mineiro radicado em Brasília ganhou projeção nacional em abril, perto de seu aniversário de 63 anos, quando foi cotado para assumir o Ministério da Educação no governo Jair Bolsonaro (PSL).

Nos corredores do Parlamento, no entanto, Izalci ficou famoso já nos primeiros meses de 2019 por empregar o maior número de funcionários no Senado: até a última atualização desta reportagem, ele contava com 85 assessores parlamentares pagos com dinheiro público.

O número de contratados por senador varia muito ao longo de todo o ano, mas, desde o final de abril, quando Izalci contabilizava 74 colaboradores, ele já era o senador com mais empregados, segundo dados compilados pela ONG Ranking dos Políticos.

Ao todo, os 81 senadores da Casa empregam 2.764 pessoas, média de 34 assessores por parlamentar. Com seus 85 auxiliares, Izalci gasta R$ 553 mil em folha de pagamento todo mês --ou o equivalente a R$ 6,6 milhões por ano.

Se fosse uma empresa do ramo de serviços ou comércio, seu gabinete seria de médio porte --segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), esse tamanho de firma tem entre 50 e 99 contratados.

O senador emprega 60 pessoas em seu gabinete: quatro efetivos e 56 comissionados. Em escritórios de apoio, são mais 25 comissionados. Os maiores salários vão para os efetivos, com proventos entre R$ 21,9 mil e R$ 29,4 mil por mês.

Já os comissionados ganham entre R$ 2.249 (auxiliar parlamentar júnior) e R$ 17,9 mil (secretário parlamentar). São mais de 20 cargos, como auxiliar, ajudante e assistente parlamentar, divididos entre júnior, intermediário, sênior e pleno.

Muitos desses funcionários trabalharam na campanha de Izalci, como é o caso de Nilo Cerqueira, nome político de Abenilio Aires Cirqueira, hoje com salário de R$ 10,3 mil. Candidato derrotado a deputado distrital em 2014 e ex-superintendente federal do Ministério da Agricultura de Brasília, hoje é empresário "do ramo de negócios imobiliários". Entrou na campanha de Izalci como espólio da equipe de Paulo Octavio (PP-DF), que viu sua candidatura ao mesmo posto naufragar e passou a apoiar o tucano.

Ex-prefeito de Itaporã (MS), Rivalmir Fonseca de Souza ajudou na campanha de Izalci ao lado do irmão Ronaldo Fonseca, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência no governo Michel Temer.

Em sua festa de aniversário em novembro do ano passado, com a presença de Izalci, Souza prometeu transferir seu título e domicílio eleitoral para o Distrito Federal a fim de concorrer a uma vaga na Câmara nas próximas eleições. Como assistente parlamentar intermediário, tem um salário de R$ 8.900.

Procurado, Cirqueira não respondeu à reportagem. Souza diz que trabalha em Brasília "desde 2010" e que transferiu seu título e domicílio eleitoral "em função da vida estabelecida na capital". "Nesse período, atuou como secretário-adjunto do Trabalho, assessor especial de gabinete na Câmara Legislativa e também em campanhas eleitorais."

"O caso chama ainda mais a atenção porque Izalci representa o Distrito Federal", afirma o diretor-executivo do Ranking dos Políticos, Renato Dias. "Muitas vezes a justificativa dos políticos é que eles precisam de muita gente para intermediar o trabalho no DF e em seu reduto eleitoral. Mas em Brasília é difícil entender essa justificativa, porque ele já mora no local que representa."

Izalci tem um assessor para cada 68 km² do Distrito Federal --a menor unidade federativa, com área total de 5.700 km²--, o equivalente à metade da zona oeste de São Paulo, com 128 km².

Para cuidar da mesma área, o senador José Reguffe (sem partido), o outro representante do DF no Senado, conta com oito assessores, o menor número na Casa.

De onde vem o dinheiro?

Diferentemente das regras bem definidas para os deputados federais --que dispõem de uma verba mensal de R$ 111 mil para contratar de 5 a 25 secretários parlamentares--, as normas no Senado "são um emaranhado legal", afirma o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.

As explicações do Senado parecem legalizar o que é absolutamente imoral. São decisões corporativas da Casa que criam um emaranhado na lei que torna muito difícil explicar seu funcionamento à sociedade
Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas

De acordo com o regulamento administrativo do Senado, encaminhado pela assessoria de imprensa da Casa, "as despesas com pessoal e encargos relativos aos servidores ativos (efetivos e comissionados), sejam lotados em gabinetes ou em escritórios de apoio, são custeadas com os recursos ordinários do Tesouro Nacional (fonte 100)". Na prática, não há valor definido.

"A fonte 100 é simplesmente recurso gerado dos impostos, taxas e contribuições. Somos nós que pagamos esse exército de assessores", diz Castello Branco. A quantidade de auxiliares que um senador pode contratar também é difícil estimar.

É possível empregar seis comissionados "para gabinetes de senadores, lideranças e blocos" e outros 12 funcionários "para cargos de provimento em comissão". A "falta de clareza dessas especificações", segundo Castello Branco, abre o leque de interpretações. A principal dúvida no entendimento vem a seguir:

O número total de servidores ocupantes de cargo em comissão lotados em um único Gabinete Parlamentar, observados os possíveis desmembramentos previstos neste Regulamento, não poderá exceder a cinquenta
Regulamento administrativo do Senado

Embora o parágrafo segundo fale em até 50 trabalhadores, "os possíveis desmembramentos previstos" abrem a possibilidade de contratar mais gente.

Questionado sobre a justificativa legal para chegar aos 85 assessores, Izalci citou em nota o artigo 37 da Constituição, o regulamento do Senado e a Lei 8.112/90, mas não entrou em detalhes. Sobre a origem do dinheiro, escreveu que "faz parte da estrutura remuneratória do Senado".

"Essa possibilidade de contratar dezenas de funcionários é o que faz o Congresso custar R$ 30 milhões por dia", diz Castello Branco, para quem o benefício "deveria ser inconstitucional".

Um senador com um mandato de oito anos com dezenas de assessores à disposição tem condição muito maior de se eleger do que alguém que pretende chegar ao Senado sem um exército de servidores e verbas de representação. O pleito fica desigual e injusto. É inconstitucional por quebrar a igualdade do processo eleitoral.
Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas

Para justificar a necessidade de 85 auxiliares, a assessoria de imprensa de Izalci afirma que ele "é um dos senadores mais atuantes do Parlamento brasileiro". "Faz parte de nove comissões" e "participa de dois grupos parlamentares e 35 frentes. É vice-líder do governo, vice-líder do PSDB e vice-líder do Bloco PSDB/PODE/PSL. Participou de 16 comissões de análise de medidas provisórias", presidiu uma e relatou outra.

A nota cita sua participação "diária" em Plenário, seus 93 pronunciamentos e as 49 sessões que presidiu neste ano. Além disso, propôs 63 projetos "em cinco meses" e relatou "mais de uma dezena".

Os assessores atuam nas comissões, plenário do Senado e do Congresso, participam de reuniões do partido no Congresso, de eventos do Legislativo, Executivo e Judiciário, de audiências e reuniões em órgãos do governo e atendem as demandas das cidades do Distrito Federal e do restante do Brasil. Em todos os compromissos, quando não pode comparecer, o senador está representado por seus assessores
Senador Izalci Lucas, em nota

Quase ministro

Izalci quase virou ministro de Bolsonaro por duas vezes. Autor de um dos projetos de lei do "Escola sem Partido" (nº 867/2015), o então deputado federal era o preferido da bancada evangélica para ocupar o Ministério da Educação quando Bolsonaro venceu a campanha presidencial.

Na época, ele perdeu a queda de braço para o olavista Ricardo Vélez Rodríguez, derrota que voltaria a se repetir em abril deste ano. Quando Vélez caiu, parte dos evangélicos no Congresso voltaram a defender seu nome. Novo revés, agora para o também olavista Abraham Weintraub.

Para os especialistas, o perfil do indicado não combinaria com o discurso governamental de enxugamento dos gastos.

No momento em que se discute a redução dos gastos públicos, essa contratação exagerada de assessores depõe contra projetos como a reforma da Previdência. Para convencer o eleitor, os exemplos precisam vir de cima
Renato Dias, do Ranking dos Políticos