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Corrupção e intrigas: cidade de AL tem os prefeitos afastados desde 2000

Prefeitura de Rio Largo, em Alagoas - Carlos Madeiro/UOL
Prefeitura de Rio Largo, em Alagoas Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Rio Largo (AL)

22/07/2019 04h00Atualizada em 22/07/2019 11h04

Na última quarta-feira, a cidade de Rio Largo, na Grande Maceió, seguiu a sina de ter seu prefeito eleito afastado. Tem sido assim desde 2000. Desde lá, todos os eleitos foram retirados do poder, seja pela Justiça ou pela Câmara de Vereadores, numa sucessão de escândalos, intrigas e prisões.

Com 74 mil moradores, Rio Largo é a terceira cidade mais populosa do Estado e tem a quarta maior economia. Colada à capital Maceió, é em sua área que está instalado o aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares. O bom posicionamento e os cofres cheios são um atrativo para os políticos.

Na quarta-feira, por 10 votos a 1, a "vítima" foi o prefeito Gilberto Gonçalves (PP), cassado pela Câmara de Vereadores. No seu lugar, no dia seguinte ao impeachment, assumiu a vice, Cristina Gonçalves (PEN). A nova prefeita é a mulher do prefeito afastado.

Gilberto foi alvo de três denúncias. Em uma delas, afirma-se que ele teria adquirido um imóvel utilizando a filha de 14 anos como "laranja". Os vereadores alegaram que ele mentiu no dia de sua posse, quando disse não possuir imóveis. O prefeito eleito nega qualquer irregularidade e disse nas ruas da cidade, dois dias antes de sua cassação, que os vereadores estariam "vendidos".

Gilberto é uma figura conhecida na política alagoana e se envolveu em uma grande polêmica quando a Polícia Federal desencadeou a operação Taturana, em 2007, que apurou um suposto desvio de R$ 302 milhões da Assembleia Legislativa de Alagoas.

A dona de casa Maria José da Silva, moradora de Rio Largo (AL) - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
A dona de casa Maria José da Silva, moradora de Rio Largo (AL)
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Na investigação, uma ligação interceptada dele para o então diretor de recursos humanos da Assembleia, Roberto Menezes, ficou famosa por ele cobrar sem pudor sua parte do dinheiro desviado. "Eu quero meu dinheiro. E não venha com desconto de INSS, não, porque isso é dinheiro roubado! É melhor você me dar do que sair tudo algemado dessa porra", disse.

Gonçalves havia tentado se reeleger deputado estadual em 2006 e 2010, mas perdeu em ambas as disputas. O mesmo ocorreu em 2012, quando disputou o cargo de prefeito --em 2016, foi eleito 32% dos votos válidos.

Na sede da Prefeitura de Rio Largo, na última sexta-feira, o UOL foi recebido pelo secretário de Comunicação, Wellython Martins, que informou que Gilberto tinha viajado e não poderia conversar com a reportagem. Ele afirmou que o prefeito afastado não cometeu qualquer irregularidade e estuda se vai recorrer à Justiça para retomar o cargo.

Sobre a atual prefeita, Martins disse ela iria conversar com os jornalistas na próxima semana e que não atenderia a imprensa naquele dia.

Histórico de escândalos

Rio Largo tem um histórico de problemas de políticos com a Justiça. Num outro episódio conhecido, em maio de 2015, o então prefeito Toninho Lins (à época no PSB), e os dez vereadores do município tiveram prisão decretada pela Justiça por conta da desapropriação e venda irregular de um terreno. Todos os vereadores foram presos em uma operação da polícia durante uma sessão. No mês seguinte, foi a vez de Toninho ser detido e afastado por ordem do Tribunal de Justiça.

O que levou à prisão de todos foi que, em 2010, a prefeitura usou o estado de calamidade pública para desapropriar uma área de 2,5 milhões de m² para construir casas populares para moradores vítimas da grande enchente de 2010. Mas o terreno foi vendido pela prefeitura --com aval unânime da Câmara de Vereadores-- a uma construtora por R$ 700 mil, ou seja, R$ 0,28 por m². A área localizada ao lado do aeroporto internacional Zumbi dos Palmares, à época foi avaliada em R$ 30 milhões.

Outro caso emblemático na cidade ocorreu em 2004, quando um incêndio na Secretaria Municipal de Finanças destruiu documentos públicos. Cinco anos depois, a então prefeita à época, Vânia Paiva, foi presa e denunciada por ter supostamente causado o fogo. Segundo um dos advogados da ex-prefeita, Rodrigo da Costa Barbosa, Vânia e o marido foram absolvidos da acusação. Vânia ainda responde a outras acusações na Justiça.

Ana Lúcia da Silva, 52, moradora de Rio Largo (AL) - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Ana Lúcia da Silva, 52, moradora de Rio Largo (AL)
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Antes de terminar o mandato, em junho de 2008, Vânia foi afastada após denúncias de corrupção envolvendo ela e o marido, então secretário de Finanças.

Antes de Vânia, a então prefeita Maria Elisa Alves da Silva (2001-2004), do PRP, também foi afastada por ao menos três vezes do cargo (do qual Vânia Paiva era vice), acusada de desviar R$ 2 milhões do erário. Ela, que foi eleita vice-prefeita em 2012 na chapa de Toninho Lins, teria desviado recursos federais e usado notas fiscais "frias", além de utilizar servidores do município para fins privados. O UOL não conseguiu localizar Eliza, nem seu advogado de defesa.

Moradores e a "maldição"

Os moradores de Rio Largo são receosos ao serem indagados sobre o porquê do histórico de problemas com políticos na cidade. "Melhor não falar, não saberia o que dizer" responde uma senhora. "Isso é coisa grande, melhor não me meter", diz um homem que atua como mototaxista.

"Essa política da cidade é uma nojeira. Aqui não tem saneamento, não tem calçada para pedestre e ninguém faz nada certo. Como pode um prefeito sair e a mulher assumir? Rio Largo foi amaldiçoada desde o dia em que Frei Damião veio aqui fazer uma missa e foi vaiado", afirma José, 56, que pediu para não dar o nome nem ser fotografado. "Estou de benefício, podem cortar se me verem", teme.

O armador José Cícero da Silva, 60, morador de Rio Largo (AL) - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
O armador José Cícero da Silva, 60, morador de Rio Largo (AL)
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Poucos aceitaram falar e se deixar fotografar falando sobre os sucessivos afastamentos. "A verdade é que essa cidade não teve prefeito bom. Os que vieram aqui antes vieram para ficarem ricos, tem gente presa. Até quando vamos ficar assim trocando de prefeito como quem troca de roupa? Está errado isso", diz a dona de casa Maria José da Silva, 56, citando gostar da gestão de Gilberto Gonçalves. "A gente não queria que ele saísse."

Sobre o caso dessa semana, a maioria dos moradores ouvidos pela reportagem disse ser contrário ao afastamento do prefeito. "Nenhum prefeito fez o que ele fez, os demais nunca trabalharam assim. Isso é jogo político desses vereadores, que nada fazem", conta o armador José Cícero da Silva, 60.

"Ele colocou médico no Mutirão [bairro da periferia], e estava fazendo uma boa gestão na saúde. Ele se preocupa com as pessoas", completa Ana Lúcia da Silva, 52.

Busca jurídica e política

Para o titular da 2ª Promotoria de Justiça de Rio Largo Magno Alexandre Moura, a razão de tantos escândalos e trocas de gestores teria explicações cultural, política e econômica, devido à importância da cidade e proximidade com a capital. "Prefeitos e vereadores já foram presos e afastados de 2000 pra cá. Em 98% dos casos por ação Ministério Público", diz.

"O grupo político vencedor das eleições passa a ser vigiado pelo grupo político perdedor, que busca por meios jurídicos ou políticos derrubar quem esteja no cargo de prefeito. Geralmente acontece com representações sobre possíveis irregularidades em processos licitatórios, e junto ao MP fazem a notícia de fato", relata.

Ele lembra que essa postura cria uma situação inusitada. "Quando não se tem resultado no processo jurídico, busca-se o meio político, através de representação na Câmara de Vereadores local para se instalar um processo de impeachment", diz. "O meio jurídico pode demorar um pouco mais; já o político pode caminhar muito mais rápido dependendo da influência do grupo interessado junto aos vereadores, e a depender do clima político entre os vereadores e o prefeito", completa.