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Declarações de Janot mostram erro de lista tríplice para PGR, diz Gilmar

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

27/09/2019 11h47Atualizada em 27/09/2019 12h34

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou hoje que o perfil psicológico do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que revelou ter planejado matá-lo, deve ser considerado pelo Supremo quando forem julgadas denúncias e investigações que estavam sob a responsabilidade do ex-comandante da PGR (Procuradoria-Geral da República)

Mendes disse que não cogita adotar medidas judiciais contra Janot. "Eu não cogito isso", disse o ministro. Ele afirmou ainda que o caso mostra falhas na escolha do procurador-geral por meio da lista tríplice.

"Tenho a impressão que se trata de um problema grave de caráter psiquiátrico, mas isso não atinge apenas a mim, atinge a todas as medidas que ele pediu e foram deferidas no Supremo Tribunal Federal. Denúncias, investigações, e tudo o mais. É isso que tem que ser analisado pelo país", afirmou Mendes.

Perguntado sobre de que forma a revelação feita por Janot teria impacto sobre os processos judiciais movidos por ele à frente da PGR, Gilmar Mendes afirmou que o perfil psicológico do ex-procurador deverá ser levado em conta na análise dos processos.

"Eu entendo que, na verdade, elas foram feitas por um tipo de pessoa com essa qualidade psicológica, com essa personalidade e por isso elas precisam ser analisadas a partir dessa perspectiva", disse o ministro.

Rodrigo Janot diz que planejou matar ministro do STF

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À frente da PGR, Janot foi responsável por fechar o acordo de delação premiada dos executivos da Odebrecht e por uma série de denúncias contra políticos investigados na Operação Lava Jato, como duas denúncias contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) baseadas na delação premiada da JBS.

Gilmar Mendes afirmou ter sido um crítico da atuação de Janot na PGR, mas disse não imaginar que ele seria um "facínora".

"Os senhores sabem que eu fui, no Supremo Tribunal Federal, sempre um crítico dos métodos do procurador Janot. Divergências de caráter intelectual e institucional. Não imaginava que nós tivéssemos um potencial facínora comandando a Procuradoria-Geral da República", disse Mendes.

O ministro conversou com jornalistas após uma palestra em evento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na manhã de hoje.

Em entrevistas publicadas ontem, Janot afirmou que em 2017 entrou armado com uma pistola no STF com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes, por causa de insinuações que o ministro teria feito sobre a filha do procurador.

O ex-procurador narra o episódio num livro de memórias que está lançando neste mês. "Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não", diz Janot, em seu relato sobre o episódio.

Após a revelação do caso, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o fato demonstra as falhas de se escolher o procurador-geral por meio das indicações feitas em lista tríplice elaborada em eleição interna da categoria de procuradores da República.

O ministro é um conhecido crítico da lista, que foi adotada de 2003 a 2017 para a indicação do chefe da PGR. Este ano o presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu indicar um nome de fora da lista e nomeou o procurador Augusto Aras para o comando da Procuradoria.

"Eu tenho a impressão de que mostra quão errado foi esse sistema hoje corporativo de escolha de membros do Ministério Público para essa função", disse Mendes.

"Passaram a escolher pessoas que não tinham qualificação jurídica, não tinham qualificação moral e não tinham qualificação psicológica para exercer essa função", afirmou o ministro.

Segundo Janot narra em suas memórias, o episódio em ele teria ido armado ao STF ocorreu próximo ao fim do seu segundo mandato na PGR, encerrado em setembro de 2017. Janot comandou a PGR por quatro anos e se aposentou em abril deste ano, passando a atuar como advogado.

Em maio de 2017, como procurador-geral, Janot pediu a suspeição de Gilmar em casos relacionados ao empresário Eike Batista, que tinha se tornado alvo da Lava Jato e era defendido pelo escritório de advocacia do qual a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Mendes, é sócia.

Segundo Janot, o ministro do STF reagiu na época lançando suspeitas sobre a atuação de sua filha, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, que é advogada e representou a empreiteira OAS no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Em entrevista à Folha, Janot disse que Gilmar teria citado sua filha durante uma sessão do Supremo.

Informações sobre a atuação de Letícia foram publicadas na época pelo jornalista Reinaldo Azevedo, colunista da Folha e blogueiro do UOL.

Hoje, Gilmar Mendes voltou a reforçar o argumento de que a informação sobre a atuação da filha de Janot foi revelada pelo jornalista Reinaldo Azevedo, e não por ele.

"O argumento de que a minha mulher trabalha no escritório de Sérgio Bermudes, não trabalha na área penal, e nem o Sérgio Bermudes advogava na área penal para Eike Batista, na verdade não tinha nenhuma relevância", disse o ministro.

"Mas um jornalista, colega de vocês, Reinaldo Azevedo, descobriu que a filha de Janot atuava para as mesmas empresas, para essas empresas da Lava Jato, OAS, Odebrecht, no Cade. Então se o argumento era receber honorários de empresas da Lava Jato, ela estava na verdade nas mesmas condições. Mas isso foi descoberta de vocês jornalistas", afirmou Mendes.