Gilmar: Lava Jato usou prisões provisórias como instrumento de tortura
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse hoje durante julgamento no plenário da Corte que a Operação Lava Jato usava prisões provisórias --ou seja, sem condenação definitiva-- como "instrumento de tortura". Citando as mensagens reveladas pelo site The Intercept e outros veículos de imprensa, como o UOL, Gilmar ainda associou a prática ao ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e ao procurador Deltan Dallagnol.
Foi mais uma declaração de Gilmar contra os métodos utilizados nos processos da Lava Jato em Curitiba, desta vez durante um julgamento que pode afetar diretamente a operação --o STF decide em que condições os réus delatados poderão falar depois de delatores em processos criminais. A depender da decisão, em tese, sentenças decorrentes da Lava Jato poderão ser anuladas. O julgamento continua amanhã.
O ministro iniciou sua fala afirmando que pelo menos desde 2015 tem demonstrado "preocupações com os abusos nessa seara", e fez um extenso histórico de manifestações suas contra medidas adotadas em processos da Lava Jato, às vezes com apoio do Supremo.
Gilmar lembrou de declarações suas no sentido de que a prisão provisória estava se aproximando de uma execução penal antecipada; e de que o STF tinha um "encontro marcado" com as prisões preventivas determinadas pelo então juiz Moro. O ministro citou a manutenção pelo Supremo da prisão provisória do empresário Marcelo Odebrecht, em 2016, como exemplo de uma detenção provisória sem fundamento.
Hoje se sabe de maneira muito clara —e o Intercept está aí para confirmar, e nunca foi desmentido— que se usava a prisão provisória como elemento de tortura. Custa-me dizer isto no plenário, mas era instrumento de tortura. (...) O uso da prisão provisória era para com esta finalidade, e isto aparece hoje nestas declarações do Intercept, feitas por gente como Dallagnol, feitas por gente como Moro.
Gilmar Mendes, ministro do STF
Para o magistrado, "o Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal", e "quem defende tortura não pode ter assento" no STF.
O ministro criticou ainda a forma como foram negociados e concedidos benefícios em acordos de delação premiada com os donos e executivos da JBS; o marqueteiro João Santana; e Sérgio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro —chamou este último "o mais engenhoso e inventivo que a Lava Jato pode ter produzido". Para Gilmar, os acordos previam regimes de cumprimento de pena "não imaginados pelo legislador".
Gilmar também afirmou que juízes precisam de "moderação", já que "o julgador é órgão de controle, não é órgão de investigação".
Desde que vieram a público as mensagens obtidas pelo The Intercept, em junho, Gilmar subiu o tom de suas críticas à Lava Jato —e uma trégua entre os procuradores e o ministro parece distante.
Segundo a blogueira do UOL Constança Rezende, Gilmar chegou a rir ao saber que o procurador Almir Sanches, da força-tarefa da operação no Rio, cobrou uma retratação sua ao grupo depois da prisão, hoje, de Marco Aurélio da Silva Canal. Funcionário da Receita Federal, Canal foi acusado por Gilmar de ter sido o responsável pela produção de dossiês contra ele e sua mulher. O caso não tem a ver com a detenção.
O MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) informou que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba não vai comentar as declarações de Gilmar Mendes. O UOL também entrou em contato com o Ministério da Justiça para saber se Sergio Moro quer se manifestar, e aguarda resposta.
No caso em pauta hoje no plenário, o ministro acompanhou a maioria da Corte e votou para que réus delatados tenham a última palavra na fase de alegações finais, a última antes da sentença de primeira instância. O Supremo ainda precisa decidir como esta tese será aplicada, o que deve ocorrer na sessão de amanhã.
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