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Lula defende polarização, mas rejeita equiparação a Bolsonaro

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante congresso do partido em São Paulo - NELSON ALMEIDA/ AFP
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante congresso do partido em São Paulo Imagem: NELSON ALMEIDA/ AFP

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

23/11/2019 00h27

Diante de uma plateia de militantes e lideranças de esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou seu quinto discurso após deixar a cadeia, há duas semanas, para se apresentar como líder de uma oposição que, apesar de polarizar com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), não seria o "outro lado da moeda" por ter um histórico de respeito à democracia.

"Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de extrema-direita que gera desemprego e exige que os desempregados paguem a conta."

Em um discurso de mais de uma hora, Lula buscou um tom de nostalgia em relação aos governos petistas, no sentido de que colocaram o Estado a serviço do combate à desigualdade e à proteção social, em oposição a um atual governo que, na visão de Lula, seria retrógrado, antidemocrático e defensor do desmonte do Estado.

Em uma orientação direta à militância, Lula disse que o PT deve buscar o apoio de trabalhadores informais ou com vínculos precarizados, como motoristas de aplicativos e entregadores, em uma resposta direta à onda de flexibilização das regras trabalhistas no país.

Apesar de querer marcar distância de ser o exato oposto do que chamou de "governo de extrema-direita", o petista também disse que "um pouco de radicalismo faz bem à alma". "Eu não estou mais radical, estou mais consciente", afirmou.

Lula também fez as críticas habituais à Operação Lava Jato — que chamou de "farsa judicial" — e ao ex-juiz e ministro Sergio Moro, que desta vez ficaram em segundo plano. Ele reafirmou que quer a anulação do processo do tríplex na Justiça, sob a alegação de que Moro era suspeito para julgá-lo.

"Não falamos em fechar Congresso"

Lula usou boa parte de sua fala para rejeitar uma equiparação, sua e do PT, ao governo Bolsonaro e seus aliados. O petista fez um longo histórico da trajetória do partido, defendendo que a legenda sempre disputou eleições dentro da lei e respeitou resultados, e fez alusões a declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

"Não fomos nós que falamos em fechar o Congresso, muito menos o Supremo, com um cabo e um soldado. Em nossos governos, as Forças Armadas foram respeitadas e os chefes militares respeitaram as instituições, cumprindo estritamente o papel que a Constituição lhes reserva. Nenhum general deu murro na mesa nem esbravejou contra líderes políticos."

Ainda na linha de refutar a hipótese de que o PT contribuiu para o acirramento do ambiente político, Lula fez críticas veladas a adversários do partido, dizendo que "são essas pessoas que agora nos dizem para não polarizar o país".

"Não fomos nós que pedimos anulação do pleito só para desgastar o partido vencedor", afirmou. "Não fomos nós os responsáveis, ativos ou omissos, pela eleição de um candidato que tem ojeriza à democracia."

Lula também se valeu de uma crítica à TV Globo, um de seus alvos habituais, para se dissociar da imagem de radical de esquerda. "Jamais ameacei e jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma concessão de TV", afirmou, em menção ao episódio em que Bolsonaro fez tal ameaça justamente à emissora carioca.

Celular como "relação de trabalho"

Junto com o discurso de uma oposição democrática, a defesa de direitos trabalhistas e de um Estado que garanta uma rede de proteção social estiveram no centro da fala de Lula.

Em uma orientação direta à oposição de esquerda, o ex-presidente falou em um "mundo novo" com que o PT "precisa dialogar", onde "as formas de exploração mudaram", mas "a injustiça e a desigualdade permanecem e são cada vez mais cruéis."

"O peso da injustiça recai hoje sobre os motoristas de aplicativos, os jovens que perdem a saúde e arriscam a vida fazendo entregas em motos, bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a quem recorrer por seus direitos, porque a única relação de trabalho que conhecem não é a carteira profissional, mas um telefone celular que ele precisa recarregar desesperadamente."

O ex-presidente afirmou que fará oposição "a um governo que rasga direitos dos trabalhadores e reduz o valor real do salário mínimo, que aumenta a extrema pobreza e traz de volta o flagelo da fome"; e que será radical "na defesa da soberania nacional, da universidade pública e gratuita, do Sistema Único de Saúde, público, gratuito e universal."

Lula também acusou o governo de destruir o meio ambiente; atacar mulheres, negros, indígenas e a população LGBT; e "qualquer um que ouse discordar."

Apesar da série de críticas ao governo Bolsonaro, o nome do presidente mal foi citado por Lula. Segundo um aliado do petista, ele optou por evitar ataques diretos e pessoais a Bolsonaro para não dar munição à base do presidente.

Lideranças pedem unidade da esquerda

Antes do discurso de Lula, o palco petista foi aberto para outras lideranças do PT, como Fernando Haddad, e de outros partidos de esquerda, como Manuela D'Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL). De diferentes formas, todos fizeram um apelo à unidade do campo.

Enquanto Haddad disse que a esquerda não pode "subestimar" sua força, Boulos afirmou que "Aquilo que nos separa é muito menor do que aquilo que nos une contra a Bolsonaro, contra a direita e contra a elite".

O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, destacou que era a primeira vez em que um presidente da legenda participava da abertura de um congresso do PT, e que as siglas estão "conseguindo conviver" com suas diferenças. Segundo ele, "para derrotar o governo Bolsonaro, qualquer aliança vale".

Já Manuela D'Ávila disse que os partidos políticos precisam se unir para "estar à altura do desafio de devolver dignidade" à população. Ela é cotada para liderar uma chapa de esquerda na disputa pela prefeitura de Porto Alegre no ano que vem.

Dirceu e Vaccari na plateia

O 7º congresso do PT também marcou o retorno do ex-ministro José Dirceu e do ex-tesoureiro João Vaccari Neto, condenados na Operação Lava Jato, a eventos públicos do partido depois da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de só permitir a execução das penas após o esgotamento dos recursos.

Dirceu foi aplaudido quando anunciado na cerimônia de abertura do congresso do PT. Correligionários gritaram "Dirceu, guerreiro do povo brasileiro". Já perto da hora do discurso de Lula, o ex-ministro sentou-se em uma das dezenas de cadeiras reservadas a lideranças petistas no palco da cerimônia. Vaccari também ocupou um dos assentos.

O congresso do PT vai até domingo. O evento também servirá para eleger a direção do partido, e a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) deve ser reconduzida ao comando da legenda.