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STF deve fechar hoje tese que abre caminho para investigar Flávio; entenda

O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República - Mauro Pimentel/AFP
O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

04/12/2019 04h01

Resumo da notícia

  • STF retoma hoje julgamento sobre uso de dados financeiros em investigações
  • Maioria votou que não é preciso autorização judicial para envio de dados da Receita a MP e polícia
  • Mas há dúvidas sobre uso de informações de UIF/Coaf -- o que impacta inquérito de Flávio Bolsonaro
  • Advogados ouvidos pela reportagem acreditam que uso será liberado

Depois de cinco sessões e quatro dias de discussão, o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria na última semana pela liberação de investigações que tenham usado, sem autorização judicial, dados da Receita Federal.

Hoje, a expectativa é que os ministros produzam uma tese sobre o assunto e regulamentem também o uso de informações da UIF (Unidade de Inteligência Financeira), novo nome do Coaf. A decisão será crucial para as investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro (sem partido). Entenda:

Dúvidas

Nas últimas sessões, os 11 ministros já votaram, sendo que 9 defenderam que a Receita não precisa de autorização para o envio de dados ao Ministério Público ou à polícia, no caso de suspeitas de crime.

Mas 6 ministros afirmaram que a UIF/Coaf, cujas informações formam parte do inquérito envolvendo Flávio, não eram tema da discussão. Por isso, a tese de hoje é aguardada.

Advogados ouvidos pelo UOL acreditam que, por "analogia", a UIF deverá ser incluída no entendimento dos ministros. Mas ressaltam que o palpite é "especulativo".

Moraes afirma que compartilhamento de dados pelo Coaf é constitucional

UOL Notícias

Dessa forma, ainda restam dúvidas para a sessão de hoje:

  • A UIF/Coaf será incluída na tese, ou ela se restringirá à Receita?
  • Se for incluída, os ministros decidirão que os dados da UIF/Coaf podem ser compartilhados com MP e polícia sem autorização judicial? 9 dos 11 ministros votaram que sim

O caso Flávio

Filho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio está sendo investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeitas de crimes como peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A investigação teve origem em relatórios produzidos pelo Coaf que identificaram movimentações atípicas na conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.

O relatório apontou uma movimentação de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz. As operações se davam em depósitos e saques em dinheiro, o que chamou a atenção dos promotores do MP-RJ.

Em abril, a Justiça autorizou a quebra de sigilo fiscal e bancário do senador e de Queiroz, mas a defesa de Flávio alega que o MP-RJ teve acesso a seus dados financeiros há mais de um ano, quando a investigação começou. No pedido acatado por Toffoli em julho, a defesa acoplou e-mails trocados entre o MP e o Coaf que diziam respeito à vida fiscal de Flávio, conforme revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Nas sessões do julgamento do STF, os ministros afirmaram em vários momentos que a comunicação entre os órgãos de controle e o MP deveria se dar por um sistema interno. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes chegaram a citar o termo "e-mail" como exemplos de meios informais de comunicação que estariam proibidos, no que soou como indireta ao caso de Flávio Bolsonaro.

Mesmo sem a produção da tese, as investigações que tem como base dados do Coaf e da Receita Federal já foram retomadas.

O que é a tese que o STF vai produzir?

Os entendimentos gerados a partir das decisões do Supremo influenciam, obrigatoriamente ou não, todas as decisões que as cortes do país tomarão após o julgamento. Grosso modo, o caso analisado pelo Supremo tem como base a repercussão geral, instituto jurídico que visa produzir uma tese para vários recursos que versam sobre a mesma questão.

Quando a repercussão geral é reconhecida pelo Supremo, os casos que tratam da mesma matéria ficam suspensos. De acordo com o STF, a repercussão geral visa "uniformizar a interpretação sem exigir que o STF decida casos idênticos sobre a mesma questão constitucional." Dessa forma é produzida uma tese que vai orientar toda a hierarquia estrutural do judiciário.

"Fixada a tese pelo Supremo, as instâncias anteriores aplicam o entendimento do tribunal aos demais casos sobrestados", diz texto no site do STF. Para os advogados ouvidos pela reportagem, no entanto, os tribunais devem se "nortear" pela tese, mas seu cumprimento não é obrigatório.

"De um modo geral, todas as decisões do Supremo produzem esse efeito irradiador. Eu diria que, neste caso específico, a rigor, essa decisão não tem imediatamente um efeito vinculante, obrigatório, mas naturalmente vai orientar as decisões dos tribunais", diz o criminalista José Roberto Batochio ao UOL.

O advogado Gustavo Polido endossa a posição de Batochio: "Os tribunais deveriam cumprir, por uma questão de hierarquia institucional. O posicionamento do Supremo deve nortear as decisões, ressalvadas as análises individuais."

A opinião de criminalistas

Vejo com preocupação o esmaecimento desses direitos fundamentais nos tribunais. A partir do momento que se concebe a ideia de que autoridades podem entrar na sua privacidade, na sua intimidade, e trocar informações a respeito de sua vida, sem que isso seja filtrado pelo controle de legalidade, é sinal de que as garantias estão morrendo

José Roberto Batochio, advogado criminalista

Me parece inconstitucional o MP receber direto a informação financeira, porque você está dando para quem vai acusar algo que não tem a mínima indicação de crime. Você está violando a intimidade de forma desnecessária e autorizando uma investigação do MP, o que a Constituição não permite

Gustavo Polido, advogado especializado em direito penal econômico