Topo

Do Coaf ao juiz de garantias: as derrotas de Sergio Moro no governo

Alex Tajra

Do UOL*, em São Paulo

23/01/2020 18h02

Resumo da notícia

  • Bolsonaro indicou possibilidade de tirar Segurança do ministério de Moro
  • Ministro tem acumulado derrotas em disputas com o Congresso e o presidente

Nos treze meses do governo Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, tem acumulado derrotas em entraves nos quais se envolve com o presidente e o Congresso. Hoje, mais uma rusga veio à tona: Bolsonaro levantou a possibilidade de criar uma pasta exclusiva para segurança (hoje, englobada pelo ministério de Moro), o que, caso confirmado, deve diminuir o espaço de atuação do ex-juiz.

"Se for criado [o novo ministério], aí ele [Sergio Moro] fica na Justiça. (...) É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança", disse o presidente. O comentário de Bolsonaro contraria fala do presidente emitida em novembro de 2018, quando afirmou que a fusão da Segurança com a Justiça já estava decidida quando Moro foi convidado ao ministério.

Bolsonaro já avaliou que a criação da pasta deve incomodar o ex-juiz. "Isso é estudado. Estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas estudado com os demais ministros", afirmou o presidente.

O novo capítulo da relação entre o ex-juiz e o capitão reformado é parte de uma cronologia que vai desde discussões sobre o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) até a criação do juiz de garantias, suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux.

Juiz de garantias e pacote anticrime

O texto que criou o juiz de garantias foi sancionado por Bolsonaro mesmo sob os protestos de Moro. O ministro já declarou publicamente ser contrário ao sistema, argumentando que esta nova configuração deve deixar a Justiça mais lenta.

A criação foi anexada ao pacote anticrime, sugerido por Moro, e que obteve novos traços a partir das análises do Congresso.

Em termos gerais, Moro perdeu mais do que ganhou em um projeto que, inicialmente, tinha sua assinatura. A lei foi sancionada em dezembro passado sem as principais bandeiras do ministro: o excludente de ilicitude, a possibilidade de execução da pena após segunda instância e o acordo de "plea bargain".

Decreto de armas

Porte de armas: Bolsonaro assina decreto que muda regras no país

Band Campinas

Em maio, Moro disse que o decreto que flexibilizou as regras para a compra e porte de armas no país, assinado por Bolsonaro, não fazia parte de uma estratégia de combate à criminalidade.

"Não tem nada a ver com segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições", afirmou o ministro na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado na Câmara.

Questionado se assinou o decreto sem concordar com ele, Moro não entrou em detalhes, mas disse que é normal haver divergências dentro do governo.

Coaf no Banco Central

Logo nos primeiros meses do governo, Moro atuou junto a parlamentares para que o Coaf fosse anexado à pasta da Justiça, no âmbito da reforma ministerial promovida pelo governo. O órgão é responsável por levantar movimentações financeiras suspeitas e auxiliar no combate à corrupção.

O trecho da Medida Provisória que estipulava o conselho na pasta comandada por Moro foi rechaçado pelo Congresso e, no último dia 7, o presidente sancionou uma lei que deixa o Coaf sob a alçada do Banco Central.

Demissão em debate

No livro "Tormenta —O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos" (Companhia das Letras), a jornalista Thaís Oyama afirma que o presidente cogitou demitir Moro em 2019. Confrontado com a informação, o presidente se irritou e classificou a informação como falsa.

"O livro é fake news, mentiroso e não vou responder sobre o livro", disse Bolsonaro no último dia 14.

Segundo o colunista do UOL Tales Faria, o presidente cogitou a demitir Moro no segundo semestre do ano passado, mas o general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o convenceu a manter o ex-juiz no cargo. O risco, para Heleno, era a "implosão" do governo com a saída de Moro.

Atrito com a Polícia Federal

Em agosto, o presidente disse em entrevista que Ricardo Saadi, superintendente da PF (Polícia Federal) no Rio, seria substituído por questões de produtividade. A declaração refletiu em notas da corporação negando que a conduta de Saadi estivesse relacionada com sua saída.

Depois desta primeira fala, Bolsonaro passou a reforçar que sua interferência na PF —que está sob o comando da Justiça, controlada por Moro— era respaldada pela lei. Ele chegou a afirmar que questões como essa devem passar pela sua análise para que não seja taxado de um "presidente banana".

Em meio à crise, o ministro visitou em uma tarde de agosto a superintendência da PF no Rio, pivô da crise entre Bolsonaro e a corporação. Ele permaneceu por pouco mais de duas horas no local e saiu sem dar declarações à imprensa, inclusive vetando a presença de jornalistas durante a visita.

Após a pressão de Bolsonaro, Saadi foi exonerado da PF.

Nomeação de Ilona Szabó

Moro revoga nomeação de cientista política para conselho

Band Notí­cias

Nomeado com o compromisso de ter carta-branca, Moro precisou recuar da nomeação da cientista política Ilana Szabó.

Ela integraria, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária por pressão de Bolsonaro e de uma onda de ataques nas redes sociais por causa de suas posições divergentes em relação ao governo em temas como armamento e política de drogas.

À cientista política, Moro disse que lamentava o recuo, mas justificou estava sendo pressionado.

Desentendimento com Maia

Troca de farpas entre Moro e Maia gera mal-estar ao governo

Band Notí­cias

Em março, Moro cobrou publicamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a colocar em discussão o pacote anticrime. Além de desautorizar o ministro, Maia o acusou de "copiar" outro projeto que já tramita na Câmara.

Na ocasião, Maia mostrou irritação com o ministro ao chamá-lo de "funcionário do presidente Jair Bolsonaro".

"Funcionário do presidente Bolsonaro?", reagiu o presidente da Câmara ao ser questionado se havia conversado com Moro sobre o tema. "Conversa com o presidente Bolsonaro e se o presidente Bolsonaro quiser, conversa comigo. Eu fiz aquilo que acho correto. O projeto é importante. Aliás, ele está copiando projeto do ministro Alexandre de Moraes, copia e cola. Então tem poucas novidades no projeto dele", disse Maia.

Em nota, Moro rebateu Maia e disse que "talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais". "Essas questões sempre foram tratadas com respeito e cordialidade com o presidente da Câmara, e espero que o mesmo possa ocorrer com o projeto e com quem o propôs. Não por questões pessoais, mas por respeito ao cargo e ao amplo desejo do povo brasileiro de viver em um país menos corrupto e mais seguro."

*Colaborou Stella Borges, do UOL em São Paulo

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.