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MP de Bolsonaro permite ao governo ignorar até 4 mil pedidos de informação

Presidente Jair Bolsonaro durante anúncio de medidas contra o coronavírus - ADRIANO MACHADO
Presidente Jair Bolsonaro durante anúncio de medidas contra o coronavírus Imagem: ADRIANO MACHADO

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

25/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • MP permite descumprir prazos da Lei de Acesso à Informação
  • Regra também acaba com recursos contra pedidos rejeitados
  • Especialistas veem brecha para desvios de dinheiro e corrupção
  • Ministro diz haver compromisso com "transparência total"

Uma brecha na Medida Provisória 928 permite ao governo federal ignorar até quase 4.000 pedidos de informação pendentes de análise pelo Executivo. Se a regra for aplicada para os Poderes Legislativo e Judiciário, estados e prefeituras, o número de pedidos que podem ser ignorados seria maior ainda.

Essa é a avaliação de técnicos e especialistas em transparência, cidadania e combate à corrupção ouvidos pelo UOL a partir dos textos da regra, baixada na noite de segunda-feira (23) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Para eles, a medida tira a confiança no governo e incentiva a corrupção e o desvio de dinheiro em um período em que compras e contratos são feitas de modo emergencial e sem licitação para enfrentar a crise do coronavírus.

Na terça-feira (24), a Rede Sustentabilidade foi à Justiça pedindo a suspensão imediata da nova norma. Procurada, a CGU (Controladoria-Geral da União) não comentou o caso. O ministro Wagner Rosário disse, em rede social, acreditar que "a maioria" das solicitações será respondida (leia mais abaixo).

A MP 928 permite ao governo descumprir os prazos de atendimento dos pedidos de informação feitos pela sociedade aos órgãos do governo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) durante o período de calamidade do coronavírus.

Esse atraso seria tolerado quando o servidor estiver em trabalhando de casa e impedido de ter acesso físico a documentos para responder aos cidadãos ou estiver "prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento" da covid-19.

Mas norma também afirma que, nesses casos, o servidor poderá negar a informação, situação em que não adiantará nem sequer recorrer para tentar a informação. Na prática, o cidadão terá que ir à Justiça ou esperar o fim do período de calamidade.

Não serão conhecidos os recursos interpostos contra negativa de resposta a pedido de informação negados com fundamento no disposto no § 1º"
Trecho da Medida Provisória

Segundo o consultor em transparência e corrupção Fabiano Angélico, esse é mais um trecho "absurdo" da medida provisória. "É falta de controle social", disse ele ao UOL.

Pode haver desvio de dinheiro, falta de entendimento e falta de análise independente a respeito da efetividade e eficácia de políticas públicas que estão sendo adotadas"
Fabiano Angélico, consultor em transparência

Segundo dados da CGU, existem 3.968 pedidos de informação pendentes de análise no Executivo federal. Destes, 283 estão fora do prazo de atendimento. A brecha da Medida Provisória permitiria negar todos e, na sequência, impedir um recurso para tentar obter os dados.

O gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, entende que a brecha vai se aplicar a todos os pedidos de informação pendentes, inclusive anteriores à publicação da MP 928.

Já há notícia de sobrepreço, diz ONG

"O fato de o servidor estar em teletrabalho não pode ser automaticamente uma justificativa para negativa da informação, até porque muitas destas repartições já possuem recursos que permitem acesso remoto", avalia Langeani. Para ele, juntar isso com a impossibilidade de recebimento de recursos só piora o quadro.

Na prática isso, concentrará muito poder na mão dos servidores designados a operar a LAI no dia a dia, que poderão sozinhos decidir o que responder ou não, sem medo de terem sua decisão revista"
Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz

Langeani destaca as notícias sobre "compras emergenciais com sobrepreços e dados que não estão sendo compartilhados em velocidade necessária". "Em um momento de muito debate sobre a qualidade e velocidade das respostas governo e com atividades do Congresso também limitadas haverá um grade prejuízo no controle social dos governos."

Angélico lembra que a fórmula é conhecida. "Quanto menos transparência, mais corrupção e mais políticas públicas mal feitas."

Para o advogado Bruno Morassutti, da Fiquem Sabendo, agência especializada em LAI, a medida provisória vai permitir inúmeras negativas porque possui conceitos genéricos em relação à atuação prioritária de servidores no combate ao coronavírus. "Há um problema do que é que se entende como 'prioritário'. A MP não tem uma lista explicativa. Esse [enfrentamento à doença] é justamente o tipo de informação que mais se demanda atualmente."

Regra desnecessária ocultaria fornecedor aliado do governo

Angélico e a analista de políticas públicas da ONG Coding Rights Bruna Santos, concordam que a medida provisória é desnecessária. Segundo ele, a Lei de Acesso à Informação já permite negar pedidos que exijam excesso de trabalho - e o estado de calamidade pública pode gerar isso em alguns casos específicos. "Não precisaria perder tempo respondendo pedido de informação", admitiu Angélico.

Bruna Santos diz que a regra promove uma "blindagem" para o agente público ou setor prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da pandemia. "E que, inclusive, pode ser motivada pela publicização de dados sobre compra de máscaras pela união ter sido feita com apoiadores do Bolsonaro", continuou.

Bruna se referia a reportagem do site The Intercept Brasil publicada na segunda-feira. A notícia mostrou que uma empresa fornece máscaras para o governo sem licitação por R$ 18 milhões, um preço é 67% mais caro que de um outro fornecedor do Ministério da Saúde. O dono da empresa é militar aposentado e "bolsonarista fervoroso", segundo o site.

Partido foi ao STF para derrubar regra

Na terça-feira (24), a Rede Sustentabilidade foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) tentar barrar a Medida Provisória. "Logo em seu primeiro mês de governo, o Presidente da República tentou flexibilizar a classificação de documentos sigilosos por decreto", criticou o líder da Oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

"Agora, tenta, por medida provisória, logo após a decretação do estado de calamidade pública, restringir o acesso à informação."

É mais um absurdo e um claro exemplo do autoritarismo do presidente"
Randolfe Rodrigues, senador líder da Oposição

Alteração é temporária e importante, diz ministro

A assessoria da CGU não prestou esclarecimentos ao UOL sobre a brecha na Medida Provisória.

Na manhã de terça-feira (24), o ministro da CGU, Wagner Rosário, publicou vídeo em redes sociais em que disse que a mudança será "temporária e importante para esse momento de crise". "São situações justificáveis emergenciais que vão atrasar um pouco algumas respostas", minimizou.

O governo continua comprometido com a transparência total dos dados"
Wagner Rosário, ministro da CGU

"Ao término da situação, tudo será colocado em dia, mas tenho certeza de que a maioria das respostas, mesmo no período de emergência, serão realizadas dentro do prazo."

Segundo ele, a Medida Provisória servirá apenas para que o funcionário público não ser punido por atrasar os prazos da Lei de Acesso à Informação.