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MP acusa Ministério da Saúde de superfaturamento de consulta médica virtual

Hiraman/Getty Images
Imagem: Hiraman/Getty Images

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

11/05/2020 18h48Atualizada em 11/05/2020 19h59

O Ministério Público de Contas acusa o Ministério da Saúde de contratar serviços de telemedicina durante a pandemia de coronavírus com sobrepreço. No início, o contrato previa atendimentos ao preço de R$ 5,80 cada um, num contrato de R$ 26 milhões. Depois, o valor subiu para mais de R$ 20 por consulta e o contrato chegou a R$ 144 milhões.

O chamado "Telesus" funciona pelo número 136. No primeiro mês do serviço, foram atendidas 78 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde

O procurador Marinus Marsico disse ao UOL que houve mudança de custo de forma "descarada". "Nunca vi uma manipulação de preço de compra tão descarada", afirmou.

Sem licitação e sem consulta ao painel de preços do governo, a proposta de contratação foi feita em 12 março, ainda na gestão do então ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), demitido pelo presidente Jair Bolsonaro em 16 de abril.

Segundo o Ministério Público de Contas, a Saps (Secretaria de Atenção Primária à Saúde) do ministério recorreu ao buscador Google para selecionar a empresa para contratação.

"A secretaria do Ministério [da Saúde] pretextou que a escolha da Topmed se deveu ao desconhecimento de outras empresas em condições de exercer a tarefa e, para tanto, apresentou alguns resultados de busca na ferramenta de pesquisa Google", narra a representação de Marsico, entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal.

Procurado, o Ministério da Saúde informou que não seria possível prestar os esclarecimentos nesta segunda-feira, mas que comentaria o caso amanhã.

A empresa Topmed negou sobrepreço no negócio. "Não houve qualquer ação irregular no contrato em questão", disse a assessoria da fornecedora do governo. "O contrato foi firmado em observância às disposições da lei".

A Topmed disse desconhecer a acusação do Ministério Público de Contas mas afirmou que "está à disposição dos órgãos responsáveis para prestar quaisquer informações ou esclarecimentos".

"Causa estranheza que uma afirmação desta gravidade tenha sido feita sem que houvesse qualquer questionamento ou pedido de esclarecimento para Topmed. O contrato vem sendo integralmente cumprido, não havendo qualquer irregularidade, seja na fase de contratação, seja na fase atual, de execução."

A Topmed afirmou que o contrato tem seis meses de duração. E disse o valor é de, no máximo, R$ 144 milhões. A empresa não informou quantas consultas realizou até o momento e disse não ter recebido ainda pelo serviço. No entanto, um comunicado do Ministério da Saúde mostra que, no primeiro mês, 78 mil pessoas fizeram teleconsultas.

Serviço era para atendimento pré-clínico

De acordo com a representação do Ministério Público de Contas, o serviço era para fazer atendimento pré-clínico a pessoas com suspeita de estar com coronavírus. Em vez de se dirigirem a uma unidade de saúde, correndo risco de contágio com a covid-19, a população telefonaria para atendentes com formação em saúde e poderia receber orientações preliminares.

O custo inicial era de R$ 0,29 por consulta, num universo de 15 milhões de pessoas. Mas como estimou-se que apenas 5% dessa população utilizaria o serviço todo mês, o custo subiu para R$ 5,80 por atendimento. O contrato era de R$ 26 milhões para seis meses, renováveis por mais seis.

No entanto, narra Marsico, houve renegociações de valores. E já em 19 de março, tudo foi mudado. "O mesmo órgão ministerial [Saps], inesperadamente, declarou que o valor unitário do atendimento não eram os proclamados R$ 5,80, mas sim R$ 23,19, ou seja, quatro vezes mais", afirma o procurador na representação.

Isso porque a Topmed teria informado que só poderia atender 191 mil ligações por mês. Mas a queda no número de atendimentos não baixou o valor do contrato. Ao contrário, ficou tudo mais caro.

"A Saps, ao inverso, resolveu aumentar o valor por pessoa para R$ 21,33 e dobrar o quantitativo de usuários, passando para de 765 mil para 1,5 milhão", diz Marsico. "E chegou, sabe-se lá por quê, ao valor total do contrato de R$ 144.009.900,00."

Consulta presencial no SUS é mais barata

Uma consulta presencial com um médico do Sistema Único de Saúde (SUS) - R$ 12 - custa quase a metade de um atendimento por telefone. No caso da telemedicina, o preço é R$ 21.

A pessoa liga para telefone 136 é atendida por um robô. Caso informe sintomas de covid-19, a ligação passa para uma atendente humano, que é profissional de saúde. Conforme for a gravidade da situação, o telefonema é repassado a um médico. A cada 48 horas, esse médico liga para a casa do paciente e faz o acompanhamento, segundo a assessoria da Topmed.

A empresa disse que tem capacidade para atender 50 mil pessoas por dia ou até 1,5 milhão por mês, e não 191 mil como anotou o Ministério Público.

Entre 12 de março e 14 abril, 78.500 pessoas realizaram teleconsulta com médicos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem, segundo comunicado do Ministério da Saúde da época. "Além disso, 183,3 mil pessoas foram ou ainda estão sendo acompanhadas, diariamente ou a cada dois dias, a depender de cada caso."

Sobrepreço é "desavergonhado", diz procurador

Na representação, o procurador destaca que a Topmed só pode atender 191 mil pessoas, por mês "menos de um milésimo da população brasileira". "Talvez disso se depreenda a razão do desavergonhado sobrepreço imposto, em última instância, ao contribuinte."

Marsico solicita que o TCU abra um processo sobre o tema. Ele encaminhou a representação à Polícia Federal, à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Saúde.