Como o MP descobriu que Fabrício Queiroz estava em Atibaia
Resumo da notícia
- MP apreendeu celular de esposa de Queiroz e rastreou mensagens
- Ex-assessor de Flávio Bolsonaro mandou fotos de churrasco em dezembro
- Queiroz era saudável, contrariando versão de saúde debilitada, diz MP
Um cenário arborizado, com um pequeno jardim cercado por tijolos, compõe a fachada do imóvel onde Fabrício Queiroz foi preso preventivamente em Atibaia (SP) na última quinta-feira (18), suspeito de ser o operador financeiro de um esquema de rachadinha na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) entre abril de 2007 e dezembro de 2018.
Em frente ao portão, uma mensagem esculpida em madeira: "sonho meu". O paradeiro do ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos) só foi descoberto pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) graças ao rastreamento das mensagens enviadas para a esposa dele, Márcia Oliveira de Queiroz, considerada foragida pela Justiça.
Enquanto a pergunta "Onde está Queiroz?" viralizava nas redes sociais em meio ao avanço das investigações, ele levava uma vida tranquila em Atibaia, a 400 km do Rio.
Às 16h19 de 8 de dezembro de 2019, Queiroz enviou uma foto para a esposa. Sorridente, ele posava de bermuda e chinelo enquanto fazia um churrasco ao ar livre, segurando uma cerveja.
"Até que enfim, hein mulher. Acordou, hein. Devia ter tomado todas ontem. Felipe [seu filho] arrumou umas 'amiguinhas' aqui. Nós então fizemos um churrasquinho aqui. Umas garotinhas 'bacaninhas' e vimos o Cruzeiro ser rebaixado... o Cruzeiro ser rebaixado tomando uma corona aqui com limãozinho... Muito bom!", escreveu.
Dois dias depois, Queiroz enviou outra foto para Márcia. Desta vez, aparecia de boné e sem camisa enquanto usava limão para temperar um peixe. Segundo o MP-RJ, os registros desmentem o argumento de que Queiroz não poderia prestar depoimento por causa de problemas médicos —ele se trata de um câncer.
As fotografias e mensagens de texto demonstram que, apesar de alegar não poder depor por suposta indicação médica, o operador financeiro da organização criminosa levava uma vida confortável e ativa, aparentando estar bastante saudável, chegando a ingerir bebidas alcoólicas e comer churrasco com "amiguinhas" de seu filho
Trecho do relatório encaminhado pelo MP à 27ª Vara Criminal do Rio
Suspeito dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa, Queiroz foi conduzido ao presídio de Bangu, na zona oeste do Rio.
Antes da prisão, o ex-assessor de Flávio não era considerado foragido, uma vez que a Justiça não havia expedido ordem de prisão contra ele. Contudo, o MP aponta que ele ocultava seu paradeiro a fim de dificultar as investigações, como acesso dos promotores para depoimentos. No começo das investigações, ele faltou a depoimentos e alegou problemas de saúde.
Outros relatos de Queiroz em Atibaia
Embora o paradeiro de Queiroz tenha sido desvendado após a apreensão e rastreamento de dados do celular da sua esposa, outras pessoas revelaram ter visto Fabrício Queiroz em Atibaia.
Um mês antes da prisão, um morador postou em sua rede social: "Queiroz está em Atibaia". Entrevistado pelo Fantástico, ele disse ter repassado a informação para Heloísa de Carvalho, filha de Olavo de Carvalho, apontado como o guru da ala ideológica do governo Bolsonaro.
"É um lugar bastante isolado, sem comércio nenhum no seu entorno. Então, decidi dar uma olhada e investigar. Em certo momento, vi uma figura que parecia muito com o Queiroz. E fui juntando as peças", relata, durante a entrevista.
Na quinta, após a prisão de Queiroz, Heloísa de Carvalho foi ao imóvel onde Queiroz foi detido acompanhada por Bruno Maia, conhecido como Todd Tomorrow, que foi candidato a deputado estadual em São Paulo pelo PSOL e que hoje está filiado ao PDT.
"Estamos comemorando o início do fim", disse Todd. "Da nossa investigação, que ninguém deu bola", completou Heloísa, brindando com uma taça de suco de laranja.
Todd disse ter repassado a informação ao MP. Entretanto, o órgão relata apenas, no pedido de prisão, que descobriu a informação por causa do rastreamento das mensagens.
Como funcionava a rachadinha, segundo o MP-RJ
Segundo o MP-RJ, a rachadinha ocorreu no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro entre abril de 2007 e dezembro de 2018. Os promotores apontaram Queiroz como o operador financeiro de um esquema que movimentou mais de R$ 2 milhões no período, com a participação de ao menos 11 servidores, que repassavam 40% dos seus salários —média de R$ 15 mil por mês, segundo levantamento feito pelo UOL.
Os recolhimentos eram feitos próximos às datas dos pagamentos dos salários de funcionários fantasmas da Alerj. Eles eram ligados a Queiroz por relações de parentesco, vizinhança ou amizade, aponta o MP-RJ.
A investigação começou quando relatório do antigo Coaf, órgão de inteligência financeira, indicou movimentação atípica nas contas Queiroz de R$ 1,2 milhão em um ano com depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas aos pagamentos na Alerj. Queiroz disse ao MP que usava o dinheiro para remunerar assessores informais do gabinete. Mas a defesa nunca apontou quem eram os supostos beneficiários.
Flávio diz ser vítima de campanha de difamação
A assessoria de imprensa de Flávio se posicionou ontem (20) por meio de nota. O texto diz que o político é vítima de uma campanha de difamação orquestrada por um grupo político, sem contudo dizer quem estaria envolvido. Ele alega inocência, garante que o patrimônio dele é compatível com os seus rendimentos e diz acreditar na Justiça.
Na sexta-feira (19), parlamentares da oposição entregaram uma representação no Conselho de Ética do Senado, em Brasília, pedindo a cassação de Flávio por quebra de decoro parlamentar.
Entre os motivos alegados pela oposição para o pedido estão o suposto envolvimento de Flávio com as milícias, a rachadinha, lavagem de dinheiro e emprego de funcionários fantasmas.
Sou um cara de negócios, disse Queiroz
O advogado Paulo Emílio Catta Preta contesta a prisão preventiva. Segundo ele, Queiroz estava colaborando com as investigações. Entretanto, ele faltou a depoimentos em 2018. Segundo o MP-RJ, forneceu endereço falso e ocultou o seu paradeiro, para obstruir as investigações.
A defesa de Queiroz entrou com pedido de substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, citando o tratamento a um câncer no intestino. Mas o pedido foi negado pela Justiça.
Em entrevista ao SBT em 2019, Queiroz negou ser "laranja" de Flávio. Segundo ele, parte da movimentação atípica de dinheiro vinha de negócios com a compra e venda de automóveis. "Sou um cara de negócios, eu faço dinheiro... Compro, revendo, compro, revendo, compro carro, revendo carro. Sempre fui assim", afirmou na ocasião.
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