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Jurista sobre Bolsonaro: "Há um excesso de crimes de responsabilidade"

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

11/08/2020 13h09

A jurista e professora da FGV Direito-SP, Eloísa Machado, afirmou hoje ao UOL Entrevista que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu "um excesso de crimes de responsabilidade", mas seu impeachment é improvável enquanto houver desinteresse do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), em aceitar algum dos processos protocolados na Casa.

Em entrevista ao colunista do UOL Leonardo Sakamoto, Machado também comentou sobre o dossiê antifascista e a influência da política sobre despachos da Procuradoria-Geral da República, do STF (Supremo Tribunal Federal) e do ex-juiz Sergio Moro, a quem ela atribui a "culpa" pela derrocada da Operação Lava Jato.

Para a professora, especialista em STF, a legislação brasileira "tem facilmente tipificada as afrontas às instituições democráticas" já cometidas por Bolsonaro. "E isso está claro na falta de transparência e na condução da pandemia".

O governo federal é responsável por atos ilegais e omissões ilegais e isso estaria caracterizado crime de responsabilidade por afetar os direitos fundamentais dos brasileiros. Me parece que há um excesso de crimes de responsabilidade.

Polícia-política

Um dos exemplos foi a criação do dossiê antifascista atribuído ao governo e que ela chamou de "polícia-política". "O ministro André Mendonça (Justiça) desconversou, disse que se tiver um dossiê, ele não vai apresentar", recorda a jurista. "É uma opacidade que favorece a prática de crimes de abuso de autoridade."

"Essa opacidade não é apenas sobre o dossiê. A gente está falando de um vice-presidente da República que tentou acabar com a Lei de Acesso à Informação. Um governo que foi com força contra a Fiocruz para que informações sobre a pandemia e uso de consumo de drogas não fossem divulgados, que não libera gastos usados em seus cartões corporativos", diz. "Um governo que não deu explicações suficientes sobre a contaminação do presidente com covid-19, o Ministério da Saúde resolveu não divulgar [voltou atrás] o número de contaminados e mortos."

Ao combinar essa política de Estado a uma polícia política, já estamos fora dos parâmetros de Estado de direito.
Eloísa Machado, jurista

A professora duvida, no entanto, que tais crimes de responsabilidade acabem em um processo de impeachment porque "a interpretação que importa é a do Rodrigo Maia porque nosso desenho institucional só dá o poder a uma pessoa, ao presidente da Câmara".

"O impeachment tem componente jurídico, e tenho firmeza em dizer que sim, está preenchido, uma profusão deles (...) O componente político não tem. Sem o componente político, os crimes de responsabilidade não serão julgados tão cedo", diz.

Governo "corrói" instituições jurídicas

Para a professora, o governo causa uma "corrosão de diversas instituições, do Ministério Público à Advocacia-Geral da União", que seria utilizada para defender o presidente, não a União.

"Essa maneira de confronto à Constituição e o fim das fronteiras do público e privado jogou as instituições em crise", diz a jurista, que cita nomes: "O Augusto Aras no cargo de procurador-geral da República (...) Ele tem como função controlar [abusos do] Poder Executivo (...) e o que vemos é um procurador muito dócil a um governo que desafia a Constituição."

Aras parece que quer uma indicação ao STF e há esse pacto de impunidade para uma nomeação tranquila.
Eloísa Machado, jurista

STF fez "vista grossa" para a Lava Jato

Sobrou também para o STF, que, ela diz, "abraçou a Lava Jato e fez vista grossa às críticas que já eram feitas e começou a tomar decisões fora de precedentes". Ela diz que a Corte "mudou a compreensão sobre foro privilegiado", por exemplo, por não querer contrariar a opinião pública, mobilizada em 2014 contra a corrupção.

"Foi por causa dela que houve impeachment de Dilma e o resultado eleitoral de 2018", afirma. "O Supremo começa agora a tentar voltar a seu entendimento pré-agenda de moralização", mas "essa normalidade não existe mais".

"O estrago já foi feito, o Supremo está encurralado pelas suas más decisões. O Gilmar Mendes que hoje critica o ex-juiz Sergio Moro foi o mesmo que impediu a posse de Lula como ministro", afirma.

Moro é culpado por desmonte da Lava Jato

O juiz virou ministro de um governo "beneficiado por suas decisões", afirma ela. "Moro lidou seletivamente com alguns réus, tirou um candidato da páreo presidencial. Sem entrar no mérito se há culpa, fato é que Moro foi o responsável por retirar Lula da eleição de 2018."

Ela acredita que, se o Supremo decidir que Lula foi perseguido por Moro,"teremos impacto em casos individuais e a culpa não será do tribunal por cancelar condenações, mas do ex-juiz [Moro]".

A culpa do desmonte da Lava jato deve cair sobre [o procurador] Daltan Dalagnol e Moro pela forma desrespeitosa como conduziram a operação.
Eloísa Machado, jurista

Juiz afaga Bolsonaro por vaga no STF

Ainda segundo a jurista, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz com a intenção de ser indicado por Bolsonaro a uma vaga no Supremo. Ela diz que Noronha ajudou Queiroz ao justificar o perigo de se estar preso durante a pandemia, embora "o judiciário tenha mantido a sua posição de indiferença" em relação aos presos provisórios em presídios superlotados.

O caso é o maior exemplo de seletividade e injustiça praticado pelo Judiciário. (...) O Noronha também decidiu beneficiar a companheira do Queiroz, e isso é inédito, não há igual: ela estava foragida, mas precisava cuidar de Queiroz e, antes de ser presa, foi solta.
Eloísa Machado, jurista