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Frente de prefeitos relata pressão de vereadores para comprar "kit covid"

Hidroxicloroquina é um dos medicamentos do chamado ?kit covid? - Yuri Cortez/Getty Images
Hidroxicloroquina é um dos medicamentos do chamado ?kit covid? Imagem: Yuri Cortez/Getty Images

Lucas Valença

Colaboração para o UOL, em Brasília

21/04/2021 04h00Atualizada em 21/04/2021 11h28

Um levantamento feito pela FNP (Frente Nacional de Prefeitos) mostra que gestores de quatro capitais e de cidades populosas do país têm sido pressionados por seus respectivos vereadores a adotar o chamado "kit covid". O conjunto de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento do coronavírus já chegou a ser defendido pelo governo federal.

A pressão de integrantes das Câmaras Municipais para que os prefeitos invistam recursos públicos nos kits acaba sendo manifestada de muitas formas, desde a elaboração de "indicações", quando o parlamentar apenas sugere a compra pelo município, até a aprovação de leis para que os municípios sejam obrigados a comprar os remédios.

É o caso da Prefeitura de Santa Maria (RS), na qual um projeto de lei do vereador Tubias Calil (MDB) foi aprovado obrigando a distribuição dos kits de forma gratuita. Fato semelhante ocorreu em Rio Branco, capital do Acre.

Em nota, a prefeitura de Santa Maria informou, por meio da Secretaria de Saúde, "que disponibiliza os medicamentos conforme regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS) e que respeita a conduta médico-paciente". "Ou seja, a legislação promulgada não altera a sistemática já adotada pelo município e está de acordo com o que já vem sendo feito", afirmou.

O UOL procurou por email, as Câmaras Municipais de Santa Maria e Rio Branco, mas não obteve resposta.

No estudo, obtido em primeira mão pelo UOL, quatro capitais estão listadas entre as prefeituras que enfrentaram problemas junto às respectivas Câmaras Municipais. Em Porto Alegre (RS), vereadores chegaram a aprovar a criação de uma frente parlamentar para tratar dos "possíveis benefícios do tratamento precoce".

Em março deste ano, a Câmara Municipal de Curitiba (PR) aprovou um ofício pedindo a contratação, pela prefeitura, de um estudo técnico sobre a eficácia dos medicamentos.

Já em Recife (PE), o prefeito João Campos (PSB) recebeu o "apelo" de vereadores da base aliada para que a população tenha acesso aos medicamentos. A prefeitura da cidade informou à reportagem que não trabalha com medicamentos do chamado "kit Covid" e com nenhum remédio sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19.

"A decisão é baseada no surgimento de evidências científicas sobre a ausência de benefícios do uso dos medicamentos do "kit covid" e sobre os efeitos colaterais provocados pelas drogas", disse, por meio de nota, a Secretaria da Saúde de Recife.

O UOL também procurou as Câmaras de Porto Alegre, Curitiba e Recife, e não obteve resposta.

Cidades populosas, como Ponta Grossa, no Paraná, e Campinas, em São Paulo, também enfrentaram problemas semelhantes, segundo a pesquisa elaborada pela FNP. As Câmaras de ambas as cidades não haviam respondido aos questionamentos do UOL até a publicação desta reportagem.

O presidente da FNP e prefeito de Aracaju (SE), Edvaldo Nogueira, disse ao UOL que pede aos colegas que atendam a recomendação da comunidade científica, que já afirmou que não há remédio eficaz reconhecido até o momento.

Evidentemente que gostaríamos que existisse, isso salvaria vidas, mas não é a realidade. A FNP pede que as cidades sigam a orientação da OMS e não gastem dinheiro com medicamentos que não atendem à população"
Edvaldo Nogueira, presidente da FNP

Orientação da OMS

A aquisição dos medicamentos, porém, contrasta com uma afirmação feita pela diretora-geral assistente para Acesso a Medicamentos e Produtos Farmacêuticos da OMS (Organização Mundial da Saúde), Mariângela Simão, em evento promovido pela própria FNP na última quinta-feira (15).

Na ocasião, a especialista ressaltou que os gastos com o "kit prevenção" são o mesmo que "jogar dinheiro fora".

"Existem evidências fartas e científicas que avaliam todos os efeitos com relação à hidroxicloroquina, ivermectina, e nenhum destes medicamentos têm influência, seja na prevenção ou na diminuição da gravidade da doença", afirmou.