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Mandetta diz que Planalto propôs decreto para mudar bula da cloroquina

Ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em depoimento à CPI da Covid no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
Ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em depoimento à CPI da Covid no Senado Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Do UOL, em São Paulo, e em Brasília*

04/05/2021 15h23Atualizada em 04/05/2021 18h58

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse em depoimento para a CPI da Covid, no Senado, que foi apresentado a ele em reunião no Palácio do Planalto, uma proposta de decreto presidencial para alterar a bula da cloroquina a fim de que o fármaco pudesse ser indicado para tratamento da covid-19.

Segundo ministro, a proposta estava em um papel não timbrado e sem identificação, apenas com uma minuta que sugeria a mudança na bula do medicamento. Mandetta afirmou aos senadores que o próprio presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, negou o pedido de modificação.

Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido, daquela reunião, que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. E foi, inclusive, o próprio presidente da Anvisa, [Antonio] Barra Torres, que estava lá, que falou: 'Isso não'
Luiz Henrique Mandetta

Segundo Mandetta, atual desafeto de Bolsonaro, um outro ministro disse na reunião: 'Não, isso daqui [a proposta de mudar a bula] não é nada da lavra daqui. Isso é uma sugestão'.

Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou e se deu ao trabalho de botar aquilo num formato de decreto"
Mandetta

O ex-ministro afirmou que um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) vinculada ao Ministério da Saúde alertou que a compra de medicamentos para tratar a covid-19 sem comprovação científica implicaria improbidade administrativa.

"Esses gastos foram feitos sem passar pela incorporação da comissão técnico-científica, portanto a minha AGU colocou claramente que aquilo não seria correto do ponto de vista da probidade administrativa", disse Mandetta em resposta ao questionamento feito pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que perguntou se o ex-ministro alertou o presidente que realizar gastos públicos relevantes com medicamentos como a cloroquina poderia ser enquadrado como crime de responsabilidade.

A cloroquina, defendida pelo presidente Bolsonaro como solução para a doença, é usada para contra malária, artrite reumatoide e lúpus.

Mandetta explicou que o ministério não pode simplesmente decidir comprar um medicamento, e que para avaliar a aquisição existe uma comissão de incorporação técnico-científica (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS-Conitec). Segundo Mandetta, o medicamento não teria como ter aval desse comitê, uma vez que um dos principais pontos analisados era a evidência científica.

Produção de cloroquina pelo Exército

Em sua fala, o ex-ministro afirmou que o estímulo do governo ao aumento da produção de cloroquina pelo Exército não partiu do Ministério da Saúde, porque a pasta já tinha a quantidade suficiente do remédio para as doenças para as quais tem eficácia comprovada, e para o eventual uso em pacientes hospitalizados em estado grave com covid-19.

"Foi uma determinação feita, na minha época, como ministro, à margem do Ministério da Saúde", disse.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que a comissão pode abrir uma frente de investigação contra médicos que prescreveram o medicamento sem eficácia para pacientes que desenvolveram efeitos colaterais.

"Esses pacientes com efeitos colaterais, quem vai ser responsável por isso? Porque (senadores) têm dito para trazer médicos aqui que defendem. Eu tenho dito: melhor não trazer, porque a gente quer saber quantos pacientes foram salvos, e quantos atenderam, para a gente saber quantos têm efeitos colaterais, para responsabilizar quem prescreveu esses medicamentos", declarou.

No depoimento Mandetta ainda afirmou que houve outras divergências com o Bolsonaro sobre medidas para o enfrentamento da pandemia — como o distanciamento social e o uso de máscara.

Ao ser questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), Mandetta disse que todas as recomendações que fez durante a sua gestão no Ministério da Saúde foram baseadas na "ciência, na vida e na proteção".

"Todas as recomendações, as fiz com base na ciência, vida e proteção. As fiz em público, todas as manifestações de orientação dos boletins. As fiz nos conselhos de ministros, as fiz diretamente ao presidente, as fiz diretamente a todos os secretários estaduais, todos os secretários municipais, a todos aqueles que de alguma maneira tinham no seu escopo que se manifestar sobre o assunto sempre", explicou.

*Com informações da Agência Estadão

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.