Leonardo Sakamoto

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Opinião

Sob militares, RJ teve 'controle' de pobres, Marielle e denúncia de fraude

Sob a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro, postos de controle para fotografar e registrar moradores de favelas foram montados e a vereadora Marielle Franco foi executada por milicianos. Agora, além das mutações democráticas, surgem indícios de que a intervenção também ajudou gente fardada ganhar dinheiro de forma ilegal.

Nesta terça (12), uma operação da Polícia Federal cumpriu 16 mandados de busca e apreensão em uma investigação sobre fraudes na compra de coletes durante a intervenção federal em 2018. O general Braga Netto, que havia sido indicado por Michel Temer como interventor, teve o sigilo telefônico quebrado. Ele foi ministro-chefe da Casa Civil durante a pandemia de covid-19, sendo corresponsável pelas ações tocadas pelo governo Bolsonaro que agravaram a doença. Disputou a vice-presidente na chapa do chefe e também é criticado por colaborar com o golpismo de Jair.

Apontados como solução para o problema da violência no Rio, militares do Exército exigiram RG e tiraram fotos de moradores para permitir que saíssem de suas comunidades durante a intervenção em fevereiro de 2018. Ou seja, precisavam passar por "postos de fronteira" e verificar se estava tudo ok com seu histórico. Vila Kennedy, Coreia, Vila Aliança, entre outros locais, foram palco da inovação, que passou longe do Leblon e de Ipanema. O procedimento foi duramente criticado pela OAB e pela Defensoria Pública.

Naquela semana, o interventor federal do Rio de Janeiro, general Walter Souza Braga Netto, ainda afirmaria que o Estado "é um laboratório para o Brasil". Daí, no dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados no o "laboratório". Executores foram apontados: os milicianos Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, ex-policiais. Já os mandantes até hoje são desconhecidos.

O crime de natureza política chocou o Brasil e erodiu o discurso de Braga Netto, que defendia que a intervenção iria garantir o aumento da "sensação de segurança" no Rio.

Agora ficamos sabendo da investigação da PF sobre a dispensa ilegal de licitação para a compra de 9.360 coletes à prova de bala, adquiridos com um sobrepreço de R$ 4,6 milhões no finalzinho da intervenção de uma empresa norte-americana. Segundo o general, devido a irregularidades, o contrato foi posteriormente cancelado. Mas isso não faz o caroço desaparecer do angu.

A intervenção e a fraude seriam uma aperitivo do que viria a acontecer nos anos seguintes com a estreita parceria entre o bolsonarismo e os militares.

Não só porque o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que as Forças Armadas gastaram recursos do combate à covid-19 na compra de picanha e filé mignon. Nem apenas porque o tribunal também exigiu a devolução de R$ 27,8 mil aos cofres públicos devido ao superfaturamento da compra de Viagra por militares.

(O valor médio no painel de preços do governo para o produto no período era de R$ 1,81. O Hospital Central do Exército registrava preço de R$ 1,50. Mas 15.120 comprimidos de 25 mg foram comprados a R$ 3,25 cada. O então deputado Elias Vaz (PSB-GO), que se especializou em cobrar informações do governo federal quanto aos gastos públicos, e o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) acionaram o TCU e o MPF para saber por que o governo resolveu dar essa mãozinha a seus membros militares. Isso levou à decisão do TCU.)

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Mas porque, infelizmente, as Forças Armadas armaram para nós outros escândalos com direito à duplo sentido. Por exemplo, não se ergueram diante da impávida denúncia de que o Exército adquiriu R$ 3,5 milhões em próteses penianas de 10 a 25 centímetros com recursos públicos.

Forças Armadas são importantes para qualquer país, desde que saibam quem devem proteger. A sua potência está na capacidade de respeitar a Constituição Federal, não de obter benefícios em troca de ser usada para atender às necessidades de um governo de plantão.

Denúncias de corrupção envolvendo militares permearam toda a ditadura (1964-1985) e só não estouravam com força por causa da censura - e, claro, pelo fato de que denunciar sacanagens era assinar a sentença de morte.

Nos seus quatro anos de governo, Jair Bolsonaro conseguiu cooptá-los com cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações de produtos de luxo para o oficialato, picanha, Viagra, próteses penianas. Muitos apareceram envolvidos em acusações de superfaturamento e sobrepreço de vacinas e produtos de saúde.

O então presidente da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou, no dia 7 de julho de 2021, que "membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo" e que os honestos devem estar muito envergonhados.

Mas Braga Netto, na época, ministro da Defesa, e a cúpula das Forças Armadas subiram nas tamancas, ameaçando o Senado Federal com uma nota pública.

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Jair cobrou, em troca, sujeição para degradar as eleições e democracia e cumplicidade enquanto garantia o vale-tudo ambiental na Amazônia. Juntos foram devorando as instituições, dobrando-as em nome de seu projeto de poder.

A corrupção nas fileiras fardadas não nasceu desse casamento, como pode ser visto pela investigação do caso dos coletes, mas sempre esteve aí, esperando uma oportunidade.

Agora, os chefes das Forças Armadas, como o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, têm um trabalho hercúleo para fazer, acabando com a relação promíscua que se estabeleceu entre as tropas e a política.

E não é possível fazer isso sem a responsabilização dos militares envolvidos. Ou seja, a depender do que aconteça, as intenções políticas de Braga Netto vão amolecer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL