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Universal pressiona, e Bolsonaro indica Crivella a embaixada na África

Marcelo Crivella é cotado para a embaixada da África do Sul - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Marcelo Crivella é cotado para a embaixada da África do Sul Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Lucas Valença e Jamil Chade

Do UOL, em Brasília e em Genebra

07/06/2021 14h46Atualizada em 07/06/2021 18h49

Após pressão de líderes religiosos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) indicou o nome do ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella para a embaixada do Brasil na África do Sul. Os religiosos enfrentam há meses problemas no continente, em especial em Angola, que tem denunciado pastores brasileiros sob suspeita de lavagem de dinheiro.

A indicação, porém, ainda depende de aprovação do Senado, independentemente de uma possível resposta positiva da África do Sul.

No dia 27 de maio, um telefonema vindo da cúpula do Ministério das Relações Exteriores sinalizou que o político carioca, que é sobrinho do bispo Edir Macedo, poderá ser indicado para assumir a função no exterior, segundo disseram ao UOL fontes próximas ao líder da igreja e ao ex-prefeito.

A indicação de Crivella a um país africano é entendida por um religioso ligado a Macedo como necessária para resolver o conflito que a Universal vem enfrentando desde o fim de 2019 no continente. À época mais de 300 pastores angolanos se posicionaram contra a direção da igreja no Brasil, o que motivou uma série de denúncias contra membros brasileiros da Universal no país africano.

No entanto, líderes da Universal avaliam que, caso nada seja feito, a igreja poderá perder algo em torno de 50 pastores com influência no continente.

Na avaliação dos envolvidos na negociação, a ida do político a uma embaixada importante como a da capital da África do Sul, Pretória, facilitaria o contato e o monitoramento da igreja com relação à situação não só em Angola, mas em outros países do continente, mesmo não estando necessariamente no país do conflito.

Crise e irritação de Edir Macedo

A perda de espaço da igreja na África tem irritado Edir Macedo, líder e fundador da Universal, que vem pedindo ao governo de Jair Bolsonaro para que negocie uma solução diplomática eficaz.

Integrantes ligados ao bispo se reuniram com Bolsonaro no fim de maio, em um encontro que não consta na agenda oficial, e chegaram a ameaçar romper o apoio ao governo.

Eles, então, sugeriram o nome de Crivella ao cargo diplomático, segundo relatou ao UOL um dos religiosos presentes na ocasião.

Apoio em 2022

A pressão dos bispos pela embaixada obrigou o governo a se mexer. O Planalto quer manter o apoio integral da Igreja para as eleições de 2022.

Nos bastidores, a avaliação de articuladores próximos a Macedo é que Crivella possui "bom trânsito" na África. Na década de 1990, o político foi enviado com a mulher e os três filhos para o país como missionário da Universal. Ele foi precursor dos trabalhos da igreja em 18 países africanos e pregou em português, inglês e zulu. Além disso, ampliou as relações com a África durante os governos petistas, quando o ex-prefeito era um bispo missionário da Universal e ministro da Pesca (na gestão de Dilma Rousseff).

Mas uma eventual nomeação romperia uma longa tradição do Itamaraty de ocupar seus postos no exterior com pessoas da carreira diplomática.

A escolha, se vingar, ainda dependeria de uma sabatina no Senado. Mas a proposta fez eclodir uma verdadeira revolta dentro do Itamaraty. Quadros do ministério se mostram inconformados com o uso do serviço diplomático para atender a interesses privados.

Para completar, em Pretória, o Brasil é representado por Sérgio Danese, um dos embaixadores mais conceituados no Itamaraty. Retirá-lo para dar lugar a Crivella seria ainda um sinal de que o governo abriria mão do profissionalismo da diplomacia nacional.

Oficialmente, a Igreja Universal do Reino de Deus diz que "não tem qualquer relação com o assunto", de acordo com nota enviada ao UOL.

O ex-prefeito Marcelo Crivella foi procurado, mas não atendeu a reportagem. O UOL também procurou o Ministério das Relações Exteriores, que também não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto.