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Bia Kicis e bolsonaristas do PSL manobram para aprovar educação domiciliar

Bia Kicis - Pedro Ladeira/Folhapress
Bia Kicis Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Lucas Valença e Ana Paula Bimbati

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

08/06/2021 10h15Atualizada em 08/06/2021 10h25

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), atual presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), tenta aprovar no colegiado, em conjunto com outros parlamentares ligados à ala bolsonarista do partido, um projeto que indiretamente legaliza a educação domiciliar, o chamado homeschooling, sem critérios bem definidos.

O PL 3262/19, de autoria de Kicis e das deputadas Chris Tonietto (PSL-RJ) e Caroline de Toni (PSL-SC), estava inicialmente apensado ao texto que visa instituir a modalidade de ensino residencial no Brasil, mas foi retirado da proposta original e está tendo um trâmite independente.

No entanto, o novo projeto altera o Código Penal, impedindo que pais ou responsáveis sejam punidos por abandono intelectual caso optem pelo ensino domiciliar. "A educação domiciliar não configura crime de abandono escolar", enfatiza o abre do texto que altera o artigo 246 da legislação penal.

Vale ressaltar que, como a proposição não discute diretamente o tema educacional, assim que aprovado na comissão, seguirá direto à apreciação do Plenário da Câmara. A manobra, portanto, também visa encurtar o trâmite do processo, já que exclui a Comissão de Educação das discussões.

Pautado para ser apreciado pelo colegiado hoje, o PL defendido pelo PSL deixa ainda uma brecha legal, já que não altera o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que também prevê, em seu artigo 55, que "os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino".

Segundo o presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, deputado Professor Israel (PV-DF), o projeto que tramita na CCJ é "perigoso", pois "contempla os pais", mas deixa sem respaldo as crianças e os adolescentes.

"A aprovação pode resultar em abandono, evasão escolar, diminuição da aprendizagem, aumento da violência doméstica e privação do convívio social com seus pares, que é essencial para a formação de um cidadão", ponderou.

Acordo e relatório

O acordo oficial com o governo é para que o projeto de nº 3179/12, de relatoria da deputada Luísa Canziani (PTB-PR), que apresentou um substitutivo ao texto inicial, vá direto ao plenário para ser aprovado, após a criação de uma comissão especial para debater o tema.

O UOL apurou que, em 27 de maio, técnicos do gabinete da parlamentar estiveram em reunião com o governo, que fez algumas sugestões ao relatório da paranaense. Ao mesmo tempo, a deputada tem ouvido as bancadas para tentar fazer as últimas modificações no relatório, que deverá ser entregue nesta semana.

"As alterações são textuais, não substanciais. Não vai alterar o mérito do substitutivo. São algumas mudanças pontuais como, por exemplo, o período (de tempo) em que as crianças teriam para fazer as provas", informou o gabinete da parlamentar.

O relatório de Canziani, porém, traz alguns pontos considerados importantes por deputados da bancada da educação, como a obrigatoriedade de um dos pais do estudante ter ensino superior completo, caso queiram ser os educadores dos filhos.

Caso não tenha formação superior, o substitutivo permite que famílias contratem um professor com, no mínimo, superior completo. Outros pontos são de que os responsáveis não poderão ter "antecedentes criminais" e os conteúdos lecionados deverão ser alinhados com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

Cartilha

No mesmo dia 27, uma quinta-feira, o MEC (Ministério da Educação) lançou uma cartilha defendendo a educação domiciliar, em consonância com diretrizes vindas do Palácio do Planalto. O homeschooling foi a única bandeira educacional do governo presente nas 35 medidas prioritárias levadas ao Congresso em fevereiro deste ano pelo presidente Bolsonaro.

No documento, a pasta afirma que o novo modelo educacional "é um direito humano, tanto dos pais, quanto dos filhos". Os slides também afirmam que no Brasil, "cerca de 17 mil famílias e 35 mil crianças e adolescentes já estudam em regime domiciliar".

No entanto, segundo dados da Aned (Associação Nacional da Educação Domiciliar), um quantitativo menor, de 7 mil famílias e cerca de 15 mil estudantes, pratica a modalidade de ensino domiciliar no país.

A cartilha, contudo, foi entendida como uma "afronta" pela presidente do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz. Segundo ela, o projeto defendido pelo governo está na "contramão da formação de cidadãos tolerantes e respeitosos com a diversidade e com quem tem visão ou religião diferente".

"No meio de uma pandemia, que afeta brutalmente a educação, as condições alimentares e de proteção social e física das crianças, o governo federal querer 'empurrar' a agenda do homeschooling é no mínimo um descaso cruel", afirmou.

Sobre o documento, o presidente da Frente, deputado Israel, declarou que o ministério "ignora" a crise educacional causada pela pandemia do novo coronavírus para tentar passar o homeschooling "sem nenhum debate".

"O governo deveria estar debruçado em um plano nacional de enfrentamento à pandemia e de retorno seguro às aulas, em vez de estar se dedicando a uma cartilha sobre educação domiciliar", disse.