Universal investiga pastores por auxílio; igreja orientou, dizem religiosos
Pastores da Igreja Universal do Reino de Deus são alvos de uma investigação interna na instituição por terem recebido o auxílio emergencial do governo de forma supostamente irregular. A reportagem do UOL teve acesso aos nomes de pelo menos 69 religiosos que tiveram acesso ao benefício.
Religiosos dizem ter sido orientados pela direção da igreja a pedir o benefício e comunicar à instituição para que o valor fosse descontado em seus salários. Os pastores da Universal - como em muitas outras denominações religiosas - não são registrados em carteira e não têm contrato de trabalho.
Se não declararem renda, o governo não tem como saber de seus vencimentos. Fornecer informações falsas para receber o auxílio configura a prática de crimes de falsidade ideológica e estelionato.
A própria Universal avalia que pastores cometeram crime, de acordo com a apuração do UOL, mas os responsabiliza por tais atos, segundo um áudio que circula nas redes sociais atribuído ao bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo (é casado com a filha do líder da igreja, Cristiane) e hoje o segundo nome na hierarquia da instituição.
A reportagem enviou, por email, 18 perguntas à Universal. Em sua resposta, a igreja afirmou que "não comenta assuntos internos pela Imprensa". A assessoria de comunicação afirmou ainda que "a Universal informa que tomará as devidas medidas judiciais para corrigir qualquer informação caluniosa e/ou difamatória à Instituição e seus oficiais, que o portal venha divulgar."
O Ministério da Cidadania informou que, a princípio, não há impedimento de pastores receberem o auxílio emergencial, "desde que atendam aos critérios de elegibilidade estabelecidos pelas legislações que disciplinam o pagamento do benefício". De acordo com o ministério, estão previstas sanções quando constatado o pagamento indevido -elas podem chegar a cinco anos de cadeia.
"Estamos tomando providências", diz genro de Macedo
"Mais cinco pessoas saíram da obra...(...) Pessoas vão sair, distorcendo tudo, ao contrário do que ouviram. Pessoas como essas, graças a Deus, a igreja está limpando. A igreja está tomando as providências necessárias judiciais, inclusive em casos em que há indícios de crime contra a igreja, contra o povo da igreja. Estaremos denunciando, fazendo a denúncia-crime", anunciou Cardoso, na gravação atribuída a ele.
O áudio, divulgado no Instagram do ex-pastor da Universal Davi Vieira, teria vazado em uma reunião de pastores, há 15 dias.
A Universal não reconheceu a autenticidade da gravação. Religiosos e profissionais de comunicação que conviveram com Cardoso na igreja e na TV Record, no entanto, dizem não ter dúvidas de que a voz é dele.
O UOL teve acesso a dois outros áudios atribuídos a líderes da igreja. Eles recomendam aos religiosos que avisem o departamento de pastores sobre o recebimento do benefício.
Em uma dessas gravações é pedido um recibo. O primeiro áudio é de abril do ano passado —logo no início da pandemia do coronavírus—, e o religioso autor da recomendação não é identificado. O outro áudio, exibido à reportagem no dia 15, é atribuído ao pastor Alexandre Souza, apontado como um dos responsáveis pela Universal no Distrito Federal.
A reportagem também teve acesso a uma lista de pastores de Brasília "aptos" - segundo os líderes da igreja - a receberem o auxílio, pois se enquadrariam nos requisitos exigidos pelo governo.
Num grupo de WhatsApp, coordenadores de regiões informavam os nomes de pastores que já haviam sido aprovados para receber o benefício.
No áudio da citada reunião de pastores, o bispo Renato Cardoso mostra-se implacável com seus subordinados. Para ele, os religiosos que receberam o auxílio burlaram o Fisco, cometeram crimes e podem até ser presos.
Versões diferentes
Ouvidos pela reportagem, dois ex-pastores recém-saídos da Universal, Lairton Silva de Menezes e Anderson Paulo de Souza, ambos de Brasília, contam uma versão diferente. Dizem que, em abril do ano passado, quando os R$ 600 do auxílio emergencial começaram a ser pagos, a igreja -que viu a quantidade de ofertas em seus cultos diminuir—, teria orientado os religiosos a pedir o benefício.
Menezes e Souza não chegaram a receber o auxílio por não se enquadrarem nos requisitos exigidos. Menezes, por exemplo, havia declarado Imposto de Renda no ano anterior. Souza achava que não se enquadrava por causa de sua faixa de salário e nem chegou a pleitear.
"Veio uma direção [determinação] para os pastores auxiliares darem entrada no pedido de auxílio emergencial. Era para todos pedirem e, na medida que o auxílio fosse aprovado, procurassem o departamento de pastores, que lança a folha de pagamento, para descontar esse valor do salário", detalha Menezes, 37 anos, 19 de serviços prestados como pastor na Universal e nos últimos cinco atuando na sede da igreja em Brasília e em Ceilândia, no Distrito Federal. Ele deixou a instituição em abril.
"No caso de alguns pastores cujo auxílio demorou para sair, por estar em análise, eles pediam para mandar um print do aplicativo. Agora, acho que começou a dar algum problema e, por isso, estão dizendo que os pastores cometeram crime", diz o ex-pastor. "Estão vendo que vai dar rolo e atribuíram a culpa aos pastores."
Menezes acha que houve problemas com a igreja devido a alguns pastores pedirem o auxílio em nome da esposa. Assim, não informaram a igreja e o desconto não pôde ser feito, provocando a ira de líderes da instituição.
"Agora, quem pediu não foi por ostentação. Foi porque está vivendo uma situação difícil. A média de salário dos pastores lá era R$ 2.000. O Renato já vinha cortando salários e, com a pandemia, diminuiu mais. Eu estava abaixo da linha da miséria. Iam cortar mais o quê?", diz o ex-pastor. "O Renato colocou dois casais para morar dentro de um apartamento de dois quartos. Nunca existiu isso. Tudo para diminuir gastos."
Desde criança na Universal, Anderson Souza, 36, pastor deixou em janeiro a igreja onde foi pastor por 18 anos. Atuava em Samambaia Sul, em Brasília. "O Renato Cardoso deu orientação sim para pedir auxílio. Mas o pastor não podia ficar com o dinheiro. Tinha de devolver para a instituição. Só usaria o nome. Como alguns não deram, ele fez essas ameaças."
Souza reclamou por seu salário ter sido reduzido. "Eu ganhava em torno de R$ 6.500 e caiu para R$ 4.100. Líquido, era só R$ 2.900. A diminuição foi em outubro do ano passado. Minha esposa precisou fazer uma cirurgia bariátrica e eles disseram que, caso ela precisasse de remédios, não poderiam arcar com as despesas", afirma.
Embate com pastores
O áudio atribuído a Cardoso contém ainda ataques aos religiosos que correram em busca do auxílio e não avisaram a igreja.
"A gente tenta pela palavra, mas aqueles que resistem à palavra vamos entregar o corpo para Satanás para ver se pelo menos a alma salva. Nós não temos vontade de fazer mal a ninguém. Mas temos uma obrigação jurídica diante das autoridades. Se nós verificamos algo errado que está acontecendo na igreja, a igreja tem de fazer o que tem de fazer. Se, em breve, você ouvir falar que fulano foi preso, fulano não sei o que, saiba que a culpa foi dele, não da igreja. Nós já sabemos pelos casos que chegam até nós. Porque aqueles que são de Deus continuam reportando, continuam falando, graças a Deus. Sabemos o modus operandi dessas pessoas", ouve-se na gravação.
Na fala imputada a Cardoso, contadores são apontados como pessoas que estariam incitando os pastores a burlarem o Fisco, "a fazer declaração de Imposto de Renda falsa, como aconteceu agora com o auxílio emergencial, que muitos de vocês pediram, indicados por alguém e mal orientados por alguém".
O alerta prossegue: "Você que tirou a esposa de dependente, a esposa fingiu que não tinha marido, que o marido não tinha renda, que não tinha alguém que cuidava dela, e declarou-se uma pessoa sem renda para ganhar os R$ 600 do governo, agora você tem de pagar de volta. Quer dizer, cometeram crime. Isso é crime contra a nação".
Conforme Cardoso, todas essas pessoas serão investigadas, além dos bispos e pastores da igreja que estariam investindo em bitcoins (moedas virtuais). "Tem contador abrindo empresas para pastores, incentivando-os a abrir pirâmides. E serão investigados."
Procurado uma segunda vez pela reportagem, o O Ministério da Cidadania não se manifestou especificamente sobre a denúncia de ex-pastores da Universal de que a instituição teria orientado seus religiosos a pedir o benefício e, na sequência, descontar o valor recebido de seus salários.
O governo, segundo nota do Ministério, é responsável por "receber e tratar denúncias e repassar as informações para a ação dos demais órgãos no combate aos crimes relacionados aos pagamentos do benefício", entre eles, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público Federal.
O ministério informou ainda que vem executando "uma série de ações voltadas para o ressarcimento dos benefícios pagos fora dos critérios de elegibilidade" e já teriam retornado aos cofres da União, até o momento, cerca de R$ 4,8 bilhões referentes ao Auxílio Emergencial.
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