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Sem provas, Bolsonaro acusa Barroso de querer eleições manipuladas

Fábio Castanho e Stella Borges

Do UOL, em São Paulo

02/08/2021 09h57Atualizada em 02/08/2021 15h27

Colocando-se como alvo de um complô e citando teorias conspiratórias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a repetir mentiras sobre o voto eletrônico e subiu o tom nos ataques ao presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, a quem acusou, sem provas, de "querer eleições manipuladas" ou que possam "trazer dúvidas no futuro". Bolsonaro também falou sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem chamou de corrupto e acusou de "vender até a mãe" para permanecer no poder.

Em entrevista à rádio ABC, do Rio Grande do Sul, Bolsonaro voltou a atacar o ministro, o TSE e o STF (Supremo Tribunal Federal), a quem acusa de agir contra a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que propõe mudanças nas urnas eletrônicas.

Bolsonaro disse ainda que Barroso está "passando dos limites há muito tempo" e que precisa "baixar a crista".

O presidente do TSE — que não estará no cargo nas eleições de 2022 — é contrário à mudança no sistema eletrônico e é citado por Bolsonaro como principal responsável pelo risco de derrota da proposta do voto impresso ainda na comissão especial da Câmara, apesar de 10 presidentes de partidos terem fechado questão contra a aprovação, inclusive alguns do centrão, que são aliados do presidente.

O Barroso, ministro, deveria ser o primeiro a estar do lado do povo brasileiro e não simplesmente falar 'eu não quero'. Quem ele pensa que é para dizer que a vontade dele tem que ser a que vale no Brasil? Ele virou semideus? Ele acha que ele é intocável? Ele é o dono da verdade? Quem o seu Barroso pensa que é? Todos os poderes têm limites, eu tenho limites, o Legislativo tem. Por que alguns do Supremo acham que são os donos da verdade, podem tudo e ninguém pode reclamar de nada? Ele tem que baixar a crista dele um pouquinho e se adequar à realidade Jair Bolsonaro

"O que o Barroso quer? Ele quer eleições que possam ser manipuladas ou, no mínimo, gerar dúvidas no futuro e nós não queremos isso", acrescentou o mandatário.

Como tem sido frequente, o discurso de Bolsonaro se baseou em contestações sobre a urna eletrônica já desmentidas pelo TSE.

O UOL procurou Barroso, por meio da assessoria do TSE. Como resposta, o tribunal informou que a manifestação se deu por meio da nota publicada no site do órgão, onde ex-presidentes, além de Barroso e Fachin apoiam o voto eletrônico.

Em live na última quinta-feira, Bolsonaro reciclou mentiras para atacar urnas eletrônicas e alegar fraude em eleições passadas. Ele prometeu durante a semana anterior apresentar provas, mas admitiu durante a transmissão que não tinha como comprovar suas suspeitas, que já foram rebatidas ponto a ponto pelo TSE.

Anteriormente, em cerca de 40 minutos de conversa com apoiadores transmitida em suas redes sociais, ele se explicou aos seguidores sobre o motivo de não ter cumprido a promessa: "Vem a grande imprensa e diz que não apresentei provas. O que são provas de um crime? Alguém viu quem matou a Dona Maria que lá morta? Ninguém. Você tem que ver quem viu, pegar o sinal de telefone, ver se já teve um caso com ela, briga, e chega às provas. Essa questão de urnas não deixa rastro."

Ex-presidentes do TSE que atuaram na gestão do órgão desde 1988 assinam uma nota em defesa das urnas eletrônicas. O documento, divulgado hoje, conta com o apoio do líder do tribunal, Barroso, assim como o vice, Edson Fachin.

Perguntado se, mesmo sem o voto impresso, seria candidato à reeleição, Bolsonaro desconversou e não respondeu. Disse apenas que quem disputa eleição não pode perder e reclamar depois, já que cabe ao TSE e depois ao STF julgar eventuais recursos.

Na conversa com apoiadores, Bolsonaro fez um resumo do discurso que tem apresentado nos últimos dias pela implementação do voto impresso, sem deixar de distorcer a decisão do STF sobre os poderes de sua atuação na pandemia, além de atacar a imprensa e defender uso de remédios ineficazes contra a covid-19, como a cloroquina.

Colocando-se como vítima de um complô, ele discorreu sobre teorias conspiratórias que explicariam uma possível derrota nas eleições de 2022.

"O que que eles fazem? A imprensa está aí para desinformar e falar mentira. Em cima dessa mentira, vem o Datafolha e, depois tudo isso acertado, tem a contagem na sala secreta pelo seu Barroso e meia dúzia de funcionários, tá justificado. E aí se eu quiser eu recorro ao Supremo", disse.

Sobre a "sala secreta" alegada por Bolsonaro, o TSE já esclareceu em nota que a apuração dos resultados é feita automaticamente pela urna eletrônica logo após o encerramento da votação, com a impressão, em cinco vias, do BU (Boletim de Urna), que contém a quantidade de votos registrados na urna para cada candidato e partido, além dos votos nulos e em branco.

"Se as eleições tiverem problema, dizem 'recorra à Justiça'. Qual Justiça? O Supremo, que colocou o Lula para fora e o tornou elegível?", completou em outro trecho. "Os mesmos que tiraram da cadeia, os mesmos que tornaram elegível é o que vão contar os votos na sala secreta, Vocês acham que não vai voltar?", disse.

Ataques a Barroso e Lula

A teoria conspiratória de Bolsonaro tem como um de seus pontos centrais dois personagens que voltaram a ser atacados: Lula, seu provável adversário nas eleições de 2022, e Barroso.

"Se deixar que se faça eleições dessa forma que está aí, o Barroso ajuda a botar o cara para fora da cadeira e torna elegível, e o Barroso vai contar os votos lá: qual a consequência disso?", disse Bolsonaro.

Em relação a Lula, Bolsonaro fez ataques pessoais: "Querem dar a direção ao Brasil para um corrupto, cachaceiro, [que] arrebentou as estatais, loteava tudo aqui e vendeu até a mãe para ficar no poder, aparelhou tudo... Querem fazer que nem a Argentina?", questionou. Em outro momento, ele chamou o ex-presidente de "picareta".

"Se esse cara voltar, pessoal do campo que se prepare, vão de novo dormir preocupado com a sua fazenda sendo expropriada", disse, sem provas.

Barroso também foi alvo de fortes críticas ao longo do discurso. "Ele acha que é o máximo, mas tem o limite dele. Tenho os meus e ele tem os dele. Está abusando não de hoje. A gente espera tratar as pessoas do Brasil dentro da normalidade, mas não continue tratando o povo desta maneira", afirmou.

Distorção sobre decisão do STF

Na conversa, Bolsonaro voltou a distorcer a decisão do STF de abril de 2020, que estabeleceu que o Executivo federal, estadual e municipal deveriam atuar em conjunto nas ações para conter a transmissão do coronavírus.

"Quem dirige o país sou eu, vocês me deram esse poder. O Supremo me colocou no banco do carona e os motoristas vão ser os governadores. Quando muito podia falar para o governador 'não faça isso'. E a política é assim, infelizmente. E os caras não estavam preocupados em salvar vidas, estavam preocupados em derrubar o governo, chegar ao poder. Não todos, deixar claro aqui", disse.

O presidente também retomou seu discurso a favor de remédios ineficazes contra a covid-19. Em determinado momento da conversa, ele questionou quem entre os apoiadores tinha tomado os medicamentos e mandou gravar a reação, com a maioria manifestando-se positivamente.

* Com informações da Reuters