'Faria novamente', diz Jean Wyllys sobre cuspe em Bolsonaro
Em exílio fora do Brasil, o jornalista e político recém-filiado ao PT Jean Wyllys relembrou hoje o episódio em que cuspiu no então deputado e agora presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a votação pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016. Ele disse que paga "um preço altíssimo" pela reação até hoje, mas que não se arrepende e afirma que faria de novo.
Claro que faria novamente naquelas circunstâncias. Esse gesto ganha significado maior e é mais compreendido hoje do que naquele momento. Só lembro que cometi esse ato porque tem imagens, entrei em um tipo de transe.
Jean Wyllys
Para Jean, o processo que retirou Dilma da presidência foi um "espetáculo para humilhar uma mulher" e a noite da votação final foi um episódio "grotesco". "Não bastava humilhar publicamente e tirar o mandato eleito pelo povo, mas [o voto de Bolsonaro] implicava em reacender traumas terríveis dela, uma pessoa que nunca foi torturada pode nem ter ideia do que é isso e dessas feridas dentro de nós", disse ele no UOL Entrevista, conduzido pela apresentadora Fabíola Cidral e com os colunistas Leonardo Sakamoto e Maria Carolina Trevisan.
Jean disse que sua reação aconteceu logo após Bolsonaro dedicar seu voto ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão da ditadura. Para ele, o impeachment foi um "espetáculo montado para humilhar uma mulher, a primeira presidenta, transmitido em cadeia nacional".
"Aquilo foi tão indigno, eu tremia de ódio e raiva. Quando fui votar em sequência [após Bolsonaro], fui votar em uma chuva de insultos. Como um país se prestava a essa vergonha? Que parlamento era aquele? Como eu tinha sido eleito e ia votar sob uma chuva de xingamentos homofóbicos? Quando voltei ao meu lugar, esse sujeito [Bolsonaro] fez um insulto homofóbico, que não vou reproduzir, e aí nessa hora entrei em um transe e cuspi na cara dele. Meu gesto foi o maior de dignidade da minha noite", afirmou.
Defenderia essa mulher [Dilma] de novo, porque a defesa dela é a minha. Nós, LGBTs, e mulheres somos as grandes vítimas daquela bancada.
Jean Wyllys
Volta para o Brasil só com Bolsonaro 'derrotado'
Wyllys, que hoje mora na Espanha, disse que só considera voltar para o Brasil quando o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estiver "derrotado de vez".
"Não há segurança para mim ou para minha família. Embora esteja naufragando, o governo ainda tem uma base radicalizada, então é capaz de fazer muita coisa. Volto quando vencermos de vez essas forças políticas de destruição que emergiram com força em 2018", disse.
'Cobaia de desinformação política'
Conhecido por sua militância em causas da comunidade LGBTQIA+ e também pelos direitos humanos, o ex-deputado afirmou ter sido vítima, nas eleições de 2018, de um processo programado de disseminação de informações falsas.
"A desinformação programada é um novo modelo de desinformação política abraçado pela extrema-direita em todo mundo. No Brasil, fui a cobaia da desinformação política e construção do inimigo público", afirmou.
Foi nesse processo que, segundo Wyllys, a "empatia" e a "identificação" do Brasil com a sua figura, construídos tanto pela sua vitória no "BBB" ("Big Brother Brasil") em 2005 como pelas ações executadas em seus mandatos como deputado, acabaram drenadas.
Toda essa empatia e popularidade foi drenada por um processo de comunicação política de destruição da minha imagem por tudo que representava de mobilidade social, alguém que vem das camadas mais pobres, e vira deputado federal.
Jean Wyllys
Segundo ele, as ações para destruir a imagem pública dele foram tomadas por ele ser um "homem gay em país homofóbico e fazer dois mandatos conciliando a luta tradicional da esquerda com o tema do liberalismo clássico". "Essa atuação contrariava forças políticas poderosas, como igrejas neopentecostais, ou temas como legalização do aborto e drogas, e o fato de ter penetração na comunicação em massa, o carisma, me transformava em perigo para esses negócios".
'Jornal Nacional foi cúmplice'
Wyllys, que hoje faz doutorado na Espanha e estuda os mecanismos da disseminação de fake news e da desinformação, diz acreditar que essas táticas ainda estarão presentes nas eleições de 2022.
"Vai haver [fake news], sim, e o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] está muito atrasado em relação às formas de conter essa política mentirosa", declarou. "Mas quero ser otimista e acreditar que o eleitorado está mais ou menos vacinado, uma parte está e talvez seja mais crítica na hora de receber essas fake news", disse ainda.
O ex-deputado defendeu um pacto entre as plataformas digitais, o TSE e os partidos políticos como forma de conter a disseminação de notícias falsas, além de ser necessário um pacto entre os meios de comunicação. Ele citou como exemplo a entrevista de Jair Bolsonaro ao "Jornal Nacional", da TV Globo, em 2018. À época, o então candidato exibiu um livro que, segundo ele, seria parte de um suposto "kit gay" distribuído nas escolas. A informação era falsa e não foi contestada pelo jornal.
"O 'Jornal Nacional' perdeu oportunidade, para não dizer que foi cúmplice, de desmentir no ar", disse. "Não sabemos se a mídia vai fazer esse pacto, mas predomina os interesses dos donos dos veículos. Não sabemos se depois da experiência desastrosa, criminosa e genocida do Bolsonaro eles vão combater a desinformação e as fake news. Vai precisar de humildade e vontade republicana", afirmou.
Filiação ao PT
Em maio deste ano, Wyllys anunciou sua saída do PSOL para se filiar ao PT. Na entrevista, ele declarou que a escolha não foi feita por cálculos políticos, mas sim por afinidade com os ideais do partido.
"Não me filiei [ao PT] em 2009 porque o PT no Rio de Janeiro estava em relação promíscua com o PMDB, era diferente do PT de SP. Não me identificava com aquele PT e o PSOL era um abrigo melhor, eu achava, para o que pretendia fazer uma representação política", disse ele.
Sua chegada ao PSOL, mesmo assim, "não foi uma entrada simpática", segundo Wyllys. "O PSOL do Rio é elitista e tinha preconceito com eu vir da televisão, era um território deles e a minha entrada foi com desconfiança e sabotagem".
A vontade de se filiar ao PT, segundo o ex-deputado, aconteceu quando ele já estava fora do país. "Quando estava em exílio, o Lula teve os direitos políticos de volta, a Lava Jato descambou em uma fraude política contra um partido e um candidato, o antipetismo que era uma força que elegeu a extrema-direita, achei melhor sair do PSOL para fazer o que faço, mas sem constranger as forças do PSOL", disse.
Ele declarou, no entanto, que não tem intenção de concorrer a nenhum cargo nas eleições de 2022. "Não quero ser candidato. Não acho que seja o momento", disse.
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