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Em sigilo, TJ do Rio aprova pagar adicional em salários de magistrados

Desembargadores defendem verba de custo ignorado; especialistas apontam risco de gasto milionário e criticam sigilo - Jorge Hely/Framephoto/Estadão
Desembargadores defendem verba de custo ignorado; especialistas apontam risco de gasto milionário e criticam sigilo Imagem: Jorge Hely/Framephoto/Estadão

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

22/09/2021 04h00

Num processo sigiloso, o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aprovou o pagamento de verbas de "direitos pessoais", principalmente o adicional por tempo de serviço, a seus magistrados. O relator do processo é o próprio presidente do TJ, Henrique Figueiredo, de acordo com documentos obtidos pelo UOL.

Os valores serão retroativos a 2005, mas não se sabe quanto tudo vai custar. Falta ainda a análise de um recurso contra a decisão. Depois que ele for julgado, os pagamentos devem começar em três meses.

20.set.2021 – O presidente do TJ do Rio de Janeiro, desembargador Henrique Figueira - Divulgação/Brunno Dantas/TJRJ - Divulgação/Brunno Dantas/TJRJ
Unanimidade: desembargadores seguiram voto de Figueira
Imagem: Divulgação/Brunno Dantas/TJRJ

A assessoria do TJ do Rio disse ao UOL que "está apenas cumprindo julgados do STF". O órgão afirmou que os valores a serem pagos não vão ultrapassar o teto constitucional, ou seja, não serão supersalários. Questionado por três vezes, o tribunal não explicou porque tomou a decisão em sigilo (leia mais abaixo).

Especialistas consultados pela reportagem ressaltam, porém, que a falta de clareza da decisão do TJ traz o "risco" de serem feitos pagamentos "milionários" acima do teto constitucional, hoje fixado em R$ 39 mil. Além disso, estranharam o fato de o processo e a decisão terem sido tomados em sigilo.

Pedidos vieram de associações

Os pedidos de pagamentos partiram da Amaerj (Associação dos Magistrados do Rio) e da Andes (Associação Nacional dos Desembargadores).

O desembargador do TJ Marcelo Buhatem, presidente da Andes, estimou que o impacto orçamentário será pequeno e que, "em tese", 300 magistrados receberiam o benefício. "Isso é muito incipiente perto do orçamento global", afirmou ao UOL.

Somos mil juízes e desembargadores. Esse impacto financeiro não será relevante. Não tem esse impacto todo. Somos mil, só 300 receberiam em tese"
Marcelo Buhatem, desembargador do TJ do Rio e presidente de associação

Relator do processo sigiloso que pediu os pagamentos, Henrique Figueira e os demais desembargadores votaram "por unanimidade" a favor dos pagamentos retroativos. A decisão foi tomada pelo conselho em 22 de julho, sem divulgação de pauta no site do TJ.

Além do valor do impacto orçamentário, é ignorado o número de beneficiários.

Mas, de 2017 para cá, já foram pagos R$ 45 milhões a magistrados do Rio com a chamada "parcela 95-III", que trata da "irredutibilidade" dos salários de juízes e que foi mencionada no voto de Henrique Figueira. Os valores foram levantados pela reportagem a partir de dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Apenas neste ano, 549 juízes e desembargadores, entre os mais de mil magistrados do tribunal, receberam esse benefício.

Neste ano, o TJ pagou salários a 1.221 juízes e desembargadores, na ativa ou aposentados, de acordo com dados do CNJ. No ano passado, foram 1.241.

Ainda em 2020, o tribunal gastou R$ 758 milhões com a folha de pagamento, quando são ignoradas as diárias e as verbas de caráter indenizatório, que não entram no cálculo do teto. Ainda assim, cada um dos 1.241 magistrados ganhou R$ 46 mil brutos por mês, em média.

Verba faz parte de 'penduricalhos' extintos

Dois anos depois da Reforma da Previdência de 2003, o adicional por tempo de serviço e outros "penduricalhos" deixaram de ser pagos aos magistrados. Em 2005, foi criado o subsídio, uma parcela única para remunerar juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores. O valor máximo seria de R$ 21.500 por mês para os juízes federais, que era o subsídio dos ministros do Supremo à época.

Para os juízes e desembargadores estaduais, esse limite era menor: R$ 19.403 mensais, o chamado subteto. Quem ganhasse mais que esses valores teria o salário cortado. Os "penduricalhos", como o adicional por tempo de serviço e outras "verbas de natureza pessoal", deveriam estar embutidos neste.

Mas, em 2014 e 2020, o Supremo decidiu que o teto salarial de magistrados estaduais deveria ser igual ao deles. Segundo o desembargador Marcelo Buhatem, da Andes, esses julgamentos vinculavam o limite salarial ao pagamento de verbas extras não pagas, as "vantagens pessoais", inclusive o adicional por tempo de serviço.

Antes das decisões do Supremo, os juízes cobravam essas diferenças salariais em requerimentos internos nos tribunais e na Justiça. A Amaerj fez um pedido em 2006.

20.set.2021 – O presidente da Associação Nacional dos Desembargadores (Anders), o desembargador do TJ do Rio Marcelo Buhatem - Divulgação/Andes - Divulgação/Andes
O desembargador Buhatem: "Não é uma coisa criada"
Imagem: Divulgação/Andes

Teto será respeitado, diz tribunal

Em nota, o TJ do Rio afirmou que os pagamentos serão feitos dentro do teto constitucional. "O Tribunal de Justiça está apenas cumprindo julgados do Supremo Tribunal Federal", diz a nota.

Os beneficiários serão "aqueles que, antes da Emenda Constitucional 41/2003, tinham incorporado direitos pessoais, como o adicional por tempo de serviço, dentre outros".

O tribunal disse que as decisões do STF de dezembro sobre o limite salarial dos desembargadores pesaram no acórdão do Conselho da Magistratura.

Aqueles que, possuindo direitos que levariam a receber valores até o teto remuneratório (leia-se: subsídios dos ministros), e não receberam, farão jus a esse recebimento que, frise-se: não ultrapassará os subsídios dos ministros do STF"
Assessoria do TJ do Rio

O tribunal acrescentou que todos os receberam acima do teto de 2015 para cá, "caso não demonstrem boa-fé", deverão devolver o dinheiro.

Eventuais pagamentos 'a maior' serão apurados, abrindo-se procedimento para restituição. Eventuais pagamentos 'a menor' , diante do antigo teto (subsídios dos desembargadores), serão corrigidos e, se existente saldo a receber, estes serão pagos, respeitado sempre o orçamento e a disponibilidade financeira."
TJ do Rio

Outros tribunais já pagaram, diz desembargador

O presidente da Andes, desembargador Marcelo Buhatem, disse que a causa dos pagamentos é uma "interpretação errônea" de como pagar os magistrados na época da reforma da Previdência em 2003 e da criação do subsídio em 2005. "Não é uma coisa criada. Os administradores queriam saber a melhor forma de pagar. Esses cálculos foram feitos naquela época, com aquele entendimento."

O desembargador destacou que outros tribunais, ao contrário do Rio, fizeram os pagamentos ainda antes de decisões do Supremo sobre o teto salarial. Segundo Buhaten, esses julgamentos do STF estavam vinculados às verbas pessoais, que inclui o adicional por tempo de serviço. "Há tribunais que não têm que pagar porque, felizmente, interpretaram da maneira que o STF interpretou", disse Buhatem.

Só queremos o cumprimento de uma decisão que, na verdade, outros tribunais já tiveram"
Marcelo Buhaten, desembargador do TJ do Rio

Associação recorre contra limitação a pagamentos

20.set.2021 - O presidente da Associação dos Magistrados do Rio (Amaerj), o juiz Felipe Gonçalves - Divulgação/Amaerj - Divulgação/Amaerj
O juiz Felipe Gonçalves: 'Vitória para a magistratura'
Imagem: Divulgação/Amaerj

Em uma mensagem via WhatsApp a magistrados, o presidente da Amaerj, o juiz Felipe Gonçalves, comentou logo após o julgamento: "Conquistamos mais essa vitória para a magistratura". No entanto, a mesma entidade recorreu da decisão do Conselho da Magistratura.

A Amaerj afirmou ao UOL que entende que quem recebia salários acima dos ministros do Supremo à época da reforma da Previdência também deveria obter pagamentos integrais.

A decisão do conselho não satisfez à pretensão da Amaerj, tendo restringido a remuneração ao teto constitucional, mesmo para os magistrados com vencimentos superiores aos ministros do Supremo"
Assessoria da Amaerj

"O tema está em aberto", disse a assessoria. "Há questões ainda a decidir. É cedo para falar em perdas ou ganhos e seus respectivos valores."

Professor defende ação contra "risco" milionário

O professor Maurício Zockun, doutor em direito administrativo pela PUC-SP disse que a decisão do TJ do Rio é "especialmente problemática". Ele defendeu que o Ministério Público, os cidadãos ou os advogados do Rio entrem na Justiça contra os pagamentos retroativos".

Zockun avaliou como dúbio um trecho em que os magistrados dizem que os valores do adicional por tempo de serviço serão restritos ao teto salarial dos ministros do STF. No mesmo parágrafo, o acórdão afirma que eventuais verbas acima do limite serão calculadas como "rubrica de parcelas dedutíveis pelo teto" à parte.

20.set.2021 - Decisão sigilosa do TJ do Rio diz que verbas salariais dos magistrados acima do teto serão “segregadas” e terão “rubrica” à parte - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Decisão sigilosa diz que verbas acima do teto serão "segregadas" e terão "rubrica"
Imagem: Reprodução/UOL

"Nenhuma passagem diz claramente que esses valores não serão pagos", disse Zockun. "Tinha que ser dito que essa parcela não vai ser paga. Há um risco de, justamente pela falta de clareza do julgamento, eles acabarem falando: 'Estou colocando parcela dedutível pelo teto, mas estou pagando de qualquer jeito'. Não pode."

O professor alerta para o efeito cascata da decisão em outros tribunais, que pode render milhões de reais. "O efeito é retroativo. Calcule pagando acima do teto nos últimos dez anos."

Se a cada mês essas parcelas forem de R$ 1.000, em cinco anos, estamos falando de valores milionários"
Maurício Zockun, doutor em direito administrativo

Decisão contradiz julgamentos, diz advogado

Para o advogado especialista em direito administrativo Paulo Liporaci, a situação revela "corporativismo" e incoerência com decisões do Judiciário em relação a outros servidores públicos. Ele destacou que só verbas de natureza indenizatória, que não é o caso do adicional por tempo de serviço, que tem caráter remuneratório, podem ser pagas junto com os subsídios.

Com os subsídios, só se acumulam verbas indenizatórias. As vantagens pessoais, como o adicional de tempo de serviço, pela lei, em 99% são incorporadas ao subsídio, a não ser que exista lei"
Paulo Liporaci, advogado

"Esse é o grande problema do corporativismo. Nessa mesma lógica, que os próprios tribunais utilizam para julgar as causas de outros servidores, deveria ser aplicado para eles o mesmo entendimento", disse Liporaci, que também criticou o sigilo. "A gente só alcança legitimidade a partir do momento em que dá publicidade. Se os argumentos são fortes, a sociedade não tem o que contrariar."

O juiz federal Silvério Luiz Ferreira da Rocha, coordenador do curso de pós-graduação da PUC-SP, também não viu justificativa para uma decisão desse tipo ser tomada em segredo. "Não tem sentido."