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Em CPI, empresário nega propagação de fake news, mas senadores veem crimes

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

30/09/2021 04h00Atualizada em 30/09/2021 19h58

O empresário bolsonarista Otávio Fakhoury negou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que tenha propagado fake news na pandemia, mas senadores enxergam o cometimento de crimes.

Ao longo da própria oitiva, Fakhoury repetiu discurso negacionista em relação a vacinas e máscaras. Ele defendeu que suas falas são uma opinião e asseguradas pela liberdade de expressão. No entanto, Fakhoury foi duramente criticado por parte dos senadores pelo fato de seus posicionamentos contrariarem evidências científicas até o momento.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que "quando a sua opinião compromete a saúde de todos, isso não é liberdade de opinião. Isso é crime".

"A Constituição lhe assegura [liberdade de expressão]. Mas durante uma crise sanitária, quando as pessoas estão morrendo, advogar por imunidade de rebanho, financiar isso, propalar isso, me permita: isso não é liberdade de opinião. Isso é crime, está tipificado no Código Penal, e acredite, o senhor responderá", declarou, em outro momento.

Randolfe chegou a falar para que os ouvintes da CPI que "não ouçam" Fakoury após este defender o uso do chamado kit covid, formado por medicamentos que não têm eficácia comprovada contra a covid-19.

Fakhoury compareceu ao Senado sob suspeita de patrocinar o compartilhamento de fake news e informações retiradas de contexto. Também é apontado como membro do chamado gabinete paralelo —estrutura de assessoramento informal a Bolsonaro durante a pandemia, na contramão da ciência e à revelia de orientações do Ministério da Saúde.

O depoente é investigado em dois inquéritos do STF (Supremo Tribunal Federal), sendo um por manifestações de rua com pautas antidemocráticas e outro por fake news.

Fakhoury reafirmou o que chamou por mais de uma vez de "opiniões pessoais" acerca do uso de máscaras a fim de refrear o alastramento do vírus. Confirmou ainda o teor de comentários que já havia feito com o intuito de colocar em dúvida a eficácia das vacinas e reconheceu que, por escolha própria, ainda não foi imunizado.

"Minha posição em relação a vacinas é que elas têm que ser adquiridas e oferecidas pelo governo, porém elas ainda hoje se encontram em estágio experimental, segundo as informações do FDA americano [agência de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos] e também da Anvisa, apesar de a Anvisa ter dispensado a fase 3 [última etapa de testes] para que ela fosse aplicada. Ela ainda está em fase 3 de testes", disse o depoente.

É mentira que as vacinas contra a covid aplicadas na população sejam "experimentais". Todos os imunizantes usados no Brasil foram autorizados pela Anvisa após terem eficácia e segurança comprovadas depois de testes com milhares de voluntários. A Anvisa continua exigindo que as vacinas passem pela fase 3 de testes; o que a agência dispensou foi a realização desta fase no Brasil.

Quanto ao uso de máscaras, medida não farmacológica fundamental no combate à pandemia, Fakhoury reproduziu fake news e declarou que "elas não têm a eficiência que se fala".

A eficácia do uso de máscaras como forma de conter a disseminação da covid tem evidências científicas e é defendida por autoridades de saúde ao redor do mundo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera o uso de máscaras como uma "medida chave para conter a transmissão e salvar vidas". No Brasil, o Ministério da Saúde diz em seu site que o uso de máscaras "é fortemente recomendado para toda a população em ambientes coletivos (...), como forma de proteção individual, reduzindo o risco potencial de exposição do vírus especialmente de indivíduos assintomáticos."

Fakhoury também defendeu o uso de medicamentos sem eficácia no tratamento da covid-19, como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a Constituição "te dá o livre arbítrio de falar", porém, não é possível fazer "apologia a crime". "Você fez apologia a algo que está comprovado cientificamente que não ajuda a salvar vidas."

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) disse haver "uma diferença grande" entre liberdade e ação criminosa. Sua colega Soraya Thronicke (PSL-MS) afirmou que liberdade de expressão não é "salvo-conduto" para cometer crimes.

Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), há "várias questões que poderíamos citar", como "causar epidemia mediante propagação de germes patógenos, infração de medida sanitária preventiva", mas apontou que a sugestão de indiciamento ficará a cargo do relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL).

O senador Humberto Costa (PT-PE) declarou que "quando o senhor financia site, canais e manifestos que propagam fake news sobre a pandemia, como o uso do tratamento precoce, o senhor se torna participante de diversos crimes". "Perigo para a vida ou saúde de outrem, crimes de epidemia, crime de publicidade enganosa, tudo isso terá que responder", completou.

Um dos advogados de Fakhoury reclamou que o senador petista já estaria julgando seu cliente.

Fakhoury e relações com sites apontados por fake news

Fakhoury reconheceu já ter ajudado a financiar o site Crítica Nacional e ter feito contribuições ao site Terça Livre, fora assinatura. Ambos os sites são apontados por senadores da CPI como uns dos principais propagadores de fake news, especialmente na pandemia.

O dono do Crítica Nacional, Paulo Enéas, é inquilino de Fakhoury, informou o próprio depoente. Segundo ele, Enéas paga o aluguel. Além disso, Fakhoury é membro do conselho de aconselhamento do site. No entanto, negou ter conhecimento sobre todas as postagens nem ter dado opiniões, porque tem estado "ocupado".

O próprio site do Instituto Força Brasil, do qual Fakhoury é vice-presidente, é apontado pela CPI como forte disseminador de informações falsas. O site está fora do ar ao menos desde 10 de agosto deste ano, quando seu presidente depôs à comissão no Senado.

Fakhoury afirmou conhecer o filho do presidente da República e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mas não ser amigo dele. Ainda assim, confirmou ter repassado R$ 165 mil ao Instituto Conservador-Liberal, fundado por Eduardo, para a realização de uma conferência. O empresário disse ainda que deve mandar mais R$ 35 mil à entidade.

Fakhoury financiou instituto que negociou vacinas

Fakhoury admitiu ter financiado até "junho ou julho" deste ano o Instituto Força Brasil, que buscou intermediar negociação de vacinas contra a covid-19 com o Ministério da Saúde na qual há denúncia de pedido de propina e do qual é vice-presidente.

O Instituto Força Brasil não tem qualquer relação com a área de saúde. Mesmo assim, tentou intermediar a venda de 400 milhões de doses de vacinas Oxford/AstraZeneca ao governo federal por meio da empresa norte-americana Davati Medical Supply.

Segundo o policial militar e lobista da Davati, Luiz Paulo Dominghetti, o então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, lhe fez pedido de propina de US$1 por dose.

De acordo com relatos de depoentes à CPI, quem participou das negociações pelo Instituto Força Brasil foi o presidente da entidade, tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida. Em depoimento à CPI, Hélcio negou ter presenciado oferta ou cobrança de propina e negou quaisquer irregularidades.

À CPI, o representante oficial da Davati, Cristiano Carvalho, afirmou que Hélcio teria sido o responsável por conseguir uma reunião do grupo com o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a pedido do reverendo Amilton Gomes de Paula, diretor da entidade Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários).

Embora seja vice do instituto, Fakhoury alegou não ter gerência na entidade, mas apenas uma "posição institucional em São Paulo".

"Eu só vim a saber da reunião com a Davati depois que ela aconteceu, até porque eu não fico em Brasília, fico em São Paulo, tenho outra vida, uma vida empresarial, uma vida de trabalho e de outros negócios... Vim a saber depois que ela aconteceu, tanto que não fui citado por nenhum dos depoentes aqui. Eu não conheço nenhuma dessas pessoas que estão envolvidas nessa transação", declarou.

A contradição de o instituto ter buscado emplacar a venda de vacinas contra a covid-19 enquanto Fakhoury diz se opor aos imunizantes foi levantada por Omar Aziz. Fakhoury disse que o instituto discute trocas na diretoria.

Roberto Dias nega ter feito qualquer pedido de propina. A compra do lote de vacinas acabou não sendo concretizado pelo Ministério da Saúde, porém, as circunstâncias em que as negociações ocorreram são apuradas pela CPI.

"O Instituto Força Brasil... O Hélcio já o tinha de forma informal. No ano passado, ele me procurou para que... Queria formalizar o instituto e me apresentou os estatutos. Eu combinei, prometi fazer um aporte no instituto para custear, custear o instituto por um período até que ele estivesse operando e estivesse com a captação, estivesse com os membros para que ele pudesse andar por conta própria", afirmou Fakhoury.

O Instituto Força Brasil chegou a projetar a criação de um aplicativo para oferecer o chamado "tratamento precoce" para a covid-19. A ideia não foi adiante. Por enquanto, nenhum tratamento farmacológico se mostrou eficaz para prevenir a doença.

Depoente nega ter doado para Bolsonaro em 2018

Otávio Fakhoury negou ter feito doações eleitorais diretamente para a campanha do então candidato a presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 2018. Disse reconhecer, por outro lado, que investiu dinheiro em grupos bolsonaristas responsáveis por distribuir materiais em favor do político e ter realizado doação para o diretório em São Paulo do PSL, ex-partido do presidente.

Fakhoury negou ter relação com o chefe do Executivo federal e disse ser mero "apoiador". Além disso, rebateu a acusação de que teria atuado com o objetivo de financiar disseminação de notícias falsas durante a pandemia.

Eu não tenho relação pessoal com o presidente da República. Eu sou um apoiador e não tenho relação pessoal."
Otávio Fakhoury, empresário bolsonarista

Posteriormente, o empresário reconheceu ter custeado grupos bolsonaristas que imprimiram material de campanha em favor de Bolsonaro, em 2018. "Declarei todas as minhas ajudas de campanha", observou.

Questionado se o apoio financeiro aos núcleos de engajamento que atuavam fazendo campanha para Bolsonaro, o depoente respondeu que não havia necessidade de declarar tais recursos, pois não houve investimento formal na atividade político-eleitoral.

Otávio Fakhoury é presidente do PTB de São Paulo. O partido é comandado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro e preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

30.set.2021 - Empresário Otávio Oscar Fakhoury, apontado como financiador de disseminação de notícias falsas, é ouvido pela CPI da Covid, no Senado. - Leopoldo Silva/Agência Senado - Leopoldo Silva/Agência Senado
30.set.2021 - Empresário Otávio Oscar Fakhoury, apontado como financiador de disseminação de notícias falsas, é ouvido pela CPI da Covid, no Senado.
Imagem: Leopoldo Silva/Agência Senado

Crime de homofobia

Fabiano Contarato (Rede-ES), primeiro senador no Brasil a tornar público o fato de ser gay, criticou Fakhoury por um tuíte homofóbico dirigido ao congressista.

Contarato fez um desabafo emocionado e afirmou a Fakhoury que a família do empresário "não é melhor" do que a sua. O senador tem marido e dois filhos. Ao fim do discurso, a cúpula do colegiado pediu à Polícia do Senado a abertura de inquérito para investigar o crime de homofobia.

O dinheiro não compra dignidade, não compra caráter. Cursos não compram humildade, compaixão, caridade."
Fabiano Contarato (Rede-ES), senador

Depois do discurso do senador capixaba, Otávio Fakhoury disse que a mensagem publicada no Twitter era uma brincadeira e pediu desculpas a Contarato e a outras pessoas que se sentiram ofendidas pelo tuíte.

Mais tarde, Randolfe Rodrigues também apresentou tuítes de Fakhoury com ataques homofóbicos a ele.

Randolfe pediu que os ataques de Fakhoury a membros da CPI nas redes sociais sejam incorporados aos autos para eventual representação no Ministério Público e compartilhados com o STF para o inquérito das fake news. O depoente não se manifestou após Randolfe.

Para denunciar casos de homofobia de qualquer lugar do Brasil, ligue para o Disque Direitos Humanos - Disque 100.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.