Topo

Dinheiro extra do Auxílio Brasil pode virar crime eleitoral de Bolsonaro?

Anderson Riedel/PR
Imagem: Anderson Riedel/PR

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

25/10/2021 04h00

O lançamento do Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família e outros programas sociais do governo federal, teve o anúncio de um reajuste de 20% e de um bônus para elevar o valor a pelo menos R$ 400 a famílias beneficiárias até 2022.

A medida foi criticada por muitos opositores, que viram a ação válida apenas em ano eleitoral como uma tentativa de "compra de votos". O deputado federal Marcelo Aro (PP-AL), relator da MP (Medida Provisória) sobre o programa na Câmara, foi um desses críticos. Disse que Bolsonaro "não está dando um presente, está emprestando até ganhar a eleição".

Já o governador Eduardo Leite (PSDB-RS), que pode se tornar adversário do presidente em 2022, chamou a medida de "populista".

O UOL ouviu juristas da área eleitoral para saber se há risco de o pagamento gerar ações de cassação da candidatura.

O jurista Walber Agra, que também é professor de direito eleitoral da Faculdade de Direito do Recife, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), acha que "depende".

"É um programa novo, mas não é um projeto novo: houve uma reestruturação. Mas vamos dizer que, pela mudança no valor, tenha a finalidade ideológica eleitoral, aí há que se fazer duas perguntas essenciais: vai se aprovar por lei? A previsão de beneficiários vai para a LOA [Lei Orçamentária Anual] 2020? Se sim, ele cumpre os dois requisitos: autorização em lei e que esteja na execução do ano anterior. Agora, se ele não faz isso, teria a certeza de que cairia em uma conduta vedada", afirma.

A análise dele se baseia no artigo 73, parágrafo 10, da Lei Eleitoral, que diz:

No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa."
Trecho da lei 9.504/97

Pode dar problema...

Para o jurista e advogado Marlon Reis, mentor da Lei da Ficha Limpa, inicialmente a ação pode ser vista como correta do ponto de vista jurídico, mas também dá margem a ser interpretada como uma burla à legislação.

"Essa medida, se realmente concretizada, configura em tese uma conduta vedada a agentes públicos. Um programa social não pode ser instituído em ano eleitoral. E a majoração de uma prestação continuada apenas no ano eleitoral constitui uma forma de burlar a lei", diz.

Além disso, pode configurar abuso de poder econômico e político. Em todos os casos, a lei permite a cassação do registro ou do diploma eleitoral e prevê uma inelegibilidade de oito anos."
Marlon Reis, jurista

"Embora seja um programa social vigente, e estejamos em um período de pandemia, ainda fica evidente que a medida é meramente eleitoreira e pode ser questionada. Até porque o governo suspendeu o auxílio emergencial alegando problema de caixa", afirma Luciano Santos, dirigente do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral).

Ele explica que o assunto inevitavelmente teria de ser debatido na Justiça Eleitoral após a confirmação da candidatura de Bolsonaro. "Creio que barrar [agora] seria uma medida muito impopular para qualquer instituição. A estratégia seria deixar o processo continuar e ajuizar uma Aije [Ação de Investigação Judicial Eleitoral] durante a campanha", diz.

O jurista Fernando Neisser, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), afirma que, criando o programa e iniciando o pagamento ainda neste ano, em tese não haveria como configurar conduta vedada pela pela Lei Eleitoral.

Mas isso não impede que seja apurado o uso do programa em período de campanha, aí não mais sobre a lógica de conduta vedada, mas como abuso de poder político, o uso eleitoral de um programa mesmo que antigo. Nesse caso não há uma proibição objetiva, teria que se analisar caso a caso para ver se está tendo a finalidade desviada para servir a um objetivo político-eleitoral."
Fernando Neisser, jurista

Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto; ainda não há clareza sobre a viabilidade do novo benefício - Cleia Viana/Câmara dos Deputados - Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto; ainda não há clareza sobre a viabilidade do novo benefício
Imagem: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

"Sem chance"

O advogado Alberto Rollo cita que a Lei Eleitoral é clara ao não vedar a criação de programa social já em execução orçamentária no ano anterior. "Não pode ter programa novo e extra do Bolsa Família não é novo", diz.

Mas a oposição vai dizer que a abrangência é tão grande que é um verdadeiro programa novo. Eu não concordo e há jurisprudência em eleição estadual/municipal nesse sentido."
Alberto Rollo, advogado eleitoral

Opinião similar tem o também advogado eleitoral Gustavo Ferreira. "Em princípio, ele pode fazer por ser um programa social preexistente e com dotação orçamentária. O que se pode discutir é se esse aumento não seria excessivo, mas em duas situações anteriores, ambas de 2010, ou não houve punição [no caso Minha Casa, Minha Vida envolvendo os ex-presidentes Lula e Dilma] ou aplicou-se somente multa [Mais Ovinos, envolvendo o ex-governador der Alagoas Teotonio Vilela]."