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Site faz vaquinha irregular e diz que arrecada para reeleger Bolsonaro

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

17/11/2021 12h32Atualizada em 20/07/2022 16h59

Uma vaquinha que prometia levantar fundos para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022 foi amplamente divulgada em grupos bolsonaristas no Facebook durante a primeira quinzena de novembro. A campanha, no entanto, era irregular: por resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), arrecadações para campanhas eleitorais só podem começar a partir de 15 de maio do próximo ano e precisam ser feitas por meio de plataformas autorizadas pela Justiça Eleitoral. O criador da iniciativa afirmou que pediu os recursos sem ter sido procurado por Bolsonaro ou aliados do presidente.

"Isso pode configurar propaganda antecipada, abuso de poder econômico ou captação de recursos de fonte ilícita", explicou ao UOL a advogada eleitoral Paula Bernardelli.

Segundo a Hotmart, plataforma onde a campanha ficou hospedada, a arrecadação ficou no ar entre os dias 5 e 16 de novembro e teve menos de 50 doações. A vaquinha foi excluída após o UOL contatar a empresa.

A Hotmart disse ter notificado o criador da campanha e bloqueado o seu perfil, mas não informou o quanto foi arrecadado por questões de privacidade e sigilo. Todo o dinheiro levantado fica em uma conta individual da própria plataforma, que permite o saque dos valores.

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Postagens no Facebook promoviam link com vaquinha irregular
Imagem: Reprodução

O financiamento foi registrado por uma empresa em nome de Diogo Rangel, o mesmo do perfil que fez a divulgação no Facebook. Procurado pela reportagem, Rangel alegou ter tirado a vaquinha do ar ao ser notificado de que não estava no prazo do TSE e disse ter deletado "antes mesmo de haver arrecadações" — a resposta dele não mencionava que o próprio Hotmart diz ter removido o conteúdo e que a plataforma chegou a registrar algumas doações.

Diogo afirmou que a campanha de arrecadação foi planejada "de forma unilateral", sem que ninguém o procurasse por parte de Bolsonaro. Procurada por e-mail desde ontem (16), a Presidência da República não respondeu a reportagem do UOL.

Vaquinha foi registrada com outra finalidade

O Hotmart diz proibir a arrecadação eleitoral nos seus Termos de Uso, ainda que dentro do prazo do TSE, e explicou que a vaquinha foi registrada originalmente com outra finalidade: a de auxiliar pessoas com restrição de crédito.

"Nos últimos 11 dias, o nome e a oferta do produto foram alterados de forma indevida pelo usuário, o que é proibido pelos nossos Termos de Uso. E os compradores passaram a ser direcionados a um formulário de pagamento com outro nome e finalidade, voltado à suposta arrecadação de recursos eleitorais", disse em nota.

Até a noite de ontem (16), o UOL tinha identificado 283 mil interações (curtidas, comentários e compartilhamentos) no Facebook em posts com o link da campanha de arrecadação. Os primeiros posts são de 5 de novembro de 2021, mesma data em que foram criadas a página no Hotmart e o site hospedado no WordPress.

As mensagens promovendo a campanha eleitoral foram disparadas em páginas e grupos sobre política, embora alguns tenham nomes que disfarçam o seu conteúdo; um deles, por exemplo, foi batizado em homenagem ao cantor Xanddy e à ex-dançarina Carla Perez.

O link acompanha legendas que pedem apoio a Bolsonaro, imagens com elogios ao presidente, enquetes ou críticas a opositores e à imprensa. Uma das postagens defende uma suposta candidatura do empresário catarinense Luciano Hang, dono das lojas Havan e aliado de Bolsonaro, para o Senado.

Site usou vídeo antigo de Bolsonaro

Ao clicar no link da vaquinha, o usuário não era enviado diretamente para o Hotmart, mas sim para uma página hospedada no WordPress com mais detalhes sobre o financiamento e um novo endereço eletrônico — este, sim, encaminhando para a arrecadação no Hotmart.

Montada em cores como vermelho, verde e amarelo, a página trazia frases em caixa alta e negrito de exaltação a Bolsonaro e com pedidos de ajuda do público "patriota" para reelegê-lo.

Logo no topo do site, foi colocado um vídeo de Bolsonaro gravado em 1º de janeiro de 2019 pouco antes de sua posse, no qual ele agradece o apoio dos eleitores. Apesar de Bolsonaro citar a data no vídeo, o site não dava nenhuma indicação clara de que se tratava de um vídeo antigo, sem qualquer relação com a campanha de arrecadação. "Nós pretendemos, sim, mudar o destino do nosso Brasil. Mas, para tanto, precisamos continuar tendo o seu imprescindível apoio", diz o presidente na gravação.

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Página onde foi hospedada vaquinha irregular para campanha de Bolsonaro
Imagem: Reprodução

A página prometia que todo o dinheiro arrecadado seria usado na campanha do próximo ano e na "elaboração de cartazes, outdoors, adesivos, carros de som". Havia também a promessa de inclusão dos apoiadores em grupos de WhatsApp e do Facebook para debater e organizar a campanha.

O usuário que quisesse contribuir clicava em um novo endereço para ser direcionado à página do Hotmart. Ali, havia a opção de contribuir com R$ 47,00 à vista no cartão de crédito ou em transferência via PIX. Quem quisesse parcelar a compra podia dividir o valor em até cinco vezes, com juros.

A página intermediária do WordPress também teve o conteúdo deletado na noite de ontem. O novo site tem apenas "#Bolsonaro2022. Em breve" escrito.

'Blogueiro patriota'

Diogo Rangel trabalhou na Defensoria Pública de São José dos Campos (SP), onde foi estagiário entre junho de 2019 e fevereiro de 2020. Além dos dois sites em que divulgava a vaquinha, Rangel tem um blog que leva o seu nome (onde se diz "blogueiro patriota") e é moderador de um grupo de apoiadores de Bolsonaro no Facebook.

Na rede social, ele também é dono de uma página onde publicava, até o início deste mês, conteúdos sobre política e vídeos em que aparece apoiando Bolsonaro. Em 1º de novembro, alterou o nome da página para "Marcele Rangel" e colocou a foto de uma mulher no perfil — a reportagem não identificou ninguém com este nome e não encontrou a fotografia em bancos de imagem.

A advogada Paula Bernardelli observa que o dinheiro arrecadado pela campanha irregular pode configurar caixa dois e ser considerado como proveniente de fonte ilícita. Mas se a eleição for uma justificativa de fachada para faturar em cima de apoiadores do presidente, o autor da vaquinha pode ter cometido estelionato.

"Aí pode ser crime mesmo, estelionato, talvez, porque está enganando as pessoas para pegar o dinheiro", afirmou ela.

Bernardelli também explica que a lei é clara quanto à possibilidade de arrecadação para campanhas eleitorais. Apenas empresas previamente cadastradas e habilitadas pelo TSE podem realizar as vaquinhas.

A empresa que Rangel usou para fazer a campanha no Hotmart é cadastrada na Receita Federal como varejista especializada em peças e acessórios para eletrodomésticos. Ao UOL, ele disse que vai correr atrás da autorização do TSE para conseguir arrecadar dinheiro para a campanha de Bolsonaro.

"Buscamos o melhor para o Brasil, de forma honesta e correta. Aguardaremos a aprovação do TSE após futura solicitação". E reiterou: "De momento, não existe arrecadação".