Brasil teve maior partido nazista fora da Alemanha, apontam historiadores
Durante dez anos, o Partido Nazista no Brasil — nome dado à seção do partido nazista alemão no país — operou de forma legal e disseminou ideais totalitários e antissemitas por meio de jornais, eventos e até em escolas da comunidade alemã. Para alguns historiadores, trata-se do maior partido nazista fora da Alemanha durante o Terceiro Reich (1933-1945).
O assunto vem à tona após o apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark, defender a existência de um partido nazista reconhecido por lei no Brasil.
No livro "Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil", a historiadora Ana Maria Dietrich explica que o NSDAP (sigla em alemão para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o nome oficial do Partido Nazista) mantinha diversas organizações no exterior, com atuação em 83 países. O Brasil, aponta, teve o maior grupo de partidários fora da Alemanha: 2.900 filiados.
"A maior seção do partido nazista, uma filial, por assim dizer, é no Brasil. É muito impressionante, ele se expandiu por 17 estados brasileiros", observa a historiadora Heloísa Starling, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O partido chegou primeiro em Santa Catarina, mas operou também em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso. A primeira seção foi inaugurada cinco anos antes de Adolf Hitler chegar ao poder.
De acordo com o historiador Vinícius Bivar, pesquisador do OED (Observatório da Extrema Direita) e doutorando na Universidade de Berlim, as seções em outros países surgiram para angariar fundos entre a comunidade alemã com o objetivo de manter o partido nazista em funcionamento na Alemanha.
"Primeiro se tratava de um apoio financeiro, mas quando Hitler chega ao poder na Alemanha, isso passa a ter um caráter mais ideológico. Vira uma representação do partido no exterior com liderança própria, mas com a mesma estrutura hierárquica do partido alemão", explica Bivar.
O historiador observa que o Partido Nazista, para difundir suas ideias, se aproveitou de uma estrutura criada anteriormente pela comunidade alemã no Brasil, que mantinha as próprias manifestações culturais e seguia, em sua maioria, o protestantismo — contrastando com o catolicismo vigente. Um dos principais meios de disseminação ideológica foi o jornal "Aurora Alemã" (Deutscher Morgen, no original).
No livro de Ana Maria Dietrich, a historiadora relata episódios em que autoridades brasileiras reconhecem e enaltecem o trabalho do Partido Nazista. Um dos casos citados é do governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha (1930-1937), que chegou a declarar, em 1937, que a presença alemã no país ajudava a "melhorar a raça brasileira".
Nazismo e o governo brasileiro
Uma reportagem de TAB aponta que apenas 3% da colônia alemã no Brasil aderiu ao partido nazista. O número é baixo, mas não contabiliza simpatizantes e exclui o fato de que, para ser filiado, era necessário ser, na visão nacionalista, puro-sangue: ou seja, um alemão nascido na Alemanha.
"Quem não tinha sangue ariano entrava para o Partido Integralista. Há imagens com as portas do Partido Nazista e do Partido Integralista lado a lado, eles criavam filiais de organizações em locais próximos", relata Starling.
A AIB (Ação Integralista Brasileira) foi um movimento nacionalista que durou entre 1932 e 1937 no Brasil, influenciado por ideais fascistas e totalitários, contrários ao comunismo, e seguindo o lema "Deus, pátria e família". O cumprimento dos integralistas era similar ao nazista, feito com o braço levantado para o alto; mas ao invés de "Heil Hitler", a saudação era "anauê", uma palavra atribuída ao tupi.
Tanto a AIB quanto o Partido Nazista tiveram seu fim decretado em 1938, com o golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) dissolvendo os partidos políticos. Para o Partido Nazista, o impacto foi ainda mais duro: Vargas implementou a lei de nacionalização, que proibia estrangeiros de exercer atividades políticas e vetava associações em torno de bandeiras de outros países.
A atitude criou um incidente diplomático na época, já que o governo Vargas mantinha boas relações com a Alemanha e o próprio presidente brasileiro enviou um telegrama de parabéns a Hitler na ocasião de seu aniversário, em 1941.
Foi a primeira e última vez que o Brasil teve um partido nazista reconhecido por lei, já que em 1989 o nazismo passou a ser criminalizado no país, com penas que podem variar entre dois e cinco anos de reclusão.
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