Colecionador diz ter comprado armas presenteadas por Saddam a Maluf
A foto de uma das visitas de Paulo Maluf a Saddam Hussein na cidade de Bagdá há mais de 40 anos, em plena guerra entre Irã e Iraque, faz parte de um raro kit com duas armas que teriam sido presenteadas pelo ditador iraquiano ao então governador de São Paulo.
As pistolas fabricadas pelo próprio governo iraquiano são as únicas do tipo no Brasil. Elas foram recentemente adquiridas por um colecionador brasileiro, que as registrou no começo de março no Exército. O kit conta ainda com munição e uma placa em nome do Ministério da Defesa do Iraque. O artigo de colecionador tem também uma mensagem em inglês e no idioma iraquiano, que diz: "Com carinho, do Ministério da Defesa do Iraque".
O histórico encontro chegou a ser registrado em um livro. Com 50 anos na época, Maluf aparece na foto de terno, gravata e óculos escuros. Sentado em uma cadeira, o político brasileiro estava com o corpo inclinado em direção a Saddam, de trajes militares.
Fabricadas entre 1981 e 2002, as pistolas do tipo Tariq calibres 9 mm e 765 eram usadas para proteção da família real iraquiana e em conflitos no país, de acordo com pessoas ligadas à Câmara do Comércio e Indústria Brasil-Iraque. Segundo sites especializados em armas, o modelo era inspirado na pistola italiana Beretta, produzida entre 1949 e 1980.
Pistolas iraquianas e encontro entre Saddam e Maluf
Maluf lembra de encontro com Saddam
Conhecidas pela precisão, as pistolas não dispararam um tiro sequer. Maluf teria repassado o presente a um de seus advogados, em seguida revendidas para um primeiro colecionador. O kit acabou sendo adquirido e registrado legalmente por um delegado da Polícia Civil de São Paulo, que pediu para não ser identificado.
Após a aquisição, o novo proprietário das pistolas iraquianas passou a receber propostas de outros colecionadores para revender o kit, mas informou não estar aberto a ouvir propostas. "Já recebi ofertas bem superiores ao valor pago, mas nem cogito a venda", disse ao UOL. O valor pago pelas armas foi mantido em sigilo, a pedido do delegado.
A reportagem contatou os proprietários anteriores do artigo de colecionador, mas eles não quiseram se manifestar. Procurada pela reportagem, a assessoria de Maluf, hoje com 90 anos, disse que o político declarou não se recordar de ter sido presenteado com o kit pelo governo iraquiano, mas disse lembrar do encontro com Saddam, enforcado em Bagdá no dia 30 de dezembro de 2006.
Já a Embaixada do Iraque no Brasil informou só ter registros do governo iraquiano após a queda do regime do ditador Saddam Hussein, em 2003.
Obra cita 'presentes' à comitiva
Assessora de relações internacionais de cerimonial do Palácio dos Bandeirantes entre 1979 e 2015, Christine Starr detalhou as duas visitas de Maluf a Saddam no Iraque no livro "Os bastidores do Palácio", publicado em 2013. O primeiro encontro ocorreu em janeiro de 1980, segundo a obra, escrita com base em registros da época.
A viagem de Maluf ao Iraque teve bastante destaque e ganhou três páginas no jornal árabe Al Jazirah. Maluf havia se encontrado, inclusive, com o presidente Saddam Hussein, com o qual conversara por mais de uma hora, em vez dos habituais 20 minutos que eram concedidos a estas audiências"
Trecho do livro "Os bastidores do Palácio", de 2013
Em entrevista ao UOL, Starr disse acreditar que o kit foi entregue no segundo encontro, ocorrido em novembro de 1981. Contudo, o assessor que o acompanhava morreu há alguns anos em decorrência de um câncer.
"Naquele encontro, havia apenas uma pequena comitiva. Todos os homens que integravam o grupo ganharam de presente um kit com duas adagas [tipo de espada curta com duplo corte projetada para combate]. Mas não foi feito muito 'auê' sobre isso na época", relembra.
O livro ainda cita presentes dados às mulheres da comitiva: túnicas típicas bordadas com fios de ouro e com guizos.
'Quero ver o Saddam Hussein'
A obra "Os Bastidores do Palácio" lembra o momento em que Maluf decidiu visitar o ditador iraquiano enquanto estava com a comitiva em uma agenda oficial no Japão, em outubro de 1981.
Na época, o então governador de São Paulo pretendia ajudar a Volkswagen na concorrência com a Toyota para vender veículos ao governo iraquiano, diz o livro. "[A filial da montadora] em São Paulo estava passando por sérias dificuldades financeiras e em vias de demitir 8.000 funcionários", diz um dos trechos da obra.
"Ele estava em Tóquio e falou: 'Quero ver o Saddam Hussein'", lembrou Christine Starr, em entrevista a Jô Soares, na TV Globo, logo após o lançamento do livro, em 2013.
Como o país estava em guerra com o Irã, disse a autora do livro, o avião com a comitiva do governo de São Paulo precisou ser escoltado. "Quando chegamos no espaço aéreo iraquiano, o piloto avisou: 'Agora, vamos apagar todas as luzes e fechar as janelas. Nós seremos escoltados por caças iraquianos'".
Negócio com a Petrobras e presentes à comitiva
Maluf então seguiu para Bagdá, capital iraquiana, acompanhado por Wolfgang Sauer, alemão naturalizado brasileiro que presidiu a filial brasileira da Volkswagen entre 1973 e 1989 —morto em 2013 em decorrência de uma falência múltipla dos órgãos.
Uma pequena comitiva ficou por três dias hospedada no Kasser-El-Salam, residência oficial do governo iraquiano, enquanto aguardava o encontro com Saddam Hussein, conta o livro.
O negócio foi fechado, mas o governo iraquiano só poderia pagar os veículos com petróleo (...). O petróleo era, então, vendido à Petrobras em troca dos Passats (...). Venderam 170 mil unidades, mais 30% em peças, dando, assim, um 'chapéu' na Toyota. Antes de sair do Iraque, todos os membros do grupo ganharam presentes"
Trecho do livro "Os bastidores do Palácio", de 2013
Maluf sob cuidados médicos após internação por covid
Maluf, que permaneceu por uma semana internado no hospital Vila Nova Star para se recuperar da covid-19 no mês passado, segue sob atenção profissional de cuidadores na sua casa no Jardim América, zona oeste da capital paulista.
Há um mês, enquanto ainda estava hospitalizado, foi autorizado pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), a cumprir pena em liberdade condicional pelos crimes de lavagem de dinheiro desviado dos cofres públicos quando era prefeito de São Paulo, entre 1993 e 1996, e por caixa dois na campanha para a Câmara dos Deputados, em 2010.
Na decisão, o ministro levou em consideração o estado de saúde do político, que passou recentemente por internações por pneumonia.
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