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Mario Frias terá apoio de grupo pró-armas a que ofereceu verbas da Rouanet

Igor Mello

Do UOL, no Rio

20/04/2022 04h00

A pré-candidatura a deputado federal de Mario Frias (PL), ex-secretário especial da Cultura do governo Jair Bolsonaro, recebeu apoio formal do movimento armamentista ao qual ofereceu acesso a recursos da Lei Rouanet.

A declaração de apoio foi feita no mesmo evento em que Frias e seu então número dois na pasta, o PM André Porciúncula (PL), sinalizaram com a liberação de verbas para a produção de obras audiovisuais e eventos que façam propaganda do uso da arma de fogo.

A promessa foi feita no Congresso Nacional Pró-Armas, realizado em 28 de março pelo Movimento Pró-Armas em Brasília. Três dias depois, Frias e Porciúncula —então secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, responsável pela Lei Rouanet— deixaram o governo federal para disputar a próxima eleição.

O UOL procurou Frias e Porciúncula para questionar sobre um possível conflito de interesses na promessa de liberação de recursos para um movimento que apoiará suas campanhas, mas não houve retorno. A Secretaria Especial da Cultura também não se manifestou sobre a proposta.

No mesmo evento, o Movimento Pró-Armas —que faz lobby pela flexibilização de regras sobre armamento e munição no país— anunciou os pré-candidatos que apoiará em 2022.

Frias e Porciúncula integram a lista —eles tentarão vagas na Câmara dos Deputados por São Paulo e na Assembleia Legislativa da Bahia, respectivamente.

Movimento Pró-Armas divulgou "santinho" virtual em apoio à pré-candidatura de Mario Frias - Reprodução/ Twitter - Reprodução/ Twitter
Movimento Pró-Armas divulgou "santinho" virtual em apoio à pré-candidatura de Mario Frias
Imagem: Reprodução/ Twitter

Os dois prometeram, durante o evento, facilidades no financiamento de projetos ligados à pauta armamentista na Secretaria Especial da Cultura.

"Vamos deixar uma equipe totalmente alinhada ao secretário especial da Cultura [Frias]. Estamos de porta aberta, o Mario [Frias] é CAC [Caçador, Atirador e Colecionador], adoramos atirar", afirmou Porciúncula na ocasião.

Frias conseguiu emplacar como sucessor Helio Ferraz de Oliveira, que era seu chefe de gabinete até o fim de março.

Verbas para propaganda armamentista

Mario Frias e Porciúncula foram chamados ao palco do evento pelo advogado Marcos Pollon, fundador do Movimento Pró-Armas e um dos principais lobistas da pauta armamentista no país.

O então secretário especial da Cultura defendeu o uso de obras audiovisuais em prol da pauta armamentista, sobretudo para os jovens. "Se a gente acredita em armas, precisamos criar os heróis", resumiu.

Em seguida, quebrou o protocolo do evento —que apresentava separadamente os pré-candidatos de cada estado— e passou a palavra a Porciúncula. Foi o número dois da Cultura na gestão Frias quem detalhou o plano gestado na Secretaria Especial da Cultura para financiar o movimento armamentista —base de apoio de Bolsonaro.

O PM afirmou que os projetos ligados ao lobby armamentista poderiam ser contemplados pelas linhas de financiamento da secretaria.

"O discurso [pró-armas] precisa estar dentro de um viés imaginário, aí falo de algumas ações que fizemos na Secretaria de Cultura que foram muito importantes. [São] R$ 1,2 bilhão, estamos lançando agora, de linha audiovisual. Vocês podem usar para fazer documentários, filmes, webséries, podcasts. Para fazer a pauta do armamento ir para o imaginário", disse.

Porciúncula não esclareceu a fonte do valor citado, mas os recursos coincidem com a soma das linhas de financiamento do Fundo Setorial Audiovisual anunciadas em 2021 e 2022.

Estamos lançando na Secretaria de Cultura dois megaeventos em que a princesa do evento é a arma de fogo. O presidente da República vai estar. Então pela primeira vez vou colocar dinheiro da Rouanet em um evento de arma de fogo, vai ser super bacana isso."
André Porciúncula, então secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura

O UOL apurou que ao menos um desses eventos está relacionado às comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil —apenas um edital voltado ao setor audiovisual lançado sobre o tema prevê R$ 30 milhões.

Dica para clubes de tiro

Entusiasta das armas de fogo, Frias possui licença de CAC expedida pelo Exército.

A pauta o aproximou do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), principal articulador dos interesses da indústria bélica no governo. Eles já posaram juntos em clubes de tiro, exibindo armas.

"Cada um de nós precisa representar esse projeto do Pró-Armas. Porque a gente acredita, não porque a opinião pública quer ou alguém diz que não quer", disse Frias no evento.

"O que a gente quer é a liberdade de escolher. Se eu quero andar armado e tenho a legalidade para isso —e não é um processo simples, todos nós sabemos aqui que carecem de modificações os projetos em relação ao porte e à posse de arma de fogo. É importante que ninguém, porque é maioria, imponha seu direito a uma minoria, ou vice-versa", completou.

Braço-direito de Frias, Porciúncula foi além e sugeriu um atalho para que o movimento consiga financiar seus projetos.

Com a proliferação de clubes de tiro e lojas de armas no país, ele propôs que os articuladores da pauta armamentista usem os impostos pagos por essas empresas para financiar seus próprios eventos.

"Trazer um evento em que a arma de fogo seja nossa miss na passarela e a gente mostre para a população outro olhar sobre a arma de fogo. E aí eu chamo os senhores a usar a Lei Rouanet, que é uma lei de incentivo tributário também, para que vocês que possuem contatos com empresários ou sejam empresários financiem eventos pró-arma com as leis de incentivo", explicou.

Movimento lança pré-candidatos

O advogado Marcos Pollon —principal líder do Pró-Armas— tenta atualmente garantir a aprovação do projeto de lei 3723/2019, que altera o Estatuto do Desarmamento e regula as atividades dos CACs.

Na prática, a ideia é transformar em lei a flexibilização promovida pelo governo Bolsonaro por meio de decretos e portarias.

O grupo, que reúne dezenas de clubes de tiro e lojas de armas, declara ter 40 mil pessoas filiadas e se planeja para atuar como um partido político na próxima eleição: nomeou coordenadores em todos os estados e está estruturando uma lista de pré-candidatos.

O UOL mapeou mais de 30 pré-candidatos apoiados pelo grupo.

Além de Frias e Porciúncula, há nomes conhecidos, como o dos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (PL-RO), que se colocaram na disputa pelos governos de Santa Catarina e Rondônia.

O ex-ministro da Cidadania João Roma (Republicanos-BA) tem sua pré-candidatura ao governo da Bahia apoiada pelo grupo. O mesmo acontece com Jorge Seif (PL) que, até o fim de março, foi secretário de Aquicultura e Pesca —ele tentará se eleger deputado federal por Santa Catarina.

Mas o apoio do movimento não vem de graça. Pollon diz em um vídeo publicado em suas redes sociais que o Movimento Pró-Armas quer indicar assessores parlamentares para os gabinetes de todos os políticos que forem eleitos com o suporte do grupo.

"Nós pedimos a todos os pré-candidatos —todos, sem exceção— espaço na participação do mandato. O que isso quer dizer? A gente tem o compromisso de que membros do pró-armas integrarão a equipe, caso esse pré-candidato seja eleito, para conduzir a pauta armamentista", detalha.