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Em show com verba pública, Bolsonaro usa tom eleitoral e acena a indecisos

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

02/07/2022 17h13

O presidente Jair Bolsonaro (PL) discursou em tom de campanha eleitoral e fez um aceno a eleitores indecisos durante evento de música gospel na tarde de hoje no Rio de Janeiro. A festa Louvorzão 93 FM teve apoio financeiro de R$ 1,7 milhão do governo estadual e da prefeitura do Rio de Janeiro, conforme mostrou reportagem do UOL.

Ao lado do pastor Silas Malafaia, Bolsonaro, que é pré-candidato à reeleição, aproveitou sua fala no palco instalado na Praça da Apoteose para criticar o que chamou de "outro lado" e acenar ao eleitorado conservador. Bolsonaro também falou de inflação —uma das principais críticas a seu governo. No final do discurso, em referência ao voto nas eleições, pediu a quem está "indeciso" que não aja "baseado no que manda seu coração ou sua emoção" e que consulte seus pais e avós para tomar uma decisão.

Não faça baseado no que manda seu coração ou sua emoção. Faça baseado na sua razão. Eu sempre digo: quem tem dúvida, converse com seus pais e seus avós, são os melhores conselheiros para você que ainda está indeciso no que fazer
Jair Bolsonaro, presidente da República

A plateia se dividiu, com aplausos e vaias, ante o anúncio do pronunciamento de Bolsonaro. Seu discurso durou nove minutos e foi concluído ao som de aplausos e gritos de "mito", segundo informações do Estadão Conteúdo.

Antes, o presidente mentiu ao dizer que "outro lado" —uma referência a seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT)— defende a legalização do aborto, drogas e "ideologia de gênero".

Bolsonaro citou as eleições de países vizinhos na América do Sul que elegeram democraticamente governos progressistas ligados à esquerda, a exemplo da Argentina, Colômbia e Chile. Sem dizer nome de nenhuma nação, Bolsonaro falou que os países estão "indo para miséria".

Ele também comentou a alta da inflação como algo que "nós superamos" e o preço dos combustíveis, como um tema que está sendo resolvido. Bolsonaro ressaltou o projeto sancionado por seu governo que limita a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

A inflação, no entanto, tem corroído o poder de compra dos brasileiros. O IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor - Amplo 15), considerado uma prévia da inflação oficial (IPCA), acelerou para 0,69% em junho, após registrar 0,59% em maio. Com os projetos voltados para redução do preços dos combustíveis, o índice deu alívio momentâneo à inflação, mas, segundo economistas, isso deve durar apenas até o final deste ano.

Ao final da fala, o pastor Silas Malafaia também se pronunciou e exaltou o presidente.

O evento recheado de declarações em tom eleitoral de Bolsonaro foi financiado com dinheiro público. O maior valor (R$ 1,245 milhão) veio da gestão do governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro (PL), aliado de Bolsonaro, por meio de recursos do Fundo Estadual de Cultura (R$ 207,5 mil) e isenção fiscal para a concessionária de energia elétrica Light (R$ 1,037 milhão), que é o principal patrocinador da maratona de oito horas de shows. Já o município destinou R$ 500 mil em patrocínio direto com recursos públicos.

Evento chegou a ser cancelado

O Louvorzão 93 FM estava inicialmente previsto para ocorrer em abril, mas foi cancelado de última hora após o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) ter negado autorização para o uso dos jardins da Quinta da Boa Vista, área tombada, na zona norte da capital.

O evento é realizado pelo grupo MK Music, atualmente presidido pela cantora Marina de Oliveira, filha do senador Arolde de Oliveira, que morreu em 2020, aos 83 anos, vítima de covid-19. Agora, o palco foi montado na Praça da Apoteose, no centro do Rio, onde ocorrem os desfiles das escolas de samba.

A autorização para o incentivo do governo estadual ocorreu em 28 de dezembro por meio da Secretaria de Cultura. O processo administrativo com os trâmites da concessão do benefício foi colocado em sigilo pela pasta no SEI (Sistema Eletrônico de Informações).

Como justificativa, foi usada uma lei federal de 2001, que rege os sistemas de planejamento e orçamento da União. O artigo citado diz que "o servidor deverá guardar sigilo sobre dados a que tiver acesso em decorrência do exercício de suas funções, utilizando-os, exclusivamente, para a elaboração de pareceres e relatórios destinados à autoridade competente".

A Secretaria de Cultura negou que o processo esteja em sigilo, apesar de ele estar. "Prezando pela transparência, todas as informações relacionadas ao projeto, como nome do proponente, patrocinador, segmento e valores, estão disponibilizadas no site da secretaria, na parte referente à Lei de Incentivo à Cultura", afirmou.

(Com colaboração do repórter Ruben Berta)