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Lira acelera projetos do governo com sessão de 1 minuto e mudança em regras

Camila Turtelli e Gabriela Vinhal

Do UOL em Brasília

21/07/2022 04h00Atualizada em 22/07/2022 18h39

Desde o início de seu mandato, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), impôs um ritmo de trabalho capaz de acelerar a tramitação de projetos apoiados por seu grupo político e pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa toada levou a mudanças no regimento interno dos deputados, ao uso dos grupos de trabalho no lugar de comissões temporárias e a sessões relâmpago, com duração de poucos minutos e abertas só para contar prazo.

No primeiro semestre de 2022, foram seis sessões deliberativas (em que há votação de projetos) com menos de 15 minutos, o que é raro (no ano passado foram três). Já em 2020 e 2019, quando a Casa era presidida por Rodrigo Maia (PSDB), foram uma em cada ano. Já Eduardo Cunha realizou cinco com menos de 15 minutos entre 2015 e 2016.

Uma destas breves sessões aconteceu no último dia 7 de julho e durou apenas um minuto. O objetivo era agilizar a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Auxílios. Além da curta duração, o evento também aconteceu em um horário pouco comum: às 6h30. Apenas 65 dos 513 deputados estavam presentes.

Às 6h31, o vice-presidente da Câmara, Lincoln Portela (PL-MG), responsável por abrir a sessão, anunciou: "Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos", sob protestos de alguns dos presentes. Portela lembrou que haveria outra sessão para tratar do tema ainda pela manhã.

Diferentemente de projetos de lei, as PECs são propostas que alteram o texto da Constituição brasileira e não estão sujeitas a veto ou sanção presidencial. O que o Congresso aprovar vai imediatamente alterar a Carta Magna.

Elas têm um rito mais rígido e mais lento de tramitação, justamente para que haja tempo hábil para se discutir as alterações com profundidade e fazer com que esses debates possam reverberar na sociedade civil, já que as mudanças têm o potencial de, em diferentes medidas, impactar a vida de todos os cidadãos.

Tudo isso foi impulsionado pela pandemia, que foi um momento em que as regras mudaram muito de uma hora para outra. Era um momento de exceção. Só que, na volta, algumas características ficaram e isso pode prejudicar institucionalmente a Casa"
Graziella Testa, doutora em ciência política pela USP e professora da FGV-DF

Caminho PEC -  -

Especialistas afirmam que a pressa no processo legislativo é algo comum no país, principalmente nas assembleias estaduais e nas câmaras municipais, mas que acelerar a tramitação de projetos importantes prejudica os ritos democráticos.

"Em nome de negociações, que por muitas vezes fogem aos olhos do cidadão comum, o Legislativo descumpre aspectos esperados de suas funções de levar discussões adiante, de incluir e de envolver", afirma o doutor em ciência política pela USP e diretor geral do Movimento Voto Consciente, Humberto Dantas.

Lira, por sua vez, diz que todas as decisões tomadas em plenário estão dentro das normas regimentais. "A alteração do modo de votação foi tomada com decisão de ato da Mesa 'ad referendum' também previsto no regimento", disse por meio de nota.

Para o líder da minoria na Casa, o deputado Alencar Santana (PT-SP), as táticas de Lira são "péssimas" para o Parlamento.

Naquilo que há interesse do governo, há atropelos regimentais com a regra do jogo sendo mudada praticamente durante a partida e em seus minutos derradeiros"
Alencar Santana (PT-SP), líder da minoria na Câmara

"Os processos e a lógica do legislativo são subvertidos à luz daquilo que foi pensado inicialmente para ser uma resposta do parlamento à representatividade, à diversidade, à presença de correntes de pensamentos diferentes", afirma Dantas. "Isso nos dá impressão de que atrapalha os interesses de quem quer agilidade. Decisões autocráticas, são infinitamente mais ágeis do que decisões democráticas, mas elas também são inquestionáveis."

Kit obstrução

Cinco meses após assumir a presidência da Casa, em 2021, Lira cumpriu uma promessa de campanha: com o apoio da maioria dos deputados, aprovou uma mudança no regimento interno para reduzir o chamado "kit obstrução" — ferramentas previstas no regimento usadas para atrasar ou até barrar votações de projetos, principalmente pela oposição.

A mudança no regimento era um pedido dos partidos da base do governo, que alegavam querer dar celeridade à aprovação de projetos. A alteração cancelou dispositivos que tratavam da prorrogação da sessão e redução do tempo de fala de deputados na discussão de projetos.

Na época, Lira defendeu a mudança nas redes sociais. "Tínhamos um regimento criado em 1989 que possuía dispositivos da época do regime militar, de 1972, quando havia o bipartidarismo", escreveu.

Grupos x comissões

Desde a pandemia também, a Câmara passou a fazer um uso maior de grupos de trabalho para a tramitação de projetos polêmicos, como o da liberação dos jogos de azar e o do novo Código Penal.

As comissões precisam necessariamente seguir regras definidas no regimento interno, como ter a representação de todos os partidos de forma proporcional à presença deles na Câmara, e também o rito de votação dos relatórios. Já no grupo de trabalho não.

Os grupos passaram a ganhar destaque em 2020, durante o auge da pandemia, quando o funcionamento das comissões estava suspenso, mas seguiram após o relaxamento das regras sanitárias.

Em outubro daquele ocorreu a reunião de instalação do grupo de trabalho destinado ao estudo do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, com 15 integrantes, dos quais 7 pertenciam ao bloco partidário do PSL (atual União Brasil).

Lira também criou um grupo de trabalho para discutir a adoção do semipresidencialismo no Brasil, mas afirma que esse projeto deve ser discutido com calma e só ir à votação em plenário na próxima legislatura.