Topo

STF decide que nova lei de improbidade deve alcançar casos em andamento

17.ago.2022 - Plenário do STF discute se a nova Lei de Improbidade Administrativa deve retroagir - Nelson Junior/STF/SCO
17.ago.2022 - Plenário do STF discute se a nova Lei de Improbidade Administrativa deve retroagir Imagem: Nelson Junior/STF/SCO

do UOL, em Brasília

18/08/2022 16h59Atualizada em 18/08/2022 20h15

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a nova lei de improbidade administrativa só deve valer para casos em andamento, impedindo a revisão em processos que já transitaram em julgado (sem possibilidade de recurso). O entendimento abre brecha para beneficiar políticos envolvidos em ações contra a administração pública que ainda não foram concluídas.

Como mostrou o UOL, prevaleceu o voto de Alexandre de Moraes, que permite que a nova lei alcance casos de improbidade em andamento que envolvam atos culposos (sem intenção). A nova lei excluiu essa modalidade, estabelecendo que agora somente atos dolosos (com intenção) podem ser punidos.

Pelo entendimento de Moraes, caberá uma análise caso a caso dos processos de improbidade envolvendo atos culposos. Ou seja, cada juiz deverá avaliar se a ação de fato envolve um ato culposo, que poderá agora levar ao arquivamento do processo, ou se houve dolo, o que garantiria a continuidade do caso.

A maioria do tribunal também votou contra a retroatividade dos novos prazos da lei de improbidade, que ficaram mais curtos.

Como votou cada ministro: Ao todo, sete ministros entendem que o novo texto deve alcançar casos antigos envolvendo atos culposos (sem intenção) de improbidade: Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente do STF, Luiz Fux.

Dentro deste grupo, houve divergências sobre o alcance. Mendonça, Toffoli, Lewandowski e Gilmar defenderam que a nova lei também alcançasse casos concluídos, abrindo a possibilidade de condenados apresentarem ações rescisórias para anularem suas sentenças. Este grupo, porém, ficou derrotado.

A divergência foi aberta pelo ministro Edson Fachin, que se posicionou contra a retroatividade da nova lei. Ele foi acompanhado por Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

O que foi julgado. O STF discutiu desde o dia 3 de agosto se duas mudanças trazidas na nova lei de improbidade administrativa deveriam retroagir e serem aplicadas para casos antigos:

  • a primeira é a exclusão da modalidade culposa do tipo de ato de improbidade que pode ser punido: pela nova lei, somente casos dolosos devem ser processados e condenados;
  • a segunda diz respeito aos prazos de prescrição -- que ficaram mais curtos.

A retroatividade abre brecha para gestores públicos pedirem a revisão de seus casos. Não à toa o julgamento foi acompanhado de perto pela classe política e foi pautado após uma cobrança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Condenado por improbidade em segunda instância, Lira teve os efeitos de sua sentença suspensos pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. O caso hoje tramita em segredo no Superior Tribunal de Justiça.

Além dele, os ex-governadores José Roberto Arruda (PL-DF) e Anthony Garotinho (União-RJ) e o ex-prefeito do Rio César Maia (PSDB), candidato a vice-governador na chapa de Marcelo Freixo (PSB), também respondem a casos semelhantes.

E a prescrição? Sobre os novos prazos de prescrição, a maioria dos ministros concordou que a mudança não deve retroagir. Esses prazos definem em quanto tempo, no máximo, uma pessoa pode ser processada por determinada ação.

Esse entendimento, diferentemente do relativo ao alcance da nova lei sobre atos culposos, pode dificultar a revisão de processos por grupos políticos que dependiam da redução dos prazos de prescrição para se livrar das ações.

Como foi a sessão. O julgamento foi retomado com o voto de Rosa Weber, que acompanhou a divergência aberta ontem (17) por Edson Fachin, afirmando que a nova lei de improbidade não deve retroagir para casos antigos.

Rosa foi acompanhada por Cármen Lúcia, que votou de forma semelhante na sequência. Para a ministra, ações de improbidade não são de direito penal e, por isso, a regra sobre a retroatividade de normas que beneficiem os réus nestes processos não deve ser aplicada.

Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, por sua vez, votaram para permitir a retroatividade, ampliando o alcance até para casos já concluídos.

Somente casos em andamento. Alexandre de Moraes, relator, proferiu voto defendendo que a nova lei deve alcançar casos antigos, mas somente os processos que ainda estejam em andamento. A análise ficará caso a caso. Ou seja, cada juiz deverá definir se o processo de improbidade em questão envolve um ato culposo, modalidade excluída pela nova lei, ou dolo eventual. Neste segundo cenário, a ação deve prosseguir normalmente.

Moraes frisou que, embora o caso possa ser revisto, as provas obtidas e atos proferidos no processo até a sanção da nova Lei de Improbidade continuam válidas e podem ser compartilhadas em investigações penais.

Em processos que transitaram em julgado (sem possibilidade de recurso), o ministro disse que o novo texto não deve retroagir.

Moraes afirmou que a necessidade de comprovação do dolo, excluindo a modalidade culposa da lei, foi uma opção do legislador. "Concordemos ou não, é uma opção válida, plenamente válida", disse.

O gestor corrupto é uma coisa, o gestor inepto e incompetente, é outra coisa. Ambos devem ser responsabilizados, por óbvio, mas cada um tem uma forma de ser responsabilizado"
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo

A posição de Moraes foi acompanhada pelos ministros Nunes Marques na sessão de ontem (17) e Luiz Fux hoje.

Revisão até para casos encerrados. André Mendonça votou pela retroatividade, mas com alcance mais amplo: para o ministro, o novo texto deve valer tanto para casos em andamento quanto para processos concluídos. Nestes últimos casos, Mendonça defendeu a possibilidade dos condenados moverem ações rescisórias para anular as sentenças.

Ele foi seguido por Dias Toffoli na sessão de ontem (17) e por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski na tarde de hoje.

Divergência. A divergência foi aberta por Edson Fachin, que disse concordar com diversos pontos de Moraes, como o prazo de prescrição, mas é contra a possibilidade da nova lei alcançar casos antigos.

Para o ministro, que é relator da Operação Lava Jato e um dos expoentes da ala "punitivista" da Corte, os casos culposos em andamento devem ser julgados por meio da antiga lei de improbidade, e somente os processos instaurados após a sanção do novo texto que devem seguir as novas regras.

"Eu me coloco contra esse tipo de anistia aos atos de improbidade", disse Fachin.

Barroso acompanhou o colega e disse que as regras sobre retroatividade que beneficiem o réu são definidas para ações penais, enquanto processos de improbidade são de natureza cível. Para o ministro, como não há mandamento constitucional sobre o tema, a retroatividade não deveria ocorrer.

Ação contra advogada do INSS. O caso concreto julgado no STF foi da advogada Rosmary Cordova, que atuou no INSS de 1994 a 1998 e foi acusada de improbidade por "conduta negligente". O Ministério Público moveu a ação contra ela em 2006 por ter viajado sem informar previamente ou garantir um substituto durante a ausência.

A decisão protege aqueles gestores que, embora possam ter cometido erros, agiram de boa-fé, com vistas ao interesse público e sem alcançar qualquer proveito próprio"
Francisco Zardo, advogado da Dotti Advogados, que representa Rosmary

A discussão é de repercussão geral e deve definir uma jurisprudência que deverá ser adotada pelos demais juízes do país. Ao menos 1.147 processos sobre o tema estão suspensos esperando uma definição do Supremo.

O que diz a OAB:

Trata-se de uma decisão importante do STF no sentido de aplicar a lei, proteger os cidadãos e os interesses do Estado"
Vicente Braga, advogado que representou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no STF e é presidente da Anape (Associação Nacional dos Procuradores),

O que diz a Conamp:

É certo que outros debates serão apresentados ao Judiciário questionando as grandes mudanças da nova lei de improbidade administrativo"
Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público