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STF retoma julgamento sobre alcance da nova lei de improbidade

Ministro do STF,  Alexandre de Moraes, relator de ação que discute a nova lei de improbidade - Carlos Moura/SCO/STF
Ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator de ação que discute a nova lei de improbidade Imagem: Carlos Moura/SCO/STF

Do UOL, em Brasília

10/08/2022 04h00

O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (10) o julgamento que decidirá se a nova lei de improbidade administrativa pode retroagir e alcançar casos em andamento, beneficiando políticos envolvidos em atos contra a administração pública.

Dentro do Supremo, há a tendência a de que a maioria deverá permitir que a nova lei alcance casos antigos, o que abriria brecha para a classe política pedir a revisão de seus processos.

A expectativa é que o julgamento, iniciado na quarta passada (3), seja dividido entre as alas garantista, mais inclinadas aos direitos dos acusados que defendem a retroatividade, e punitivista, que tende a se alinhar com o Ministério Público, que é contrário à mudança.

Expoentes do primeiro grupo, por exemplo, são os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Nunes Marques. Entre os "punitivistas" estão Roberto Barroso e Edson Fachin, com a possibilidade de Cármen Lúcia e Rosa Weber se alinharem aos colegas.

Na semana passada, os ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça, as duas incógnitas do tribunal, votaram para permitir que a lei alcance casos antigos, com diferenças de extensão. Moraes entendeu que é possível somente para processos de atos culposos (sem intenção). Nestes casos, a análise deve ser feita caso a caso.

Em processos que transitaram em julgado (sem possibilidade de recurso), o ministro disse que o novo texto não deve retroagir.

Mendonça, por sua vez, deu um voto semelhante, mas foi além: além dos casos em andamento, o ministro defendeu que a nova lei alcance até processos concluídos. Para esses casos, Mendonça defendeu a possibilidade dos condenados moverem ações rescisórias para anular as sentenças.

Os dois votos abrem brechas para a classe política pedir a revisão de seus processos movidos no passado, beneficiando parlamentares, ex-governadores e agentes públicos enrolados com ações de improbidade e que buscam disputar as eleições.

Moraes afirmou que a necessidade de comprovação do dolo, excluindo a modalidade culposa da lei, foi uma opção do legislador. "Concordemos ou não, é uma opção válida, plenamente válida", disse.

O gestor corrupto é uma coisa, o gestor inepto e incompetente, é outra coisa. Ambos devem ser responsabilizados, por óbvio, mas cada um tem uma forma de ser responsabilizado"
Alexandre de Moraes, relator da ação sobre o tema no STF

O ministro frisou que, embora o caso possa ser revisto, as provas obtidas e atos proferidos no processo até a sanção da nova Lei de Improbidade continuam válidas e podem ser compartilhadas em investigações penais.

Em voto proferido na sequência, Mendonça afirmou que, em sua visão, a lei de improbidade deve estimular o bom gestor, e punir o gestor corrupto. No entanto, há ainda confusão entre corrupção e ineficiência, o que leva agentes a "perderem a vontade de inovar".

Na iniciativa privada um grande executivo que faz dez negócios exitosos e lucrativos, e um deles dá prejuízo, ainda assim é considerado um bom gestor. Na administração pública, ele passa a ser ímprobo"
André Mendonça, ministro do STF, primeiro a votar depois do relador

Repercussão geral

A discussão é de repercussão geral e deve definir uma jurisprudência que deverá ser adotada pelos demais juízes do país. Ao menos 1147 processos sobre o tema estão suspensos esperando uma definição do Supremo.

O que mudou na legislação? Promulgada em 1992 na esteira de casos de corrupção no governo do então presidente Fernando Collor, a Lei de Improbidade fixa possíveis sanções a agentes e servidores que atentem contra a administração pública. A punição é administrativa, e não criminal, e pode levar à perda de mandato, pagamento de multa e a suspensão de direitos políticos.

As mudanças feitas pelo Congresso no ano passado e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) tocaram em dois pontos que são discutidos agora no Supremo:

  • O primeiro é a necessidade de comprovação do "dolo", ou seja, a intenção do agente público em cometer o ato ilícito;
  • O segundo diz respeito aos prazos de prescrição -- que ficaram mais curtos.

Agora, os ministros discutem se essas duas mudanças valem só para casos de improbidade abertos após a sanção da nova lei ou se o texto deve retroagir e alcançar processos em andamento ou já concluídos.

A quem interessa a discussão? O julgamento da retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa é acompanhado de perto pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que em junho cobrou que a discussão entrasse em pauta no Supremo com prioridade.

Condenado por improbidade em segunda instância, Lira teve os efeitos de sua sentença suspensos pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. O caso hoje tramita em segredo no Superior Tribunal de Justiça.

Além dele, os ex-governadores José Roberto Arruda (PL-DF) e Anthony Garotinho (União-RJ) e o ex-prefeito do Rio César Maia (PSDB), candidato a vice-governador na chapa de Marcelo Freixo (PSB), também respondem a casos semelhantes. Os três buscam rever seus processos para conseguirem se tornar elegíveis para as eleições.

Prescrição. Sobre o prazo de prescrição, Moraes foi contra a retroatividade por considerar que não é possível aplicar os novos prazos a processos já em andamento, uma vez que a medida "surpreenderia" a atuação do Estado na investigação de atos de improbidade.

Neste ponto, Mendonça divergiu e disse que os novos prazos de prescrição podem retroagir e serem aplicados aos processos em curso.

Caso no INSS. Para além da discussão ampla envolvendo a retroatividade da nova lei, os ministros discutem ainda o caso concreto da advogada Rosmary Cordova, que atuou no INSS de 1994 a 1998 e foi acusada de improbidade por "conduta negligente".

O Ministério Público moveu a ação contra a advogada em 2006 por ter viajado sem informar previamente ou garantir um substituto durante a ausência.

Para o advogado Francisco Zardo, que defende Rosmary, diz que ela é uma advogada íntegra e que, em primeira instância, o processo chegou a ser considerado improcedente. "Confiamos que, depois de mais de 25 anos desde os fatos, o caso finalmente será encerrado, possibilitando que, 16 anos após a instauração do processo, a Dra. Rosmery recupere a paz de espírito", disse.