STF interrompe julgamento da nova Lei de Improbidade; votação começa amanhã
O STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar nesta quarta (3) se a nova lei de improbidade administrativa, sancionada no ano passado, deve retroagir e alcançar ações julgadas ou em andamento. O caso é acompanhado de perto por políticos que esperam rever condenações e conseguir liberação para as eleições deste ano.
Até o momento, nenhum ministro votou. Durante a sessão, falaram as partes do processo, entidades interessadas no caso e o procurador-geral da República, Augusto Aras, que se manifestou contra a retroatividade da lei.
O relator, Alexandre de Moraes, iniciou a leitura do voto, mas não concluiu. O magistrado disse que deverá retomar a votação nesta quinta (4).
Dentro do Supremo, há a expectativa de um placar apertado no caso, com Moraes e André Mendonça sendo as duas principais incógnitas. O julgamento vai dividir as alas garantista, mais inclinadas aos direitos dos acusados que defendem a retroatividade, e punitivista, que tende a se alinhar com o Ministério Público, que é contrário à mudança.
Expoentes do primeiro grupo, por exemplo, são os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Entre os "punitivistas" estão Roberto Barroso e Edson Fachin, com a possibilidade de Cármen Lúcia e Rosa Weber se alinharem aos colegas.
Em sua fala, Moraes afirmou que vê a lei de improbidade administrativa, tanto a original quanto as mudanças feitas no ano passado, como uma "grande conquista no combate à corrupção".
Em que pese não ser uma lei extremamente técnica. É uma lei que deixou inúmeras brechas, permitindo inúmeras interpretações"
Alexandre de Morares, ministro do STF e relator do caso
O julgamento desperta o interesse da classe política, que vê a possibilidade de processos serem arquivados caso o STF decida que a nova lei de improbidade, aprovada pelo Congresso no ano passado, deve retroagir e alcançar processos já julgados, inclusive com condenações.
Entenda as consequências do julgamento:
Quem pode ser beneficiado. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os ex-governadores José Roberto Arruda (PL-DF) e Anthony Garotinho (União-RJ) e o ex-prefeito do Rio César Maia (PSDB), candidato a vice-governador na chapa de Marcelo Freixo (PSB), entre outros políticos e servidores públicos.
Arruda, Garotinho e Maia já foram favorecidos por decisões liminares do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, que garantiram o restabelecimento de seus direitos políticos. Anteontem, porém, o ministro Gurgel de Faria revogou a decisão favorável à Arruda.
Lira cobrou do presidente do STF, Luiz Fux, prioridade para julgar extensão da lei improbidade. Condenado em segunda instância em Alagoas, o deputado pode se livrar da acusação, se o Supremo optar pela retroatividade da nova lei.
Procurado pelo UOL, Lira afirma que o Tribunal de Justiça de Alagoas suspendeu os efeitos dessa decisão, "inclusive negando o recurso impetrado pelo Ministério Público".
O que mudou na legislação. Promulgada em 1992 na esteira de casos de corrupção no governo do então presidente Fernando Collor, a Lei de Improbidade fixa possíveis sanções a agentes e servidores que atentem contra a administração pública. A punição é administrativa, e não criminal, e pode levar à perda de mandato, pagamento de multa e a suspensão de direitos políticos.
As mudanças feitas pelo Congresso no ano passado e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro tocaram em dois pontos que devem ser discutidos agora no Supremo:
- O primeiro é a necessidade de comprovação do "dolo", ou seja, a intenção do agente público em cometer o ato ilícito;
- O segundo diz respeito aos prazos de prescrição -- que ficaram mais curtos.
Integrantes do MPF têm criticado o texto desde o ano passado, alegando que as mudanças afrouxaram o combate à corrupção e dificultam a atuação do órgão. Os defensores da lei, por sua vez, dizem que as medidas garantem mais segurança jurídica e evitam punições excessivas contra agentes públicos.
No início de julho, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contra a retroatividade da lei, alegando que a mudança "não pode significar retrocesso legislativo e enfraquecimento do microssistema de proteção à probidade".
Entender que o novo regime exige a comprovação de má-fé especial ou de vontade dolosa nos estritos termos penais para enquadramento nos tipos da LIA [Lei de Improbidade Administrativa] consistiria em retrocesso que iria de encontro à ordem jurídico constitucional de preservação da probidade e de combate à corrupção"
Augusto Aras, procurador-geral da República
Para Aras, as mudanças feitas pela lei devem valer de 2021 para frente, incluindo as mudanças na prescrição.
Excessos. Para o advogado Francisco Zardo, vice-presidente do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro e um dos advogados no processo, é "inequívoco" a necessidade da aplicação do princípio da lei da retroatividade mais benéfica, uma vez que a ação de improbidade pode resultar em sanções como a perda de direito políticos ou a proibição de firmar contratos com o Poder Público.
Não há afrouxamento. O que há é a correção de um excesso. A jurisprudência sempre considerou que a improbidade relaciona-se à corrupção, ao exercício da função pública de modo desonesto, com má-intenção. Ao excluir da lei de improbidade os atos culposos, a nova lei corrigiu esse excesso"
Francisco Zardo, vice-presidente do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro
Segundo o advogado, o agente público que atuar de forma negligente ainda poderá ser punido por processos disciplinares e outros instrumentos, como por ação civil pública. "A lei de improbidade, dada a gravidade de suas consequências, devem ser reservadas aos atos dolosos", afirma.
E o impacto disso? Considerado um caso de repercussão geral, a decisão do Supremo deverá criar uma definição que passará a ser seguida por todo o restante do Judiciário. Os impactos podem ser mensurados abaixo:
- Hoje, há pelo menos 1.147 processos discutindo a possibilidade de retroatividade da lei de improbidade no Judiciário, segundo dados do STF. Esses casos foram suspensos até a Corte pacificar o tema.
- Não há uma estimativa exata de quantas investigações que devem ser atingidas se ocorrer a retroatividade, mas só em São Paulo, a Promotoria paulista estima que há 4.768 procedimentos em andamentos que podem ser impactados pelo STF.
Como será o julgamento. A votação deverá ser iniciada nesta quinta-feira (3). A discussão pode ser suspensa caso algum ministro peça vista (mais tempo de análise), uma possibilidade considerada pequena, mas não impossível dentro do Supremo.
A ordem de votação entre os ministros é:
- Alexandre de Moraes, relator
- André Mendonça
- Nunes Marques
- Edson Fachin
- Luís Roberto Barroso
- Rosa Weber
- Dias Toffoli
- Cármen Lúcia
- Ricardo Lewandowski
- Gilmar Mendes
- Luiz Fux
Caso concreto. Para além da discussão ampla envolvendo a retroatividade da nova lei, os ministros discutem ainda o caso concreto da advogada Rosmary Cordova, que atuou no INSS de 1994 a 1998 e foi acusada de improbidade por "conduta negligente".
O Ministério Público moveu a ação contra a advogada em 2006 por ter viajado sem informar previamente ou garantir um substituto durante a ausência. Para Francisco Zardo, que defende Rosmary, diz que ela é uma advogada íntegra e que, em primeira instância, o processo chegou a ser considerado improcedente.
"Confiamos que, depois de mais de 25 anos desde os fatos, o caso finalmente será encerrado, possibilitando que, 16 anos após a instauração do processo, a Dra. Rosmery recupere a paz de espírito", disse.
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