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Cláudio Castro recebeu propina como vereador e vice-governador, diz delator

Do UOL, no Rio*

16/09/2022 04h00

Um novo depoimento de Marcus Vinícius Azevedo da Silva, empresário e ex-assessor do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), detalha supostos recebimentos de propina pelo atual candidato à reeleição enquanto era vereador na capital fluminense. Ele também corrobora outra delação que diz que Castro —à época que era vice-governador— carregou propina em uma mochila.

Marcus Vinícius diz ainda que Castro recebeu propina no exterior —US$ 20 mil (R$ 104 mil na cotação do dólar ontem) em uma viagem com a família a Orlando, na Flórida, onde ficam parques da Disney. Os relatos aos quais o UOL teve acesso foram colhidos em julho pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio), no processo da Operação Catarata, que investiga fraudes em projetos sociais da prefeitura e do governo do Rio.

O UOL cruzou informações do delator com datas de assinaturas e pagamentos de contratos e até com um decreto do governo do Rio, que permitiu a transferência de contratos para a vice-governadoria então comandada por Castro.

O que diz Castro: "Não comento ações que estão em segredo de Justiça. O vazamento desse conteúdo é criminoso e visa única e exclusivamente interferir no processo eleitoral. Infelizmente no Rio de Janeiro há uma indústria de delações feitas por criminosos que querem se livrar da cadeia e acusam autoridades de forma leviana", disse o governador por meio de sua assessoria de imprensa.

Acordo de delação e novo depoimento. O ex-assessor já havia assinado um acordo de colaboração premiada com a PGR (Procuradoria-Geral da República) em agosto de 2020, homologado no fim do mesmo ano pelo então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello. O conteúdo está sob sigilo.

O MP-RJ pediu neste ano para aderir ao acordo a fim de colher mais informações sobre os réus sem foro privilegiado na ação que tramita desde 2019 na 26ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio.

No entanto, no novo depoimento —de uma hora e meia—, o empresário dedicou 25 minutos para falar de supostos esquemas envolvendo Castro. O vídeo foi enviado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que o Tribunal se manifeste a respeito da competência para a análise das denúncias envolvendo o governador.

Quem é o delator. Marcus Vinícius foi assessor de Castro na Câmara Municipal entre abril e agosto de 2017. Dono de uma das empresas investigadas na Catarata, ele chegou a ser preso em julho de 2019. Hoje ele responde ao processo em liberdade.

R$ 50 mil para campanha

O que diz o delator: Marcus Vinícius disse que Castro se aproximou dele em 2015, quando o então cantor católico começava a planejar seu ingresso na política. Ele disse que assumiu a coordenação da campanha de Castro à Câmara —à época no PSC— e exigiu um cargo em seu gabinete.

O delator conta ter conseguido o apoio do empresário Flávio Chadud, também dono de uma firma acusada na Catarata. "Quando eu trouxe um candidato em potencial a ser eleito vereador, o Flávio [Chadud] não perdeu a oportunidade. Ele tem um olhar como poucos. [...] Ele até ajudou, deu uns R$ 50 mil para me ajudar a pagar umas despesas de campanha do Cláudio."

O que se sabe: Castro foi eleito vereador em 2016, com apenas 10.262 votos. Ele chegou à Câmara graças à votação do vereador Carlos Bolsonaro (106.657 votos), que impulsionou o PSC.

Marcus Vinícius, que também era funcionário de carreira da Prefeitura do Rio, ficou de fato lotado no gabinete de Castro entre abril e agosto de 2017.

Não houve registro oficial no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de doações de Flávio Chadud. Castro declarou ter arrecadado R$ 93.600 na campanha.

Propina quando vereador

O que diz o delator: Marcus Vinícius afirma que, como vereador, Castro intercedeu, em 2017, junto ao então prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) para que dois contratos —de uma ONG ligada ao delator e de uma empresa de Chadud— fossem incorporados pela SUBPD (Subsecretaria de Pessoa com Deficiência), sob o comando de aliados do grupo.

Na gestão anterior, de Eduardo Paes (PSD), os contratos ficavam sob a Secretaria de Envelhecimento Ativo, comandada pela ex-deputada federal Cristiane Brasil ou apadrinhados dela. A pasta foi extinta e tudo passou para a Secretaria de Desenvolvimento Social, com a vereadora Teresa Bergher (Cidadania) à frente, com quem não havia acerto.

O delator conta que os contratos foram transferidos para a SUBPD após a intervenção de Castro —em troca disso, o então vereador votaria a favor do aumento do IPTU, projeto de lei impopular proposto logo no início da gestão Crivella.

Lá na SUBPD, esses dois contratos passaram a dar propina e capital político para o então vereador Cláudio Castro, em 2017 para 2018. Aí, acabou o dinheiro, isso morreu em fevereiro de 2018. Mas, no mesmo ano, ele foi eleito vice-governador.

O delator não detalha os valores supostamente recebidos por Castro.

O que se sabe: Foto publicada pela Prefeitura do Rio em 1º de março de 2017 mostra Castro reunido com Crivella e o então subsecretário de Pessoa com Deficiência, Geraldo Nogueira, para "discutir propostas de políticas públicas" (veja abaixo).

Nas duas votações do aumento do IPTU —em agosto e setembro de 2017—, o então vereador votou a favor da proposta. Carlos Bolsonaro, à época também do PSC, votou contra.

De fato, os contratos foram prorrogados sob a Subsecretaria da Pessoa com Deficiência:

  • O subsecretário autorizou em 4 de julho de 2017 um termo aditivo de R$ 6,5 milhões em um contrato com a ONG Ibrapes, ligada a Marcus Vinícius
  • Nogueira assinou em 16 de setembro de 2017 termo para prorrogar contrato da Servlog Rio Consultoria e Assessoria Empresarial, de Chadud, no valor R$ 3,488 milhões

1.mar.2017 - Da esquerda para a direita, o ex-deputado Márcio Pacheco; Cláudio Castro, vereador à época; o ex-prefeito Marcelo Crivella e Geraldo Nogueira, ex-subsecretário de Pessoa com Deficiência - Divulgação/Prefeitura do Rio - Divulgação/Prefeitura do Rio
1.mar.2017 - Da esquerda para a direita, o ex-deputado Márcio Pacheco; Cláudio Castro, vereador à época; o ex-prefeito Marcelo Crivella e Geraldo Nogueira, ex-subsecretário de Pessoa com Deficiência
Imagem: Divulgação/Prefeitura do Rio

Propina no governo estadual

O que diz o delator: Segundo Marcus Vinícius, havia no governo estadual desde 2015 um esquema para beneficiar ele e Flávio Chadud com contratos de projetos sociais na Fundação Leão 13.

Em 2019, com Witzel como governador e Castro vice, a Leão 13 ficou sob o comando da então secretária de Desenvolvimento Social, Fabiana Bentes, que não tinha acerto com o grupo.

O delator diz que, em 2018, Castro fez pressão para que ela não assumisse a pasta, sem sucesso. Marcus Vinícius diz ter então sugerido a publicação de um decreto com o objetivo de passar a Leão 13 para a vice-governadoria.

Desta forma, o contrato da empresa de Chadud foi renovado. Já o de Marcus Vinícius foi rescindido, segundo ele, porque o fato de o delator já ter sido assessor de Castro poderia levantar suspeitas. Marcus Vinícius diz ter falado para Castro à época:

"Deixa o Novo Olhar [projeto da empresa de Chadud] prosseguir. Você, Cláudio Castro, passa a ser o dono do contrato. Ou seja, dono do contrato é: você diz quem vai atender e a propina que sobra é sua. E do Marcus [Vinícius - fala de si próprio na terceira pessoa], o Agente Social, o Marcus vai mandar um ofício para a Leão 13 pedindo o cancelamento, uma rescisão contratual. E mais tarde vocês dão um contrato para o Marcus, para ele ter a contrapartida dele."

"Na véspera de eu ser preso, eu estava negociando esse novo contrato que substituiria o que eu abri mão, o Agente Social. Dias antes, o então presidente da Fundação Leão 13, o Allan [Borges], e a esposa dele estavam na minha casa negociando o contrato que eu abri mão."

O que se sabe: Em 9 de janeiro de 2019, Witzel publicou um decreto transferindo a Fundação Leão 13 da Secretaria de Desenvolvimento Social para a Vice-Governadoria.

Vinte dias depois, a Leão 13 assinou um termo aditivo estendendo por mais um ano o contrato do Novo Olhar —assinado em 2018. No dia anterior, o contrato da empresa de Marcus Vinícius foi cancelado.

Allan Borges continua no governo Castro —ele coordena o projeto Cidade Integrada, principal iniciativa social para favelas da atual gestão.

Foto postada em rede social mostra a primeira-dama do Rio, Analine Castro, na Disney em março de 2018 - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Foto postada em rede social mostra a primeira-dama do Rio, Analine Castro, na Disney em março de 2018
Imagem: Reprodução/Facebook

Propina em Orlando

O que diz o delator: Ao ser perguntado pelo MP-RJ sobre diferentes formas de pagamento de propina, o delator cita uma remessa de US$ 20 mil que teria sido realizada "em 2018 ou 2019" para ajudar a bancar uma viagem de Castro com a família para Orlando nos EUA.

"Exemplo concreto do Novo Olhar [projeto desenvolvido no governo estadual pela empresa de Chadud]: início de 2019, ou foi 18 ou foi 19, não sei se o Cláudio era vereador, depois eu até vejo, acho que mencionei em um dos meus anexos [à PGR]."

O Cláudio foi fazer uma viagem com a família para Orlando. Levou ele, a atual primeira-dama, os filhos, levou o irmão dele, a cunhada, foi uma galera. Parte dos recursos que pagaram a viagem do Cláudio e da família lá em Orlando saiu dos cofres, da contabilidade do Novo Olhar, e foi direto para Orlando. Quando ele chegou lá, o dólar estava lá. Não precisou sacar aqui. A gente tinha como mandar recurso através de doleiro para o exterior, foi direto. Chegou lá, a pessoa só chegou e entregou para ele. Na época, acho que foi o equivalente a US$ 20 mil, se não me engano. Eu dei uma parte, Flávio [Chadud] deu uma outra."

O que se sabe: A atual primeira-dama, Analine Castro, postou, em suas redes sociais, fotos em parques de Orlando em março de 2018. O UOL não localizou referências relativas a 2019.

Segundo Marcus Vinícius, os pagamentos para a ONG ligada a ele e para a empresa de Chadud foram suspensos na Prefeitura do Rio em fevereiro de 2018.

Em janeiro de 2019, a Servlog, empresa de Chadud, teve o contrato renovado para o projeto Novo Olhar. Em julho daquele ano, a firma foi alvo da Operação Catarata do MP-RJ.

Para receber os benefícios, delatores devem ceder às autoridades provas que corroborem suas declarações. Marcus Vinícius cita o envio de documentos, aos quais o UOL não teve acesso.

29.jul.2019 - Cláudio Castro com mochila com suposta propina, segundo delatores - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
29.jul.2019 - Cláudio Castro com mochila com suposta propina, segundo delatores
Imagem: Reprodução/TV Globo

Propina na mochila

O que diz o delator: Marcus Vinícius diz que Castro levava propina em uma mochila nas imagens de circuito interno do prédio onde fica a sede da empresa de Chadud. O vídeo foi revelado pela GloboNews.

Aquela gravação que depois passou na mídia, em relação à mochila, que ele [Castro] foi na manhã da véspera da operação [Catarata], aquilo ali foi para ele receber o recurso que foi destinado, que foi pago, dias antes foi liberado pelo estado. Ele foi receber a parte dele lá no escritório, R$ 120 mil, uma parte dos recursos que haviam sido liberados atrasados. [...] Aquela imagem foi exatamente o Cláudio na véspera indo lá para poder pegar o recurso. Tanto que no dia da operação ainda tinha uns R$ 300 mil dentro do cofre porque o Bruno [ex-funcionário] e o Flávio ainda iam distribuir para mais agentes."

O que se sabe: Há imagens que mostram Castro saindo da empresa Servlog com uma mochila nas costas em 29 de julho de 2019.

Em depoimento em abril de 2020, Bruno Selem, ex-funcionário de Chadud, afirmou que havia R$ 100 mil de propina sendo levados pelo então vice-governador.

Na ocasião da gravação das imagens, a Servlog possuía contrato ativo com a Leão 23, que estava sob o guarda-chuva da Vice-governadoria. A Servlog teve dois pagamentos liberados em 29 de julho, no total de R$ 283,4 mil. Ao todo, naquele mês, o governo liberou R$ 1 milhão para a firma.

Cláudio Castro assumiu interinamente o governo do Rio pouco mais de um ano depois, em agosto de 2020.

O que dizem os citados

Marcus Vinícius Azevedo da Silva: O advogado João Mestieri, que representa o delator, não quis se manifestar.

Flávio Chadud: A defesa do empresário afirmou em nota: "são duas delações combinadas, sem prova alguma. O delator disse que não presenciou e não estava no local. É uma obra de ficção na base do 'ouvir dizer'. [Chadud] Nunca fez pagamento no Brasil ou no exterior a qualquer agente público. São afirmações mentirosas para sustentar benefícios graciosos e manter a sua impunidade".

Cristiane Brasil: Ela afirmou que todas as contratações durante sua gestão na Secretaria de Envelhecimento Ativo "foram severamente auditadas e aprovadas tanto pela Controladoria quanto pelo TCM [Tribunal de Contas do Município] em diversas ocasiões". A ex-secretária afirmou que sua citação é feita sem apresentar nenhuma prova, o que "levará à nulidade do processo".

Allan Borges: Procurado por meio da assessoria do governo do RJ, ele não se manifestou.

Procurados, Geraldo Nogueira e Marcelo Crivella não se manifestaram. O espaço segue aberto.

*Colaborou Igor Mello, do UOL, no Rio