Gol, que gol? 'Não ligamos para a Copa, só para as Forças Armadas'
As dezenas de camisas verde-amarelas vistas na Avenida Sargento Mario Kozel Filho, na região do Parque Ibirapuera, não eram usadas em comemoração à estreia do Brasil na Copa do Mundo do Qatar. Nem o churrasco feito na rua celebrava a vitória canarinho na primeira partida do Mundial de 2022.
No ato golpista que se instalou em frente ao Comando Militar do Sudeste, na zona sul paulistana, o jogo do Brasil contra a Sérvia na Copa foi ignorado na tarde desta quinta-feira (24). Nem mesmo um discreto grito de gol foi ouvido quando Richarlison balançou a rede pela primeira vez — até a repórter teve de ser avisada pela redação.
E, no momento do segundo gol, houve berros, sim — mas de "SOS Forças Armadas". Bandeirolas do Brasil se agitavam no ar.
Manifestações antidemocráticas vêm ocorrendo no local há semanas, encabeçadas por pessoas inconformadas com o resultado das eleições que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles pedem intervenção militar.
No fim da tarde desta quinta-feira, enquanto o primeiro jogo do Brasil na Copa acontecia, o protesto estava cheio. Parte do grupo usava a camisa oficial com a logomarca da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) coberta por uma fita isolante.
A ordem disparada em grupos golpistas nas redes sociais para que todos se vestissem de preto na hora do jogo, no entanto, não foi acatada pela maior parte dos manifestantes. A mudança de look seria em protesto às posições supostamente esquerdistas do técnico Tite.
Em um aparelho de som, nos primeiros minutos da partida, um dos organizadores agradeceu a quem abriu mão de estar em casa com a família ou em bares assistindo ao jogo da seleção.
"Cada um de vocês que está aqui sabe muito bem que não estamos nem aí para futebol, Copa do Mundo, seleção brasileira", disse, assim que a partida começou. Não havia televisores no protesto nem qualquer outro tipo de transmissão da partida.
"O que importa é o futuro da nação, dos nossos filhos e netos. Só o que importa agora são as Forças Armadas, poder moderador da República, agirem e tomarem conta desse país, dessa bagunça", completou o locutor, para, em seguida, anunciar uma oração e a execução do Hino Nacional. O Pai Nosso e a Ave Maria foram entoados pelo grupo bolsonarista.
Como ocorre com torcidas fervorosas de futebol, um grupo menor rezava um terço — mas não era para que saísse mais um gol. A organizadora da reza pediu que todas compartilhassem a ladainha, impressa em papel, com a pessoa do lado. "Graças a Deus hoje veio bastante gente", completou. A maioria eram senhoras.
"Copa do Mundo nada, o Brasil é mais importante", disse uma mulher no meio da multidão com uma blusa verde e amarela, assim que o jogo começou.
Afastada da aglomeração, uma jovem estava com os olhos atentos no celular. "Enquanto o pessoal assiste à Copa, eu estou vendo jornal", disse ela, rindo, enquanto conversava com uma vendedora em um food truck. A jovem acompanhava a Jovem Pan News.
O comércio no ato golpista vendia hambúrguer e hot dog. Também eram oferecidos lanches gratuitos, bolachas doces e salgadas e cafezinho. Até um churrasco foi feito durante o jogo do Brasil — sem qualquer menção à partida. Idosos, crianças e pets acompanhavam o ato.
Uma mulher com o cachorro no meio do ato golpista disse que o animal também compareceu à manifestação para evitar que o Brasil se tornasse comunista como a Venezuela.
"Ele está aqui porque não quer virar comida", disse, em referência às notícias falsas de que os brasileiros podem passar a comer cachorro no governo Lula.
Às 18 horas, um pedido de silêncio no ato para a solenidade de arriamento da bandeira. Ao mesmo tempo, a festa barulhenta da vitória tomava conta de bares na capital paulista e em todo o Brasil. Fim de jogo no Qatar.
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