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Câmara discute regra que impede branco de usar verba eleitoral para negro

Mulher durante sessão na Câmara dos Deputados.  - Gabriela Korossy/ Câmara dos Deputados
Mulher durante sessão na Câmara dos Deputados. Imagem: Gabriela Korossy/ Câmara dos Deputados

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, de Brasília

14/12/2022 04h00

Parlamentares querem tornar mais rígidos os mecanismos para candidatos ao Congresso Nacional se identificarem racialmente para candidaturas. O objetivo é evitar fraudes no acesso a ações afirmativas de incentivo às candidaturas de pessoas negras (pretos e pardos) e melhorar a mensuração de representatividade política.

Neste ano, o número de candidatos que se autodeclararam negros superou o de brancos pela primeira vez no Brasil. No entanto, a pedido do UOL, uma banca de heteroidentificação racial apontou que, dos 517 parlamentares eleitos que dizem ser negros, só 263 são realmente pretos ou pardos — 16,4% dos novos ingressantes no Senado, na Câmara e nas assembleias legislativas estaduais.

O que querem os deputados para evitar fraudes

Apresentado por parlamentares do PSOL, PT, PC do B e União Brasil, o Projeto de Lei nº 2697/2022 tramita em regime de prioridade. A proposta prevê a aplicação da heteroidentificação antes que os registros de candidatura sejam julgados para todos os candidatos que visam acessar ações afirmativas destinadas a negros, como recursos financeiros e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão. Se aprovado, deve alterar as leis dos Partidos Políticos ( 9.096/95) e das Eleições (nº 9.504/97).

"Foram relatadas significativa discrepância entre a autodeclaração e a heteroidentificação racial dos candidatos, bem como um elevado número de alterações da autodeclaração em comparação com as declarações feitas nas eleições anteriores", diz trecho da justificativa do projeto. Antes de ir a Plenário, o texto deve passar pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias, Finanças, e Constituição e Justiça.

No fim deste ano, a discussão deste projeto passou a tramitar em conjunto com outra propositura, de autoria do deputado Edilázio Júnior (PSD-MA). O PL quer estabelecer que a autodeclaração de cor seja assinada e necessária no pedido de registro de candidatura. Hoje, a informação racial é opcional e não precisa necessariamente ser declarada pelo candidato. Uma prática comum é a autodeclaração ser registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por algum membro da campanha, por exemplo.

Declaração racial mexe no dinheiro para partidos

A autodeclaração racial interfere no cálculo da verba a que o partido tem direito do FEFC (Fundo Especial de Financiamento e Campanha), o Fundo Eleitoral, e na forma como a sigla distribui o dinheiro entre os candidatos.

Na primeira eleição em que partidos foram obrigados pelo TSE a destinar a verba eleitoral de forma proporcional aos candidatos negros, o fundão dispôs de R$ 4,9 bilhões, o maior volume desde a sua criação, em 2017.

Funciona assim: se 10% dos concorrentes da legenda são negros, eles têm direito a pelo menos 10% do montante que o partido recebe deste fundo. Ainda assim, alguns partidos já encontraram formas de direcionar para homens brancos o dinheiro que deveria ir para negros e mulheres. Reportagem do UOL mostrou que candidatos homens receberam, sem justificativa, R$ 10,2 milhões da verba eleitoral obtida por concorrentes negros e mulheres.

Já o dinheiro do fundo eleitoral é distribuído conforme os seguintes critérios:

  • 48% serão divididos conforme o número de deputados federais eleitos por cada partido em 2018.
  • 35% serão pagos a partidos com pelo menos um representante na Câmara, conforme o total de votos conquistados por cada legenda em 2018; os votos dados a mulheres e negros contarão em dobro
  • 15% serão divididos entre os partidos conforme o número de senadores.
  • 2% serão repartidos igualmente entre todos os 32 partidos registrados no TSE

"Tribunal racial": os pontos críticos das propostas

O procedimento de heteroidentificação é realizado por um grupo de profissionais que averiguam os fenótipos negroides das pessoas, ou seja, os detalhes físicos pelos quais elas são percebidas como negras. Por exemplo: pele escura, cabelos crespos ou encaracolados, lábios e nariz grossos.

Ele é usado para ingressar em universidades públicas e no serviço público quando as vagas são destinadas a cotistas negros. E pode ser feito por meio de entrevistas presenciais ou análises de vídeo e fotografia.

Para Sabrina Braga, integrante da Comissão de Promoção da Igualdade Racial na Justiça Eleitoral, o procedimento é "a atividade complementar mais qualificada para dirimir dúvidas" sobre a identidade racial de pessoas.

Mesma opinião tem o advogado Marlon Reis, integrante da Comissão de Promoção da Igualdade Racial do TSE. "O objetivo é fortalecer a candidatura de descendentes de pessoas escravizadas cujos ancestrais têm origem africana", diz.

A heteroidentificação é obrigatória desde 2018 nos processos que envolvem cotistas em concursos públicos federais, mas há quem conteste o método de aferição.

Em 2017, por exemplo, um candidato entrou na Justiça e conseguiu o direito de continuar concorrendo a uma vaga reservada para negros em um concurso para o TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Ele havia sido excluído do processo após ser avaliado por uma banca do Cebraspe (Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos). Em concurso anterior, ele havia sido considerado negro.

Em 2020, parlamentares do Novo e PSC apresentaram uma proposta que pretende vedar a realização de "qualquer procedimento de heteroidentificação com o objetivo de identificação racial" em concursos públicos e em universidade federais. Em trecho do projeto de lei, os parlamentares afirmam que o processo institui "tribunais raciais" e reforça o preconceito racial ao "submeter alguém a um exame para provar que é negro".