Topo

1/3 dos ministros de Lula se diz negro; nº recorde veio de cobrança

Luís Adorno e Liel Marín

Do UOL, em Brasília

12/01/2023 04h01

Dos 37 ministros nomeados por Lula, 11 se declararam pretos ou pardos recentemente ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), pouco menos de um terço do total. Trata-se do maior número de negros à frente do primeiro escalão do governo federal brasileiro desde a redemocratização. Mesmo assim, ainda há disparidade com o número de pessoas que se declaram negras no Brasil: 56,1% segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Como comparação, dos 23 ministros anunciados por Jair Bolsonaro em 2019, apenas um (4% do total) se declarava negro: Wagner de Campos Rosário, da CGU (Controladoria-Geral da União).

Quem são os 11 ministros de Lula que se declaram negros:

  • Flávio Dino - Justiça
  • Rui Costa - Casa Civil
  • Wellington Dias - Desenvolvimento Social
  • Anielle Franco - Igualdade Racial
  • Silvio de Almeida - Direitos Humanos
  • Luciana Santos - Ciência e Tecnologia
  • Margareth Menezes - Cultura
  • Marina Silva - Meio Ambiente
  • Carlos Lupi - Previdência
  • Waldez Góes - Integração e Desenvolvimento Regional
  • Juscelino Filho - Comunicações (havia se declarado branco em 2014 e 2018, mas passou a se declarar pardo em 2022)

Violência histórica

Não é preciso voltar ao período da escravatura ou da ditadura para relembrar casos em que vidas de brasileiros negros foram atacadas, seja por violência institucional, seja por violência urbana. A lista completa é incontável. Independentemente de quem está à frente dos governos federal ou estaduais, a média anual de violência no país se mantém na década:

  • 75% dos homicídios praticados no Brasil têm como vítimas pessoas negras, segundo dados do Atlas da Violência, compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Massacres do Carandiru e de Paraisópolis, chacinas da Candelária e de Osasco, cenas de violência policial emblemáticas --como nos casos da Favela Naval e de uma mulher negra que teve o pescoço pisado--, além de assassinatos de meninos e meninas sem responsabilizações ou respostas às famílias, como nos casos de Davi Fiúza e de Agatha Félix, são alguns dos exemplos.

Não é responsabilidade exclusiva dos ministros negros ou dos negros que compõem o governo defender a vida da população que se declara preta ou parda no Brasil, mas com o maior número de representantes no primeiro escalão do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva aumenta a expectativa de que mães negras enterrem menos filhos vitimados violentamente.

Caminho dos negros com Lula

Em entrevista exclusiva ao UOL, o ministro Flávio Dino afirmou que nunca haverá um número ideal de pessoas negras no governo: "Acho que é sempre um processo. O que é importante é você entender o sentido. E o sentido é o da ampliação da representatividade."

Mas essa representatividade foi construída a partir de debates e cobranças internas de militantes negros antes e durante a campanha do ano passado. O UOL analisou todos os vídeos publicados pela campanha de Lula, no YouTube do então candidato, durante 2022. Foram aproximadamente 43 horas de vídeos. Autodeclarados pretos ou pardos tiveram espaço de fala nos comícios durante apenas 1 hora e 54 minutos, ou seja, pouco mais de 4% do total.

No período da transição do governo, muitos negros atuaram de maneira voluntária para construir propostas. Das 50 vagas a que tinha direito, o governo eleito empregou formalmente 22 pessoas para trabalhar na transição. Destas, pelo menos 15 (68% do total) se declaram brancas. Das outras sete, o UOL não conseguiu identificar suas autodeclarações.

Quem foram os 22 remunerados da transição:

  • Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho - R$ 17.327,65 (branco)
  • Antônio Floriano Pereira Pesaro - R$ 16.944,90 (branco)
  • Márcio Fernando Elias Rosa - R$ 13.623,39 (branco)
  • Miriam Aparecida Belchior - R$ 13.623,39 (branca)
  • Pedro Henrique Giocondo Guerra - R$ 13.623,39 (branco)
  • Paulo Bernardo da Silva - R$ 13.623,39 (branco)
  • João Luiz Silva Ferreira - R$ 13.623,39 (branco)
  • Fabio Rafael Valente Cabral - R$ 10.373,30 (UOL não encontrou autodeclaração)
  • Vinicius Carnier Colombini - R$ 10.373,30 (branco)
  • Daniella Fernandes Cambauva - R$ 10.373,30 (UOL não encontrou autodeclaração)
  • Cassius Antônio Rosa - R$ 10.373,30 (branco)
  • Maria Helena Guarezi - R$ 10.373,30 (branca)
  • Wagner Caetano Alves de Oliveira - R$ 10.373,30 (branco)
  • José Barroso Pimentel - R$ 10.373,30 (branco)
  • Inês da Silva Magalhães - R$ 10.373,30 (branca)
  • Luis Carlos Guedes Pinto - R$ 10.373,30 (branco)
  • Marcia Helena Carvalho Lopes - R$ 10.373,30 (UOL não encontrou autodeclaração)
  • Margarida Cristina de Quadros - R$ 10.373,30 (UOL não encontrou autodeclaração)
  • Valéria de Oliveira - R$ 10.373,30 (UOL não encontrou autodeclaração)
  • José Geraldo Torres da Silva - R$ 10.373,30 (branco)
  • Gilson Alves Duarte - R$ 2.701,46 (UOL não encontrou autodeclaração)
  • Luiz Roberto Martins de Barros - R$ 2.701,46 (UOL não encontrou autodeclaração)

Luta contínua

O advogado Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG Conectas, foi uma das pessoas negras que participaram voluntariamente e sem remuneração da transição como técnico na área de Justiça e Segurança Pública. Para ele, "o país ainda não virou a página, como deveria, dos seus quatro séculos de escravidão, nem tampouco de todos os seus períodos autoritários":

"É fundamental, como primeira medida, que haja defesa das vidas negras. Isso deve ser acompanhado de medidas econômicas e de representatividade, que possam garantir que a nossa democracia seja, de fato, uma democracia material e não simplesmente formal. Não há outro caminho para nós ao longo de toda a nossa história que não seja a luta", afirmou Sampaio.

Tamires Sampaio, que também é negra e participou da transição sem remuneração, atualmente é coordenadora do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), ligado ao Ministério da Justiça. Ela acrescenta: "A gente precisa construir um Brasil em que a democracia seja, de fato, antirracista e que a gente, de fato, tenha possibilidade de viver e não só sobreviver."