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Petista e negro, Renato Freitas ascende em meio a polêmicas e critica Lula

Renato Freitas, deputado estadual eleito no Paraná - Theo Marques / Colaboração para o UOL
Renato Freitas, deputado estadual eleito no Paraná Imagem: Theo Marques / Colaboração para o UOL

Vinicius Konchinski

Colaboração para UOL, em Curitiba

29/01/2023 04h00Atualizada em 30/01/2023 09h36

Renato Freitas (PT), 39, foi uma criança calada. Ele conta que, ainda pequeno, costumava ficar em silêncio mesmo quando era provocado ou virava alvo de piadas racistas nas escolas da região metropolitana de Curitiba em que estudou.

Preto, franzino e com a língua presa, Renato preferia não responder aos insultos que diz ouvir desde que se entende por gente. Sentado ao fundo das salas de aula que frequentou, desejou por anos ser simplesmente invisível. Hoje, porém, isso é praticamente impossível.

Freitas é notado por onde passa. Seja por ser um político em ascensão ou apenas porque ostenta uma cabeleira black power em plena capital do Paraná, estado em que cerca de 70% da sua população se declara branca.

Vez ou outra, aliás, a simples presença de Freitas vira um evento político e resistência. Em 23 de novembro, por exemplo, ele foi à Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) protestar contra a privatização do controle da Copel (Companhia Paranaense de Energia).

Lá, diz ter sido monitorado por policiais militares à paisana. Um deles teria sussurrado "fica de olho nele", quando Freitas passou.

Freitas é deputado estadual eleito e toma posse na próxima quarta-feira (1º) —recebeu 57.880 votos em 2022. Foi o 19º mais votado entre os 54 eleitos. Visitava seu futuro local de trabalho pela segunda vez na vida. Diz ter sido tratado como alguém suspeito.

Protestou em suas redes sociais.

A PM-PR (Polícia Militar do Paraná) informou que não recebeu nenhuma denúncia com relação à conduta dos policiais militares presentes na Alep. Procurada, a Alep não quis se pronunciar sobre o assunto.

Ele fez campanha em meio a um processo político e judicial para cassação de seu mandato de vereador, obtido na eleição de 2020.

Na Câmara de Curitiba, Freitas foi cassado por 23 votos a 7 e ainda perdeu seus direitos políticos. Uma decisão liminar do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luis Roberto Barroso, suspendeu a cassação e devolveu a Freitas o direito de ser candidato.

Ele diz que sua cassação tem relação com o racismo estrutural no Brasil, o que foi aceito pelo ministro Barroso. Alega também ser perseguido por colegas por seus posicionamentos e sua oposição ao prefeito Rafael Greca (PSD).

Ele foi alvo de dois processos Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Curitiba em menos de dois anos como vereador:

  • Numa sessão online, escreveu no chat: "Essa bancada conservadora dos pastores trambiqueiros não estão nem aí para vida, só pensam no seu curral eleitoral bolsonarista". O comentário revoltou vereadores evangélicos. O petista argumentou que usou o termo "trambiqueiros" para se referir a quem indicava cloroquina e ivermectina para tratamento precoce de covid. O processo acabou arquivado.
  • Vereadores acusaram Freitas de profanar uma igreja católica ao interromper uma missa para protestar contra a morte de um negro congolês que foi espancado num quiosque no Rio. Ele disse que só entrou na igreja após a missa. Recebeu apoio da Arquidiocese de Curitiba durante o processo. Mesmo assim, em junho de 2022, a Câmara o cassou. Em julho, o TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná) anulou a sessão. Em agosto, vereadores novamente votaram pela perda do mandato. O STF suspendeu a cassação.

Quando o processo começou, eu já sabia qual seria o desfecho na Câmara. O objetivo sempre foi me cassar."
Renato Freitas, deputado estadual eleito no Paraná

A Câmara de Curitiba declarou que o processo contra Freitas seguiu o devido seu trâmite legal, garantindo ao vereador seu direito de defesa. Segundo a Casa, a liminar do STF que manteve o mandato de Freitas "destoa da jurisprudência nacional, inclusive do próprio STF".

Pai foi preso no Paraná

Freitas nasceu em Sorocaba (SP), mas mudou-se para Curitiba ainda pequeno. Sua mãe, uma migrante nordestina, veio ao Paraná para estar mais perto do pai de Freitas, que na época estava preso em presídios do estado.

Ele passou boa parte da infância pelas ruas de um bairro vizinho ao maior complexo penitenciário paranaense, o de Piraquara. Enquanto sua mãe se virava como faxineira para sustentar a família, ele brincava solto por uma região carente e violenta.

Renato Freitas, deputado eleito no Paraná - Theo Marques / Colaboração para o UOL - Theo Marques / Colaboração para o UOL
Antes de chegar à adolescência, Freitas começou a "furar" a catraca de ônibus para passar seus dias pelo centro de Curitiba cometendo pequenos delitos
Imagem: Theo Marques / Colaboração para o UOL

Hoje, Freitas transita pelo centro de Curitiba com desenvoltura. Recebe sorrisos de simpatizantes. Cumprimenta com aperto de mão moradores de rua que lhe reconhecem.

Aqui, eu conheço tudo. Comi o primeiro x-salada da minha vida naquela rua ali, ó. Pedia, comia e saia correndo para não pagar e não ser pego."

Freitas conta que, ainda antes dos 18 anos, percebeu que precisava estudar por um futuro melhor. Na época, ele trabalhava como empacotador de mercado. Pediu demissão. Usou o dinheiro da rescisão para pagar um cursinho e passou no vestibular para Ciências Sociais na UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Ali [na universidade] eu tomei contato com tudo: socialismo, comunismo. Aprendi a concatenar palavras num discurso. Resolvi entrar na política."

Acabou desistindo do curso porque não conseguia conciliá-lo com o trabalho. Anos depois, voltou à UFPR, desta vez para estudar Direito. Formou-se, fez mestrado, foi trabalhar na Defensoria Pública do Estado do Paraná.

Em 2016, disputou sua primeira eleição ainda como filiado ao PSOL. Tentou uma vaga de vereador, mas não se elegeu. Em 2018, já no PT, foi candidato a deputado estadual. Perdeu.

Durante essas campanhas, envolveu-se em discussões com guardas municipais, policiais, bolsonaristas paranaenses. Ganhou projeção. Em 2020, foi eleito pregando contra a violência policial. Tornou-se um político pela cultura periférica, do rap e da população de rua.

Seu gabinete virou uma espécie de quilombo, um centro de resistência negra, na Câmara de Curitiba. Lá, entram e saem pretos e pardos —incluindo o próprio Freitas— vestindo calças largas, tênis, blusas de moletom, os quais transitam em meio a homens brancos de terno que trabalham na Casa.

"Eu mesmo só uso gravata quando é obrigatório pelo regimento. No mais, não estou nem aí", afirmou Freitas, em tom de contestação.

Vereadores evitam falar de Freitas. Para muitos, criticá-lo tende a ser visto como um ato de racismo pela opinião pública. A cúpula da Câmara rechaça que Freitas tenha sido alvo de racismo em seu processo de cassação.

Admite que um vereador ou outro pode até se incomodar com Freitas, seu jeito de vestir, seu comportamento. Isso, porém, seria insuficiente para tirar dele seu mandato parlamentar e direitos políticos.

"A cassação de Freitas é fruto do ambiente político extremamente polarizado. Não de racismo", disse uma fonte da Casa.

Num ambiente normal, ele nunca seria cassado. Mas seu caso virou uma briga entre petistas e bolsonaristas com repercussão nacional."

Na Câmara, é consenso que Freitas foi o maior beneficiado com a história. Conseguiu na Justiça manter seu direito de se candidatar a deputado estadual. A atenção que recebeu da imprensa durante o processo lhe garantiram os votos para sua eleição.

"É impressionante como Freitas consegue converter tudo isso a seu favor. Ele é um político muito sagaz neste sentido", disse outra fonte, que também elogiou a inteligência e sobriedade de Freitas em debates no parlamento curitibano.

A crítica a Lula

O PT, partido de Freitas, também vê capacidade e potencial em Freitas.

"Ninguém questiona a importância de um parlamentar eleito com mais de 50 mil votos. Além da votação que garantiu sua eleição, também ajudou a elegermos uma bancada de sete parlamentares petistas que têm compromisso com as causas sociais [na Alep]", disse o presidente estadual do partido, deputado estadual Arilson Chiorato.

Freitas não esconde certa frustração com o PT. Disse que nunca conversou com a presidente nacional da sigla, deputada federal Gleisi Hoffmann, que é do Paraná.

Também nunca conversou com o presidente Lula, que criticou seu protesto na igreja central de Curitiba.

Lula falou do que não sabia para buscar voto em Curitiba."

O deputado estadual eleito revela acreditar que hoje é um "problema para o PT", "algo fora do controle".

Diz não concordar com a postura conciliadora que o partido mantém sob liderança de Lula.

"É preciso arriscar mais. A gente perdeu justamente por não arriscar", diz ele, lembrando das cessões políticas da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) antes do impeachment.

"Quem acompanha a nossa trajetória política, sabe o quanto temos companheiros e companheiras de coragem e ousadia", respondeu Chiorato.

Por essas e outras, Freitas evita fazer planos para seu futuro no partido e até mesmo na política. Diz estar tentando um caminho diferente na política. Não sabe direito onde esse caminho vai dar. E diz não ter medo de perder-se por ele.

Não nasci vereador ou deputado. Não vou morrer vereador ou deputado. Vou fazer de outra forma para tentar um resultado diferente. Do jeito que fizeram até hoje, não deu certo. Nós, os pretos, pobres, da periferia, estamos sempre perdendo."