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Lava Jato: Juiz Eduardo Appio é afastado cautelarmente pelo TRF-4

Do UOL, em São Paulo

22/05/2023 22h12Atualizada em 23/05/2023 09h40

O juiz Eduardo Appio, à frente da Operação Lava Jato, foi afastado cautelarmente hoje da 13ª Vara de Curitiba pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

O que aconteceu:

A decisão informa que Appio terá que ser afastado e deve ter eletrônicos utilizados no trabalho, incluindo notebook, desktop e celular funcional, apreendidos e encaminhados para perícia. Ele é alvo de procedimento que investiga telefonema suspeito que serviria para intimidar um desembargador envolvido no julgamento de outro processo disciplinar contra Appio.

Eduardo Appio terá um prazo de 15 dias para apresentar "defesa prévia", contados partir "da ciência desta decisão", diz a Certidão de Julgamento, divulgada pelo tribunal, à qual o UOL teve acesso.

A decisão dispensa ainda a necessidade de "ouvir o Ministério Público Federal, neste momento do procedimento". O juiz também ficará sem acesso ao prédio e ao sistema da Justiça Federal até nova decisão.

Appio foi denunciado à Corregedoria Regional por suposta ameaça ao desembargador federal Marcelo Malucelli. Ele teria consultado, em um processo, por duas vezes, o número de João Eduardo Barreto Malucelli, filho de Marcelo, no dia 13 de abril deste ano pouco antes de João receber uma ligação telefônica, considerada suspeita, solicitando informações sobre seu pai, o que foi considerado como possível tentativa de intimidação ou ameaça. João Malucelli é sócio do escritório de advocacia de Moro, que já esteve à frente da Operação Lava Jato, e da esposa do senador, a deputada federal Rosângela Moro.

A decisão expõe que Marcelo Malucelli estava entre os desembargadores responsáveis por julgar outro procedimento contra Eduardo Appio, que havia determinado "correições parciais" quanto ao juiz no dia anterior à ligação, em 12 de abril. Uma perícia feita em gravação do telefonema apontou muita semelhança entre a voz do interlocutor da ligação telefônica suspeita e a do juiz federal Eduardo Fernando Appio", num nível 3 de um total de 4 (em que há semelhança extrema). Por esse motivo, os fatos também foram comunicados à Polícia Federal com a solicitação de perícia para atestar a autoria da ligação.

O UOL entrou em contato com Appio, que disse não ter ainda conhecimento da decisão e que, por isso, não vai comentar

O que pesa contra Appio

São quatro as possíveis transgressões disciplinares apontadas no relatório do julgamento do TRF-4 contra Eduardo Appio, que serão investigadas:

  • Ter usado de privilégio do cargo para consultar dados do sistema de uso restrito para intimidar, constranger ou ameaçar desembargador federal;
  • Ter efetuado ligação a partir de telefone sem identificador de chamada;
  • Ter supostamente se passado por um falso servidor da área de saúde do TRF;
  • Ter ligado para filho de desembargador que atuou como relator em procedimento contra o juiz.

Ex-envolvidos com a Lava Jato reagiram:

O que foi dito em telefonema suspeito?

Segundo o exposto durante o julgamento que afastou Eduardo Appio, a voz 1, transcrita abaixo tem semelhança de +3, numa escala que vai até +4, com o juiz da Lava Jato. Além disso, o relatório indica ainda que o nome "Fernando Gonçalves Pinheiro" não consta entre servidores do TRF-4.

Voz 1: Fernando Gonçalves Pinheiro, o senhor pode pode ligar novamente pra cá, não não há problema nenhum, eu só preciso eh... que o senhor passe eh... o telefone ou passe o contato pro pro doutor Marcelo Malucelli em relação aos extratos aqui do imposto de renda referente aos filhos, é uma coisa do passado, é um resíduo do passado, que ele tem um crédito que pode abater no imposto de renda, pode computar em favor.
Voz 2: 'Hum' entendi, mas olha me, me desculp...
Voz 1: (Incompreensível)
Voz 2: Me desculpe, o senhor tá ligando sem ID do chamador, eu 'num' 'num' não faço ideia quem seja.
Voz 1: 'Ah' mas o s... o senhor, tudo bem. Mas consta o senhor aqui como sendo um dos filhos e consta aqui o seu número. Então nós estamos ligando pra isso.
Voz 2: 'Hum' mas assim, eu não eh... essa história tá bem estranha, viu? Me desculpe, com todo respeito, mas eh... se o Marcelo...
Voz 1: Como é que eu teria o seu telefone aqui eh... é uma questão só de imposto de renda. Ah se o senhor quiser eu ligo diretamente pro seu pai, não tem problema ligo (incompreensível)...
Voz 2: (Incompreensível)
Voz 1: Não há problema nenhum.
Voz 2: Então, então acho melhor o senhor fazer isso, né?
Voz 1: Então eu faço isso, ligo diretamente pro seu pai e faço isso, eu só não queria incomodar, que aqui consta o seu número, seu nome, seu CPF e a questão de resíduos do passado de despesas médicas, a ideia era não incomodar. Mas se o senhor prefere assim, liga... nós 'tamo' só utilizando aqui um sistema aqui via Skype pra economizar valores da Justiça Federal. Não não há não há... se não aparece é só por isso. Mas eu ligo pra ele diretamente, não há problema nenhum.
Voz 2: É, sim, é que o senhor ligou e falou...
Voz 1: (Incompreensível)
Voz 2: O senhor ligou e falou, eu gostaria de falar com o Marcelo Malucelli, agora o senhor tá falando que aparece aí que eu sou filho. Então assim, fica fica meio ambíguo, né? Até ah...
Voz 1: É ah... o contato que eu tenho do do do doutor Marcelo Malucelli deve ser um contato antigo, aparece o seu telefone,
então por isso que eu li... nós estamos ligando...

Voz 2: Não, esse número nunca foi do Marcelo Malucelli, senhor, me me perdoa. E também, assim, eh... eu eu faz muito tempo já
que eu não também não não tenho qualquer tipo de cooperação de convênio junto a justiça federal por conta eh... de dependência
de servidor. Eu já sou maior de idade faz tempo e 'num' não tenho convênio algum.
Voz 1: Não, sim, sim, mas aqui... sim, sim, isso aqui é uma data antiga, eh... o senhor tem vinte e oito anos de idade, isso aqui deve ter feito de coisa de mais de dez anos atrás, com certeza, dez, quinze anos atrás. Pelo menos aqui as datas que se refere aqui, dois mil um, dois mil e dois, isso é coisa antiga.
Voz 2: Ah, então tá bom. Então o senhor entra em contato com ele, beleza?
Voz 1: Mas se o senhor prefere eu ligo pro seu pai diretamente, eu só não gostaria de incomodá-lo, só isso.
Voz 2: Tá bom, claro. Pode ligar então. Faça o que o que for melhor.
Voz 1: Então eu ligarei, digo que eu falei com o senhor, digo que falei com o senhor e que o senhor me autorizou a ligar pra ele, incomodá-lo no próprio tribunal.
Voz 2: Ah, pode pode falar. Incomodá-lo! Qual é o nome do senhor mesmo? Fernando Pinheiro Gonçalves, né?
Voz 1:Isso.
Voz 2: Ah, tá.
Voz 1: Pode, pode chamar aqui no setor de saúde que nós estamos aqui.
Voz 2: Setor de saúde.
Voz 1: (Incompreensível)
Voz 2: Setor de saúde, Fernando Pinheiro Gonçalves. Tem certeza que esse é o nome do senhor?
Voz 1: Tenho certeza absoluta.
Voz 2: Então tá bom.
Voz 1: E o senhor tem certeza que não tem aprontado nada?
Voz 2: Ah agora tá, tá certinho. Aprontado?
Voz 3: Meu Deus! Li...

(Termo de transcrição SEI 6595089 do processo SEI 0003142-16.2023.4.04.8000; doc. 6642989)

Polêmica com senha

Na segunda-feira, Appio confirmou em entrevista à GloboNews que usava a senha "LUL2022" para acessar o sistema da Justiça Federal, mas negou ser petista. "A questão de alguns anos atrás, quando o presidente Lula ainda estava preso, a minha sigla de acesso ao sistema da Justiça Federal era LUL2022. Eu trabalhava com matéria previdenciária e foi um processo isolado, individual meu contra uma prisão que eu reputava ilegal", disse o juiz.

Appio já havia concedido concedeu entrevista ao UOL News, em 28 de fevereiro, e dito que o assunto seria um factoide, e que não se manifestaria sobre essa senha. "Não posso me manifestar sobre questões de login, ainda que tenham sido feitos num passado distante quando eu ainda não atuava", disse. "Quem cria esses factoides está mais interessado em discutir o sofá do que o adultério", afirmou.