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Uerj pagou R$ 433 mil a família de cabo eleitoral de ex-reitor petista

Do UOL, no Rio

02/06/2023 04h00

A Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) contratou a sogra e a esposa do coordenador da campanha do ex-reitor Ricardo Lodi. Ele se candidatou a deputado federal pelo PT no ano passado. Ao todo, a família recebeu R$ 433 mil em projeto de pesquisa com folhas de pagamento secretas às vésperas e durante o período da disputa eleitoral. Repositora de supermercado, a sogra de Samuel Marques dos Santos ganhou até R$ 37 mil brutos por mês.

O que aconteceu

Márcia Lúcia Ramos, 54, embolsou R$ 192 mil brutos entre maio e dezembro do ano passado. As remunerações foram de R$ 20 mil a R$ 37 mil por mês. O genro dela coordenou à época a campanha do ex-reitor da Uerj a deputado federal pelo PT.

O UOL apurou que ela é repositora de mercadorias de um supermercado em Volta Redonda, no sul fluminense. O salário para essa função costuma ser de até R$ 2.000.

A psicóloga Gláucia Ramos Marques, esposa de Santos, ganhou da Uerj R$ 146 mil ao longo de nove meses. A contratação de mãe e filha se deu logo após o desligamento de Santos da Uerj —entre novembro de 2021 e abril de 2022, ele recebeu R$ 95 mil da universidade de projeto com folha secreta.

A Uerj pagou ao todo R$ 433 mil brutos para a família em pouco mais de um ano.

Os três receberam pelo projeto de inovação educacional ECO (Escola Criativa e de Oportunidades), o qual o UOL já mostrou que foi utilizado para abrigar cabos eleitorais da cúpula do PL e um assessor do vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos).

A Uerj defende a contratação da família alegando que valoriza o que chama de "experiência empírica" —conhecimento adquirido por meio de observação ou prática. Sobre o apoio político de contratados, a Uerj diz que se trata de direito individual garantido pela Constituição (leia a íntegra da nota).

Já Samuel Santos diz que há provas do trabalho dele e das parentes nos projetos da Uerj. Tanto ele quanto Lodi negam influência do ex-reitor nas indicações.

Quem é Ricardo Lodi. Foi reitor da Uerj de janeiro de 2020 a março de 2022, quando se afastou para se dedicar à candidatura. Ele não foi eleito deputado federal, mas ficou como suplente. Lodi atuou como advogado da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no processo de impeachment. Os projetos da Uerj com folhas secretas cresceram sob a gestão de Lodi.

Doadores de campanha nas folhas secretas. O ex-reitor recebeu R$ 10,5 mil em doações de pessoas contratadas nas folhas secretas da Uerj. Esses dez doadores ganharam ao todo mais de R$ 1,7 milhão da universidade.

A repositora Márcia Lúcia Ramos (esq.) e a psicóloga Gláucia Ramos Marques, sogra e esposa do coordenador de campanha do ex-reitor da Uerj Ricardo Lodi - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A repositora Márcia Lúcia Ramos (esq.) e a psicóloga Gláucia Ramos Marques, sogra e esposa do coordenador de campanha do ex-reitor da Uerj Ricardo Lodi
Imagem: Arquivo Pessoal

Repositora em mercearia

No dia 23 de maio, o UOL foi a Volta Redonda para tentar contato com Márcia Lúcia Ramos. Funcionários do supermercado onde ela trabalha informaram que a colega, que tem a função de repositora no setor de mercearia, está afastada por problemas de saúde.

O UOL também foi à casa de Márcia, na mesma cidade.

Após três horas esperando que ela aparecesse, um rapaz em uma moto parou ao lado do carro da reportagem e fez ameaças exigindo que a equipe deixasse o local.

Por e-mail, o genro de Márcia definiu as funções dele, da esposa e da sogra:

"Fui subcoordenador do projeto para relações interinstitucionais. Minha companheira trabalhou como subcoordenadora de atenção psicossocial, e a senhora Márcia, como assessora na coordenação do projeto para assuntos comunitários."

Santos disse que o trabalho foi comprovado em relatórios enviados à universidade e que as seleções foram feitas por "análise de currículo e entrevista", sem a interferência do ex-reitor porque "não cabia ao senhor Ricardo Lodi a seleção dos integrantes dos projetos".

Ele também negou que a ameaça feita à equipe do UOL tenha partido dele.

27.ago.2016 - Ricardo Lodi em sessão do Senado presidida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski sobre o impeachment de Dilma Rousseff - Alan Marques/Folhapress - Alan Marques/Folhapress
27.ago.2016 - Ricardo Lodi em sessão do Senado presidida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski sobre o impeachment de Dilma Rousseff (PT)
Imagem: Alan Marques/Folhapress

Advogado de Dilma

A candidatura a deputado federal pelo PT foi a estreia de Ricardo Lodi na política. Ele conseguiu 31.490 votos, ficando como segundo suplente da coligação entre PV, PT e PCdoB. A depender das articulações para as eleições de prefeitos no ano que vem, ele tem chance de assumir uma vaga na Câmara dos Deputados.

Um dos principais motes da campanha foi o fato de ele ter atuado como advogado de Dilma no processo de impeachment.

Lodi —que é especializado em direito financeiro e tributário e chegou a trabalhar no escritório do ministro do STF Luís Roberto Barroso— também representou Dilma em uma ação popular extinta no ano passado que pedia ressarcimento de danos aos cofres públicos pelas "pedaladas fiscais".

Dilma chegou inclusive a fazer um vídeo para Lodi, pregando o voto no "duplo L", referência também a Lula presidente.

Injeção de dinheiro na Uerj sob Lodi

Ricardo Lodi assumiu a reitoria da universidade em janeiro de 2020 após vencer a eleição interna com o lema "Orgulho de ser Uerj". Ele já havia sido diretor da Faculdade de Direito.

Atualmente, Lodi é assessor especial da reitoria.

Durante a gestão dele, a Uerj viu disparar os repasses vindos de órgãos do governo Cláudio Castro (PL) para a realização de projetos de pesquisa.

Entre 2018 e 2022, o orçamento descentralizado pelo governo do RJ para a universidade aumentou mais de 17 vezes, conforme dados da Diretoria de Planejamento e Orçamento da Uerj. Os recursos alcançaram o maior patamar em ano eleitoral.

Em 2021, Lodi esteve à frente das tratativas para a transferência de recursos da Secretaria Estadual de Educação para o projeto ECO, que foi usado para a contratação do seu coordenador de campanha e de familiares dele. O dinheiro veio, em sua maior parte, do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).

Venho repudiar qualquer tentativa de vinculação das nomeações ocorridas em projetos da Uerj à minha atuação junto à Reitoria da Universidade ou à minha campanha para o cargo de deputado federal. É importante esclarecer que nunca participei de nenhuma fase do processo de seleção para projetos de extensão na Uerj, seja indicando, avaliando currículos ou entrevistando quem quer que seja, pois essas não são atribuições da Reitoria.
Ricardo Lodi, ex-reitor da Uerj

Peça-chave na campanha

Samuel Santos —que se apresenta nas redes sociais como professor de história e geografia— foi o principal articulador da campanha de Lodi. Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ele recebeu R$ 6.400 para atuar na campanha.

Samuel Marques dos Santos, coordenador da campanha eleitoral de Ricardo Lodi - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Samuel Marques dos Santos, coordenador da campanha eleitoral de Ricardo Lodi
Imagem: Arquivo Pessoal

Durante a campanha, Santos tinha cargo no gabinete do deputado estadual do RJ Eurico Júnior (PV), que teve o mandato cassado após condenação por improbidade administrativa e a candidatura à reeleição indeferida com base na Lei da Ficha Limpa.

Desde o início do ano, Santos está no gabinete do deputado estadual Andrezinho Ceciliano, filho de André Ceciliano, ex-presidente da Alerj, com salário de R$ 2.000.

Os dois políticos fizeram parceria com Ricardo Lodi na captação de votos.

Após a eleição de Lula, Santos publicou no Instagram um agradecimento ao ex-reitor.

Obrigado meu amigo. Pelo seu carinho, pelo seu cuidado, por nos dar a honra de compartilharmos os mesmos sonhos, e de nos privilegiar com um convite irrecusável, de fazer parte de um grupo político aguerrido, corajoso e determinado.
Samuel Santos, coordenador de campanha de Ricardo Lodi

Mais cabos eleitorais

O cabo eleitoral Gerson de Castro Fernandes Estevão, o Professor Gerson, e o ex-reitor da Uerj Ricardo Lodi - Reprodução/Rede Social - Reprodução/Rede Social
O cabo eleitoral Gerson de Castro Fernandes Estevão, o Professor Gerson, e o ex-reitor da Uerj Ricardo Lodi
Imagem: Reprodução/Rede Social

O caso de Santos não é isolado. Mesmo sem aparecer oficialmente nas contas da candidatura, Gerson de Castro Fernandes Estevão, conhecido como Professor Gerson, foi um dos principais captadores de votos para Ricardo Lodi na Baixada Fluminense.

Nas folhas de pagamento do projeto ECO, ele aparece com R$ 62 mil recebidos entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022.

Em suas redes sociais, Gerson, que é suplente de vereador pelo PT em Magé, divulgou diversos atos de campanha com Lodi. Após a eleição de Lula, ele publicou um vídeo com o ex-reitor agradecendo pela parceria política.

Da minha parte, fica a gratidão em poder fazer parte de um grupo político liderado por Lodi e Samuel Marques.
Professor Gerson, cabo eleitoral de Ricardo Lodi

Gerson ainda teve o irmão Gefferson de Castro Fernandes Estevão contratado no projeto. Ele recebeu ao menos R$ 31,5 mil entre dezembro de 2021 e agosto de 2022.

Por mensagem de WhatsApp, ele negou interferência do ex-reitor na sua contratação e afirmou que foi responsável por atividades de educação em uma unidade do projeto em Magé, em horário diferente do que trabalhava na prefeitura da cidade.

"Sobre minha participação na campanha do Professor Lodi, ela se deu por afinidade ideológica", completou.

Os integrantes da universidade, sejam eles técnicos, professores, alunos ou colaboradores, têm total liberdade de expressar suas preferências políticas, sem ter sua cidadania reduzida, desde que sua atuação institucional não seja comprometida.
Uerj, em nota ao UOL

'Construção de projeto político'

Outro exemplo de apoiador do ex-reitor nas folhas do ECO é o advogado Philippe da Silva Souto, 32, que foi diretor do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da Uerj entre 2014 e 2015.

Militante petista, ele foi nomeado por Ricardo Lodi como assessor da reitoria em outubro de 2021, cargo que ocupa até hoje, com salário de R$ 3.100. Em agosto daquele ano, Souto também havia sido contratado como bolsista do projeto ECO, com remuneração média mensal de R$ 12 mil.

Até dezembro de 2022, ganhou R$ 228 mil no programa.

Tenho muito orgulho de ter participado da construção desse projeto político. Muito feliz e grato por ter te conhecido e aprendido tanto contigo. Muito feliz por tudo que construímos e conquistamos juntos. Apenas começamos!
Philippe da Silva Souto, em postagem de Santos sobre a campanha de Lodi

Em nota, a Uerj afirmou que Souto ingressou no projeto em agosto de 2021, quando não era assessor da Reitoria.

"Trata-se de ex-aluno, selecionado por meio de análise de currículo e entrevista, que identificaram as devidas qualificações para o cumprimento do cargo, como advogado com cinco anos de exercício, além de pós-graduação lato sensu e mestrado em andamento em direito pela Uerj, tendo inclusive matrícula ativa na instituição."

Doadores de campanha x Folhas secretas

Pessoas contratadas nas folhas secretas da Uerj doaram para a campanha de Lodi um total de R$ 10,5 mil —seja por meio de contribuições diretas ou por financiamento coletivo.

Juntos, esses dez doadores —oito deles servidores— receberam mais de R$ 1,7 milhão dos projetos suspeitos da Uerj.

O maior doador individual nesse grupo de dez pessoas foi Gustavo Silveira Siqueira, colega de Lodi na Faculdade de Direito da Uerj. Ele é coordenador de dois dos projetos das folhas secretas, com recursos da Secretaria Estadual de Cultura.

Siqueira, que repassou R$ 5.000 à campanha, negou que sua doação a Lodi tenha relação com sua contratação como coordenador em projetos.

"Doei pois exerci um direito, e não foi a primeira vez que doei para uma campanha. Também doei para outro candidato de outro partido nas eleições de 2018. Doei por acreditar nos valores e ideias que eram defendidos pelo candidato, como fiz outras vezes e farei novamente. A doação foi voluntária e legal. Não há qualquer relação entre a doação e a nomeação. Ademais, diversos docentes da Uerj doaram para a campanha."

Já o doador que mais recebeu dos projetos foi Ronaldo Silva Melo. Servidor da Secretaria Estadual de Educação, ele ganhou remunerações de quatro projetos.

Melo é professor convidado do IFHT (Instituto Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologia), coordenado por Eloíza da Silva Gomes de Oliveira, que responde por projeto com indícios de fantasmas e rachadinha.

Ele se recusou a responder às perguntas enviadas pelo UOL.