Lula desconversa sobre chacinas e engatinha em combate à violência policial
O presidente Lula (PT) e a maioria dos ministros têm evitado falar sobre as chacinas ocorridas em três estados nas últimas duas semanas. Embora tenha citado ontem o assassinato de um adolescente durante uma operação da PM no Rio, o governo ainda não tem planos concretos para o combate à violência policial.
O que aconteceu
Ações da Polícia Militar deixaram pelo menos 45 mortos em intervenções na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo entre o fim de julho e o começo de agosto. Os governos estaduais dizem que as tropas foram atacadas, enquanto moradores relatam o uso desproporcional da violência.
Lula tratou de violência policial pela primeira vez ontem, no Rio. Na presença do governador Cláudio Castro (PL), ele disse que a polícia tem de saber "diferenciar pobre de bandido", mas também isentou os governos estaduais de culpa, falando que o governo federal "tem de assumir responsabilidade junto".
A chacina com mais mortes foi cometida pela PM da Bahia, governada pelo aliado Jerônimo Rodrigues (PT). Oito anos antes, o estado estava sob o comando do atual ministro da Casa Civil, o também petista Rui Costa.
Mas os casos não têm relação partidária. Em São Paulo, sob Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro bolsonarista, as mortes por policiais também pararam de cair.
Cobrado por apoiadores, Lula teve uma atitude diferente do que fazia em campanha e demorou quase duas semanas para abordar o assunto, abordando apenas um caso. Entre os ministros, Anielle Franco (Igualdade Racial) e Silvio Almeida (Direitos Humanos) se pronunciaram publicamente, mas Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) também desconversou.
Diretriz do plano de governo no ano passado, o combate à violência policial, que incide majoritariamente sobre negros e pobres, ainda não tem planos concretos na gestão Lula. Os ministérios da Igualdade Racial, Direitos Humanos e Justiça citam planos que continuam embrionários e em discussão.
Sem focar no assunto
Lula não falou sobre as chacinas uma única vez e tratou rapidamente do assassinato do adolescente Thiago, 13, pela polícia do Rio no último domingo (6). Sem apontar culpados fora o PM que atirou, ele falou em divisão de responsabilidades.
Para que nunca aconteça o que aconteceu com um menino de 16 anos que foi assassinado por um policial despreparado ou irresponsável, nós precisamos criar condições. O presidente da República quer ter responsabilidade junto com você, governador. A polícia tem de saber diferenciar o que é bandido e o que é o povo pobre que anda na rua. Para isso, ela precisa estar bem informada. Não estou jogando a culpa em nenhum governador. O governo federal tem de assumir a responsabilidade em ajudar os governadores no combate à violência, porque o crime organizado está tomando conta do país.
Lula, em evento no Rio ontem
Como candidato, no ano passado, criticava ferrenhamente as mortes de pessoas negras. Em maio, ele e seu vice na chapa, Geraldo Alckmin, fizeram um protesto por Genivaldo de Jesus Santos, morto por agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal), então regida por Jair Bolsonaro (PL). Em um encontro de candidaturas negras, disse ainda que "o racismo é uma doença que tomou conta do fascismo que governa o Brasil".
Os ministros também não têm aprofundado o assunto. Anielle foi a público no dia seguinte à morte de Thiago, chamando as ações policiais de "chacinas" e de "genocídio do povo negro". Almeida só se expressou só na tarde de anteontem, após pedido do UOL, e chamou a ação de "covarde e brutal"
As recentes chacinas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia evidenciam, mais uma vez, que o genocídio do povo negro existe e precisa ser combatido com prioridade, enquanto política pública do Governo Federal. E esse é o papel do MIR em conjunto com outros ministérios. +
-- Anielle Franco (@aniellefranco) August 7, 2023
Planos embrionários
O governo ainda não apresentou um plano concreto de combate à violência policial. Em sua postagem, Anielle disse ter procurado os respectivos Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, além de ter cobrado o governo carioca sobre a morte do adolescente.
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Quero receberAtuamos objetivamente nos casos da Baixada Santista, da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e também em Salvador, Itatim e Camaçari, na Bahia. Uma equipe da Ouvidoria do Ministério esteve em São Paulo para realizar uma escuta ativa de familiares e vítimas de violência e, a partir disso, iniciar uma estratégia de ações para mitigar e reparar os danos causados e prevenir violações decorrentes de operações policiais.
Ministério da Igualdade Racial, em nota, em resposta ao UOL
Em março, a pasta apresentou o Plano Juventude Negra Viva, por meio de encontros com movimentos sociais em todas as capitais do país. "Este grupo está atuando para elaborar diagnóstico sobre a situação atual da violência letal e das vulnerabilidades sociais que afetam a população negra entre 15 e 29 anos", informou a pasta ao UOL.
Em nota enviada ao UOL e reproduzida por Almeida, o MDHC propôs a criação do Programa Nacional para o Combate à Letalidade Policial, ainda em fase de discussão. O texto chama o modus de ação policial de "calamitosa e inaceitável".
Já Dino tem apontado as responsabilidades dos estados, que comandam a PM. Questionado sobre os casos na última sexta (6), ele argumentou que as polícias "não estão sob a hierarquia do governo federal".
O que nós [governo] fazemos é enfatizar a importância de termos uma nova formação policial. Nós teremos uma nova matriz curricular nacional em relação a essa formação e [faremos] parcerias com os estados visando diminuir duas anomalias: policiais sendo assassinados e as ocorrências graves de lesões a direitos da sociedade.
Flávio Dino, ministro da Justiça, na sexta (6)
Promessa do governo Lula
Em seu plano de governo, Lula prometeu "amplo conjunto de políticas públicas" para combater, entre outros problemas, "a política atual de genocídio e perseguição à juventude negra, com superencarceramento, e que combatam a violência policial".
É imprescindível a implementação de um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural, indissociáveis do enfrentamento da pobreza, da fome e das desigualdades, que garantam ações afirmativas para a população negra e o seu desenvolvimento integral nas mais diversas áreas. Construiremos políticas que combatam e revertam a política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra.
Proposta de governo apresentada em 2022 pela chapa de Lula e Alckmin
Bahia tem a polícia mais letal
Governado pelo PT, com apoio de Lula, desde 2007, a Bahia tem a polícia mais letal do país. A gestão de Rui Costa ficou marcada pela explosão de mortes praticadas por policiais na Bahia.
Chefe do Executivo baiano entre 2015 e 2022, ele viu as mortes por membros das forças de segurança saltarem 313% e baterem recorde no ano passado, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Nas chacinas das últimas semanas, também foi a polícia que matou mais: 19 mortos.
São Paulo, onde 16 morreram, também vê uma guinada na violência policial. Sob Tarcísio, a PM interrompeu quedas consecutivas nas mortes por policiais desde 2010. A queda de 2021 para 2022 chegou a 41%, indo de 343 para 202 ocorrências. No primeiro semestre de 2023, entretanto, o número subiu e foram contabilizadas 221 mortes por policiais.
O próprio vice-presidente tem vasta experiência quando o assunto é letalidade policial. É da gestão Alckmin no governo de São Paulo a maior taxa de letalidade já registrada: 939 pessoas mortas pelas polícias Civil e Militar em 2017. Os dados começaram a ser contabilizados em 1996.
Somente na gestão de Alckmin, entre 2011 e 2017, a letalidade policial explodiu em 96%. Em 2012, após PMs mataram nove pessoas em uma operação em Várzea Paulista, no interior de São Paulo, ele disse que "quem não reagiu está vivo".
O UOL procurou o Palácio do Planalto e todos os ministérios citados sobre os casos, mas só houve resposta da Igualdade Racial e do MDHC, já relatadas acima.
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