Prefeitura de SP ignora comissão e bairros recebem placas instagramáveis

Pelo menos 25 placas instagramáveis foram instaladas em bairros de São Paulo nos últimos anos — são letreiros como "Eu amo Itaquera", na zona leste, e "Eu amo Grajaú", na zona sul. No entanto, a maioria delas ignora a análise de uma comissão ligada à Secretaria Municipal de Cultura.

O que aconteceu

As subprefeituras responsáveis pela instalação dos letreiros não têm feito o pedido de análise ou, quando enviam a solicitação, ignoram a decisão da Comissão de Gestão de Obras e Monumentos Artísticos em Espaços Públicos. Entre suas atribuições, o grupo é responsável por aprovar ou não a instalação de esculturas e obras na cidade.

Em fevereiro deste ano, a Subprefeitura da Penha, na zona leste, procurou a comissão, mas não aguardou a resposta e instalou letreiros. Em julho, a comissão informou que era contrária à instalação de quatro placas — "Eu Amo Penha", "Eu Amo Cangaíba", "Eu Amo Vila Matilde" e "Eu Amo Artur Alvim".

"Obras não refletem, necessariamente, uma identidade local", justifica a comissão segundo ata publicada no Diário Oficial. Os letreiros da Subprefeitura da Penha já haviam sido instalados, conforme mostram publicações nas redes sociais, e até o momento não foram removidos.

Ansiosos para a inauguração do letreiro "Eu amo Penha"? Porque nós estamos. Agora chegou a sua vez, queremos saber a sua opinião. Qual lugar da Penha o letreiro deveria ser instalado?
Subprefeitura da Penha em publicação nas redes sociais em 6 de junho

O UOL apurou que as subprefeituras da Penha, do Jabaquara e da Freguesia do Ó fizeram o pedido de análise da comissão. O grupo analisou espontaneamente a instalação das placas de Cidade Ademar e Santo Amaro — nesse caso, não houve pedido das regionais. Em todos, a comissão se opôs.

Ao UOL, a Prefeitura de São Paulo não explicou o motivo da decisão da Comissão de Gestão de Obras e Monumentos Artísticos ser ignorada.

A gestão Nunes afirmou que a instalação das placas é permitida pela Lei Cidade Limpa. "Seu objetivo é a promoção do sentimento de pertencimento do cidadão ao território", diz a nota. A comissão da Secretaria da Cultura, entretanto, se opõe aos letreiros dizendo exatamente o contrário — que eles não garantem a questão de pertencimento.

A aprovação dos letreiros abriria precedentes para que outros bairros pudessem implantar obras semelhantes, descaracterizando a singularidade de cada local.
Comissão de Gestão de Obras e Monumentos Artísticos em Espaços Públicos

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'Cada bairro é único e tem sua história'

Nas análises feitas até aqui, a comissão entende que falta um projeto único sobre os letreiros. "Se é uma proposta das subprefeituras de criar para todos os bairros, precisamos ter um regramento e entender que demanda é essa", disse Alice Américo, coordenadora do Núcleo de Monumentos e Obras Artísticas do Departamento do Patrimônio Histórico.

O departamento é formado por ela, duas estagiárias e uma jovem monitora. O grupo é responsável por mais de 300 obras catalogadas e também por encaminhar as demandas à comissão. Alice afirma que as subprefeituras e qualquer outro órgão precisam solicitar a aprovação da comissão.

Você acaba diminuindo esses locais, porque tudo parece a mesma coisa, quando cada bairro é unico e tem sua historia. Tem também a manutenção, porque é mais um elemento para cuidar. Se a comissão aceita essas obras, ela entra em nosso acervo e você precisa cuidar como cuida de um monumento a Carlos Gomes ou do mesmo jeito que cuida do Monumento às Bandeiras.
Alice Américo, coordenadora do Núcleo de Monumentos e Obras Artísticas

Uma reunião com um representante da Secretaria das Subprefeituras foi solicitada pela coordenadora, mas ainda não aconteceu. Alice diz que as placas não apresentam uma proposta de reflexão artística e que também não cumprem com o papel citado pelas subprefeituras, que seria aproximar os moradores para fotografar.

Temos uma representante da Secretaria das Subprefeituras para nos ajudar a passar essas orientações [de pedido de análise]. A gente sempre encaminha um processo relembrando qual o papel da comissão, da subprefeitura. Lá está escrito que primeiro protocola a proposta e a gente analisa.
Alice Américo

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Sem transparência com gastos

Dos 25 letreiros levantados pelo UOL, 11 foram pagos pela administração municipal, cinco foram instalados usando materiais e mão de obra das subprefeituras e outros nove foram doados pela iniciativa privada. As informações foram enviadas à reportagem pela Secretaria Municipal de Subprefeituras.

A gestão de Nunes diz que a iniciativa privada inclui "associações de comércio, de moradores, adotantes de praças, entre outros".

O levantamento da reportagem foi feito com base em publicações nas redes sociais das subprefeituras e textos do site da administração municipal. O UOL procurou a Secretaria de Subprefeituras quatro vezes e recebeu respostas incompletas.

No primeiro e-mail, a gestão Nunes indicou apenas o valor de três letreiros que haviam sido citados pela reportagem. Depois, o UOL perguntou sobre as demais placas e a prefeitura pediu o prazo de uma semana para responder.

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A reportagem aguardou o tempo estipulado, mas ainda assim não recebeu os valores de cada letreiro, nem os nomes dos doadores.

Prefeitura diz que letreiro "Eu Amo Teotônio Vilela" foi doado, mas não revela quem fez doação. Site da administração municipal também não cita informação
Prefeitura diz que letreiro "Eu Amo Teotônio Vilela" foi doado, mas não revela quem fez doação. Site da administração municipal também não cita informação Imagem: Divulgação/Prefeitura

Um exemplo da falta de informação é a placa de Teotônio Vilela, ligada à Subprefeitura de Sapopemba, na zona leste. À reportagem, o governo municipal disse apenas que o letreiro foi doado. No texto de divulgação publicado no site da prefeitura também não há informações sobre o doador.

Há registros nas redes sociais de placas instaladas desde janeiro de 2022. Dos 25 letreiros localizados pela reportagem, 15 ficam na zona leste, cinco na zona norte e cinco na zona sul. Nenhum deles fica no centro ou em bairros mais ricos.

O que diz a prefeitura

Valorizar o espaço e ampliar a identidade do bairro são algumas das funções dos letreiros, segundo a prefeitura. "Tanto para quem mora quanto para quem passa, incentivando o comércio e consolidando o sentimento de pertencimento e união dos munícipes naquela localidade", diz nota enviada ao UOL.

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A CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana) estuda "a pertinência de elaborar um regramento específico para ordenar esse tipo de elemento visual na cidade", diz a prefeitura. O grupo é ligado à Secretaria Municipal de Urbanismo — e não é o mesmo que a Comissão de Gestão de Obras e Monumentos Artísticos em Espaços Públicos, da Secretaria da Cultura.

A gestão Nunes respondeu que as placas do Grajaú e do Jardim Myrna saíram por cerca de R$ 30 mil cada e a do Itaim Paulista por pouco mais de R$ 46 mil. Todas foram pagas pela prefeitura — com orçamento das administrações regionais. A Secretaria Municipal de Subprefeituras ressaltou que os preços dos demais letreiros foram divulgados no Diário Oficial.

A administração municipal, entretanto, não utiliza uma padronização para que os dados sejam encontrados por palavras-chave como "letreiro", "totem", "painel" ou até mesmo as frases "Eu amo [nome do bairro]".

A reportagem só conseguiu identificar o valor da placa do Grajaú após a assessoria de imprensa das subprefeituras enviar a página do Diário Oficial. Na publicação, é usada a expressão "revitalização de praças" — o que dificulta a busca.

Legislação prevê transparência

Os dados sobre as doações no Portal da Transparência não foram encontrados pela reportagem. Especialistas afirmam que a prefeitura deve facilitar a consulta de doações — principalmente em período eleitoral. As eleições municipais ocorrem em 2024.

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A prefeitura regulamentou uma lei em 2012 a respeito da transparência se baseando em um decreto federal. "É dever dos órgãos e entidades da administração pública municipal promover, independentemente de requerimento, a divulgação, na internet, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas", diz a legislação.

Também há outra lei, de 2018, que regulamentou as doações recebidas pela Prefeitura de São Paulo. O texto foi assinado pelo então prefeito João Doria (hoje sem partido).

Em geral, governos quando querem desinformar ou confundir ou dificultar que a sociedade controle alguma ação, usa desse subterfúgio, complica a consulta, coloca informações excessivamente técnicas, retardam a divulgação, não geram padronização.
Eduardo Grin, cientista político

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