Governo prioriza ações extrajudiciais para tentar combater fake news

O órgão do governo federal criado para combater fake news tem priorizado notificações extrajudiciais em detrimento de ações na Justiça para desmentir informações falsas sobre políticas públicas. Até agora, foram dez resultados positivos para retirar sites do ar ou pedir retratações, mas só um deles ocorreu por decisão judicial.

O que aconteceu

A PNDD (Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia) é um braço da AGU (Advocacia-Geral da União). Foi criada na esteira dos atos de 8 de Janeiro, com objetivo de proteger autoridades, instituições e políticas públicas supostamente vítimas de desinformação.

A Procuradoria atua tanto por meio de ações na Justiça quanto extrajudicialmente, entrando em contato diretamente com pessoas, empresas e órgãos públicos. Ela pode ser instada tanto pelo governo federal quanto por outros entes, como Câmara, Senado e STF (Supremo Tribunal Federal). Até agora, porém, nenhuma demanda feita por parlamentares foi atendida pela PNDD.

O órgão nasceu sob críticas e receio de especialistas e políticos. O temor era sobre quais seriam os critérios para o governo definir o que seria "desinformação" e quem seriam os acionados.

Na Justiça, o órgão conseguiu apenas uma vitória até agora. Já por meio de notificações, foram nove ações com resultado favorável. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pelo UOL sobre os processos e outras demandas da PNDD entre maio de 2023 e maio de 2024.

Nenhuma das vitórias ocorreu em processos judiciais abertos pela PNDD para questionar ataques diretos ao presidente Lula ou ministros do STF. Todas ocorreram em demandas sobre fake news relacionadas a políticas públicas ou ações do governo.

Os números

Em um ano, a PNDD recebeu 92 demandas, mas deu encaminhamento a 26. Os pedidos vieram de diferentes ministérios e órgãos do governo — incluindo a própria AGU —, de membros da Câmara dos Deputados e do Senado.

Das 26, dez viraram ações na Justiça, com uma vitória, e 13 viraram notificações extrajudiciais, com nove resultados positivos e um parcialmente atendido. A Procuradoria solicitava a retratação ou a retirada de conteúdos da internet. Em um deles, o site removeu o conteúdo, mas o Google não quis tirar de suas buscas.

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Outros três casos acabaram encaminhados para outros órgãos. Dois deles se referiam ao ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes. Um foi encaminhado à PF para apurar uma denúncia de que canais do Telegram estariam incitando ameaças contra Lula e Moraes. E outro foi um pedido à PF para ter acesso ao inquérito sobre as agressões sofridas pelo ministro no aeroporto de Roma.

10 processos na Justiça

  • 3 estão parados por alteração de instância
  • 4 estão tramitando (1 com alteração de instância)
  • 2 derrotas da PNDD
  • 1 vitória da PNDD

13 ações extrajudiciais

  • 9 totalmente atendidas pelas partes acionadas
  • 1 parcialmente atendida
  • 3 não atendidas

As ações na Justiça: 1 vitória em 10

Os números mostram resistência do Judiciário em atuar para remover conteúdos, sobretudo os de cunho político. Em duas ações, a Justiça já negou os pedidos feitos pela Procuradoria.

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A única vitória da AGU até agora ocorreu no Rio de Janeiro. O juiz Paulo Andre Espirito Santo determinou, em dezembro, a retirada do ar de links do site Tribuna Nacional que relacionavam a vacina contra a covid-19 à Aids. O juiz também proibiu a divulgação de conteúdo sobre o tema no canal de Telegram do portal e determinou multa em caso de descumprimento. Após a decisão, o portal saiu do ar.

Em quatro ações, os juízes responsáveis repassaram para outra instância e três delas estão paradas. O quarto processo está tramitando sob segredo de justiça, pois envolve a quebra de sigilo e identificação dos responsáveis por 87 canais no Telegram. A AGU diz já ter conseguido liminar, mas os canais continuam no ar.

As outras três ações judiciais são processos em que não há pedido de remoção imediata de conteúdo. Em uma, a PNDD cobra indenização de R$ 15 milhões de pessoas que teriam planejado um ataque a bomba no Distrito Federal. O caso ainda não teve nenhuma decisão judicial.

Em outra ação, a Procuradoria acionou uma jornalista que afirmou em suas redes que o Ministério Público do Trabalho estaria "censurando" uma empresária de Sergipe que pediu votos para Bolsonaro. A jornalista aceitou em março deste ano a proposta da PNDD para publicar um texto em suas redes se retratando. Agora, cabe ao juiz do caso decidir se encerra o processo.

A mais recente é a ação movida contra o influenciador Pablo Marçal, que aguarda uma decisão da Justiça. O juiz do caso solicitou mais informações à PNDD e também quer ouvir o próprio influenciador antes de decidir se ele deve ou não se retratar pelas postagens em que critica a atuação das forças armadas nas enchentes no Rio Grande do Sul.

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Retratações têm mais efetividade

Internamente, a avaliação da AGU é de que a atualização e contextualização de conteúdos com fake news é mais efetiva que derrubar as páginas. O UOL apurou que o órgão passou a priorizar a estratégia de buscar extrajudicialmente a retratação ou mesmo a rotulagem de publicações e postagens nas redes. Assim, o público já veria as informações corretas nas páginas visitadas.

Um desses casos ocorreu com a Rádio Jovem Pan. A emissora havia divulgado que o Ministério da Cultura teria pagado R$ 20 milhões para artistas brasileiros irem a um show da cantora Beyoncé. Depois, a rádio se retratou.

Em outro caso, Alexandre Garcia culpou o "governo petista" por enchentes no RS em setembro do ano passado. Após receber a notificação da AGU, o jornalista acabou se retratando em vídeo no YouTube da Revista Oeste, onde atua.

Já o site Vista Pátria publicou um direito de resposta em 27 de maio. O portal havia divulgado uma notícia falsa que afirmava que militares estariam impedindo o resgate de pessoas no município de Canoas (RS), e acabou se retratando.

Em maio, a PNDD fechou um acordo com big techs específico para conter as fake news sobre o Rio Grande do Sul. O acordo de cooperação com Google/YouTube, Meta (Facebook e Instagram), TikTok, X, Kwai e LinkedIn busca combater desinformação sobre políticas públicas durante as enchentes no Rio Grande do Sul.

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A PNDD também pretende atuar nas eleições. O órgão fez uma consulta ao TSE para saber se poderá atuar também na Justiça Eleitoral ou se seguirá atuando na Justiça Federal, onde não tem conseguido decisões para remover conteúdos em tempo hábil. A consulta ainda não tem previsão para ser analisada.

Desinformação é 'objeto novo', diz órgão

A PNDD afirmou em nota que tem dado prioridade à atuação extrajudicial e que a desinformação "ainda é um objeto relativamente novo para o Judiciário brasileiro".

Questionado sobre o fato de não ter dado andamento a representações que recebeu de congressistas, o órgão disse que não atua em caso de "manifestações próprias da retórica política".

É preciso considerar não só que a via judicial é apenas uma das disponíveis para a PNDD evitar que a desinformação prejudique a integridade das políticas públicas da União e o livre e regular funcionamento dos poderes, mas também o fato de que a desinformação ainda é um objeto relativamente novo para o Judiciário brasileiro, que ainda está formando seus primeiros precedentes sobre o assunto. Neste contexto, a PNDD considera extremamente relevante ter obtido, em tão curto período de existência do órgão, decisão que, na prática, desestruturou toda uma cadeia de desinformação que associava vacinas da covid-19 à AIDS - em especial considerando que a disseminação de desinformação sobre imunizantes nos últimos anos resultou no aumento da desconfiança da população sobre vacinas e na queda da cobertura vacinal, em prejuízo da saúde da população brasileira.
nota oficial da AGU

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