Câmara Municipal de SP cassa vereador Camilo Cristófaro por fala racista
A Câmara Municipal de São Paulo aprovou por 47 votos a cassação de mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante) por falas racistas proferidas em maio do ano passado — houve 5 abstenções e nenhum voto contra. Quem assumirá a vaga é o Dr. Adriano Santos (PSB).
O que aconteceu
A perda do mandato dependia de 37 votos a favor para acontecer. A Câmara Municipal tem 55 vereadores — do total, apenas Camilo Cristófaro (do Avante, alvo do pedido), Ely Teruel (Podemos) e Luana Alves (do PSOL, autora da denúncia) não votaram.
Os cinco vereadores que optaram pela abstenção foram: Abílio Francisco (Republicanos), Coronel Salles (PSD), Paulo Frange (PTB), Rute Costa (PSDB) e Sansão Pereira (Republicanos)
"Eles arrumaram e não lavaram a calçada. É coisa de preto, né?", disse Camilo Cristófaro, em áudio vazado durante a CPI dos Aplicativos em 3 de maio de 2022.
Cristófaro é o primeiro vereador cassado em São Paulo por racismo e o terceiro caso de cassação na Câmara — os outros dois foram Vicente Viscome e Maeli Vergniano, em 1999, no escândalo que ficou conhecido como Máfia dos Fiscais (esquema de corrupção que envolvia extorsão de camelôs e pedidos de pagamentos para a liberação de alvarás), durante a gestão do prefeito Celso Pitta (1997-2000). Por envolvimento no mesmo esquema quando era vereador, o então deputado estadual Hanna Garib (PPB) também teve seu mandato na Alesp cassado no mesmo ano.
Além dos três acusados de corrupção, a Câmara teve dois vereadores afastados pela Justiça Eleitoral por infidelidade partidária. Foram eles Netinho de Paula (eleito pelo PCdoB e então no PDT), em 2015, e Daniel Annenberg (eleito pelo PSDB e então no PSB), em março deste ano.
O que disse Cristófaro em sua defesa
Eu nunca fui chamado de racista por qualquer canto que eu ando nessa cidade. O negro não é bobo, não. Ele sabe quem trabalha. Aqui ninguém está me julgando. Aqui estão me executando.
Camilo Cristófaro, vereador pelo Avante, durante sua defesa hoje
A defesa de Cristófaro afirmou que a fala dele não foi racista por não ter objetivo de ofender. O advogado Ronaldo Andrade afirmou que a declaração do vereador se deu durante uma conversa com um amigo de mais de 40 anos quando os dois estavam dentro de um carro e Cristófaro participava de forma remota de uma sessão da Câmara.
O advogado classificou a fala do vereador como "infeliz" e argumentou que situação não justificaria cassação.
Quanto a racismo, eu estou com Djonga: é fogo nos racistas. Mas racismo, não linchamento, não tirar uma frase de contexto e classificar como racismo. Quando muito, seria preconceito racial. Racismo requer dolo, vontade deliberada de cometer o ato.
Ronaldo Alves de Andrade, advogado do vereador Camilo Cristófaro e ex-desembargador em SP
Quem assume a vaga
Segundo suplente do PSB, o ex-PM Adriano Santos fica com a vaga na Câmara, após ter obtido 5.813 votos na eleição de 2020 — (Cristófaro teve 23.431 e estava em seu segundo mandato consecutivo). O primeiro suplente do partido era Masataka Ota, que morreu em 2021. Santos chegou assumir o cargo no ano passado durante licença do colega Eliseu Gabriel (PSB).
Substituto de Cristófaro pode assumir a vaga já a partir de amanhã. Além da cassação, o presidente da Câmara Milton Leite (União Brasil) determinou a extinção do mandato do vereador Cristófaro. Como Santos já apresentou à Casa a documentação necessária e fez o juramento para substituir Eliseu Gabriel (PSB) durante licença em 2022, não há pendências para que ele assuma a vaga do vereador cassado hoje.
Confusão enquanto a defesa argumentava
Vereador invadiu tribuna durante fala da defesa de Cristófaro. Em sua apresentação, o advogado Andrade citou o caso do vereador Adilson Amadeu (União Brasil), que usou a origem judia do então vereador Daniel Annenberg (PSB) para ofendê-lo em 2019.
Momento depois, Amadeu subiu à tribuna e chamou o advogado de "brincalhão", sendo afastado de Andrade por outros vereadores.
Ativistas contra o racismo se reuniram na porta da Câmara. Por volta de 15h30, um grupo de manifestantes pedia a cassação de Cristófaro na entrada do prédio, com faixas e uma roda de capoeira. Dentro do plenário, havia mais faixas pela perda de mandato do vereador. Ao anunciar que votaria pela abstenção, o vereador Sansão Pereira (Republicanos) ouviu gritos de "racista".
Além da cassação na Câmara, Cristófaro enfrenta um processo sobre o mesmo caso na Justiça. O vereador foi absolvido em primeira instância em 14 de julho, quando o juiz Fábio Soares afirmou que não houve "vontade de discriminar". Mas o Ministério Público recorreu 13 dias depois e o caso segue em aberto.
O que coisa de preto significa? É uma piada que trabalha com elemento narrativo de estereótipo de que as pessoas negras fazem coisas erradas e não são competentes para ocupar lugares de intelectualidade, de poder. Quando você diz que coisa de preto é coisa mal-feita, você diz que os brancos fazem melhor.
Dizer para o povo que não há problema em falar uma frase racista é dizer para o povo que as pessoas podem ser desrespeitadas.
Luana Alves, vereadora pelo PSOL
Vereador já havia sido alvo de pedido de cassação
Justiça Eleitoral determinou cassação de Cristófaro em 2019. À época, o Ministério Público Eleitoral afirmou que o vereador declarou ter recebido R$ 6 mil de uma idosa sem recursos nas eleições de 2016. Entretanto, uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral o manteve no cargo até o fim do mandato.
Cristófaro chamou Fernando Holiday (então no Democratas) de "macaco de auditório" em 2019. Holiday é negro e, na ocasião, havia afirmado em entrevista que alguns vereadores não trabalhavam, o que provocou a fúria de Cristófaro. Ele também se referiu a Holiday como "moleque" no discurso que fez na tribuna.
Vereadora do PSOL disse ter sido xingada e empurrada por Cristófaro em 2017. Segundo Isa Penna, agressões aconteceram dentro de elevador da Câmara. Anos depois, já na assembleia legislativa de São Paulo, Isa foi vítima de assédio cometido pelo deputado estadual Fernando Cury (União Brasil).
As duas ocasiões não tiveram maiores desdobramentos na Câmara.
Que essa decisão siga como marco na luta contra o preconceito, mostrando ao mundo que esta Casa está comprometida com a luta contra a discriminação.
Marlon Luz, vereador pelo MDB