Boulos fez 97 discursos e teve 2 projetos aprovados no 1º ano como deputado
Deputado em primeiro mandato, Guilherme Boulos (PSOL-SP) teve um desempenho tímido na Câmara. Alçado a líder da bancada, o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo tropeçou em algumas negociações.
O que aconteceu
Boulos usou Câmara como trampolim. A candidatura em 2022 foi pensada para projetá-lo para a disputa pela Prefeitura de São Paulo, em outubro deste ano. Houve, inclusive, um acordo para que o PT não lançasse um candidato próprio e indicasse o vice na chapa. A escolhida para o posto foi a ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy, que voltou ao PT especialmente para a tarefa e sob a bênção de Lula.
Capital político ao ser o mais votado em SP. O psolista foi eleito com 1 milhão de votos em 2022. Ficou atrás apenas do campeão do ranking, o também novato Nikolas Ferreira (PL-MG), mas à frente de seu principal concorrente, Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
"Articulado", "difícil de negociar": o Boulos como líder. O deputado foi escolhido como líder da bancada do PSOL logo no início do mandato. Líderes que conviveram com ele afirmam que tem "bom diálogo, é flexível e articulado". Outros congressistas, contudo, o descrevem como uma pessoa "difícil de negociar" por suas convicções políticas, às vezes mais à esquerda, mas que cumpre os acordos.
Deputado fala em "resultados concretos. Procurado para comentar, enviou nota via assessoria de imprensa dizendo que "teve uma atuação expressiva e com resultados concretos, fomentando políticas públicas com impacto direto na vida das pessoas, em seu primeiro ano de mandato parlamentar". Também afirmou que os projetos "são decisivos tanto na estruturação da política de combate à fome no país quanto na proteção de direitos de cidadãos".
Ajuda para outros. Ainda defende que, como líder de bancada, "trabalhou e assegurou pela que diversos PLs de membros da bancada fossem colocados em pauta e aprovados, como PLs de autoria dos parlamentares Talíria Petrone, Pastor Henrique Vieira, Erika Hilton, Túlio Gadelha e outros".
Faltou combinar com o centrão
Confusão para ser relator. Ex-coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que tem uma atuação forte na luta por moradia, Boulos tentou puxar para si projetos na área de habitação. Ele queria, por exemplo, a relatoria da medida provisória que retomou o Minha Casa, Minha Vida.
Pressão contra do centrão. Chegou a ser indicado para isso durante a instalação da comissão mista que analisou a MP, mas enfrentou resistência. Indignado, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), reivindicou a relatoria para o seu partido e ameaçou levá-lo ao Conselho de Ética.
Boulos teria desrespeitado acordo. A proposta era que Fernando Marangoni (União-SP) fosse o relator da proposta. Pelo arranjo feito na época, o PT ficaria com a relatoria da MP do Bolsa Família, o MDB com a da reestruturação dos Ministérios e o União Brasil com a do Minha Casa, Minha Vida.
Dias depois, o então líder do PSOL cedeu o posto ao União Brasil e assumiu a vice-presidência da comissão mista. Em troca, ficou com a relatoria do projeto que recriou o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), aprovado pelo Congresso em julho.
Boulos alterou o texto para incluir o programa Cozinha Solidária, inspirado em uma iniciativa do MTST e que já havia sido apresentado por ele como um projeto de lei em fevereiro de 2023. O objetivo do programa é fornecer alimentos gratuitos a pessoas em situação de rua e sob insegurança alimentar.
Só 2 projetos aprovados (ou quase isso)
Dos 504 projetos de autoria de Boulos, duas propostas foram analisadas em plenário. A primeira proíbe que uma instituição financeira conceda empréstimo consignado sem autorização expressa do beneficiário. Se tiver essa atitude, não haveria necessidade de devolução do valor do empréstimo ou desconto de suas parcelas. O projeto tramitou anexado a outro mais antigo.
Urgência aprovada. Em agosto, o então líder do PSOL conseguiu aprovar um requerimento de urgência para sua proposta, o que levou o texto direto ao plenário, sem necessidade de passar por comissões. O efeito também foi válido para o projeto mais antigo ao qual o texto de Boulos estava vinculado.
O relatório foi aprovado em votação simbólica e seguiu para análise do Senado, ainda não finalizada. Durante a votação na Câmara, a relatora do projeto de 2007, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), apresentou um parecer que englobava o texto apresentado por Boulos e de outros com temática parecida.
O outro projeto define agosto como o mês de combate às desigualdades. O texto é simples, com apenas três artigos, e estabelece que durante aquele período o Congresso analisará as políticas públicas sociais do governo federal, com a finalidade de "fiscalizar a implementação, consolidação e expansão" dessas ações.
A votação do projeto, contudo, aconteceu com intenso debate entre oposição e governistas. Deputados como Marcos Pollon (PL-MS) e Marcel van Hattem (Novo-RS) tentaram obstruir a votação com a apresentação de questões de ordem e requerimentos para adiar a análise da proposta.
Opositores usaram pautas conservadoras para criticar. Parlamentares bolsonaristas quiseram barrar a aprovação do projeto a partir de sua justificativa. No texto, Boulos argumenta que as desigualdades "estão estruturadas a partir da intersecção do racismo e da opressão de gênero". Na visão de deputados contrários ao projeto, o último termo seria um indicativo de que, na verdade, a proposta abre caminho para a tese da "ideologia de gênero", pauta combatida pela extrema direita.
Discussão só terminou de madrugada. O texto-base foi aprovado por 235 votos a favor e 110 contra. Entretanto, por falta de quórum, a votação não foi concluída. Ainda é necessário analisar os cinco destaques —trechos que podem alterar a redação do texto após sua aprovação— apresentados pelo PL. Só um deles foi votado e rejeitado. O projeto segue sem previsão de ser concluído.
Blindado, samba e assessores do MTST
No período que esteve na liderança da bancada, Boulos votou pró-governo em 94% das vezes, segundo a plataforma PowerBI, que reúne os votos dos parlamentares desta legislatura.
Quando chegou a Brasília, optou por morar no imóvel funcional oferecido pela Câmara. Está localizado no Plano Piloto, a principal região da capital. A mudança para o Centro-Oeste do país incluiu o famoso "Celtinha". O carro popular, no entanto, foi substituído por um veículo blindado em fevereiro, devido às ameaças de morte contra o parlamentar. Sua mulher e as duas filhas ficaram na casa em Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.
Como a maioria dos parlamentares, Boulos fica em Brasília de terça a quinta. Quando as sessões no plenário não adentram a madrugada, às vezes pode ser visto na roda de samba de uma conhecida casa de eventos da Asa Sul. Ali, as formalidades do cargo dão lugar a uma cervejinha descontraída e alguns cigarros.
Boulos trouxe a militância do MTST para o gabinete. Dos 16 funcionários contratados, dois são militantes do movimento sem-teto no qual o deputado atuou como coordenador.
Josué Rocha e Camila de Caso são funcionários do gabinete desde 2023. Rocha exerce a função de coordenador de assessoria em São Paulo e de Caso é assessora parlamentar para temas econômicos. Ambos são próximos do deputado e de sua família.
Toda a atividade parlamentar de Guilherme Boulos foi assessorada por um corpo técnico com experiência legislativa e em suas áreas de atuação. A equipe que compõe o mandato segue trabalhando em suas atribuições tanto em Brasília quanto em São Paulo.
Trecho de nota enviada pela assessoria de imprensa de Boulos ao UOL
Polêmica com Israel e Hamas
Em defesa da Palestina. Ao comentar o ataque feito pelo Hamas a Israel em 7 de outubro em seu perfil no X (antigo Twitter), o deputado escreveu que sua "defesa dos direitos do povo palestino é pública" e condenou o atentado. Afirmou ainda que defende uma "solução pacífica e duradoura" para o conflito no Oriente Médio.
A publicação rendeu uma baixa na equipe da pré-campanha. O infectologista Jean Gorinchteyn, ex-secretário de Saúde do estado de São Paulo, que é judeu, decidiu deixar a coordenação da área de saúde de Boulos. Em nota, o médico justificou sua decisão diante da "postura pró-Palestina que não menciona ou condena o grupo extremista islâmico Hamas".
Crítica a Israel. Alguns dias depois, no plenário da Câmara, Boulos voltou a mencionar o ataque. Ele afirmou que nada justificava o assassinato de inocentes e criticou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a quem acusou de agravar o conflito "com sua atitude de violência contra os palestinos nos últimos anos e de descumprimento dos acordos internacionais".
As manifestações renderam publicações falsas nas redes sociais. Circulou uma imagem de Boulos ao lado de dois homens apontados como integrantes do Hamas. A foto foi distorcida: as duas pessoas na imagem, na realidade, são Juliano Medeiros, presidente do PSOL, e Frederico Henriques, que também era do partido, em uma viagem em 2018.