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OPINIÃO

Dilúvio gaúcho revela o que o Brasil tem de melhor e pior

Ricardo Kotscho

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/05/2024 04h00Atualizada em 19/05/2024 08h59

Já são duas semanas angustiantes, sofridas, desesperadoras em que o Brasil acompanha em tempo real a maior catástrofe climática da nossa história, que arrasou grande parte do Rio Grande do Sul e revelou ao mundo o que temos de melhor e de pior na nossa sociedade.

De um lado, vimos milhares de voluntários vindos de todo o país para salvar vidas e resgatar os flagelados na terra arrasada pelas chuvas, que não pararam até agora; de outro, saqueadores invadindo casas e comércios para levar o pouco que sobrou.

Ao mesmo tempo em que doações de comida, roupas e remédios não paravam de chegar ao Sul numa fantástica rede de solidariedade, que rapidamente se espalhou pelo país, abutres derrotados do 8 de Janeiro disparavam fake news contra o governo federal, prejudicando o trabalho das forças civis e militares envolvidas, desde o primeiro momento, nas operações de salvamento e resgate.

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Na luta entre o Brasil solidário e o Brasil das trevas, o bravo povo gaúcho tentava sobreviver, escapando das águas dos rios que não paravam de subir, recolhidos nos abrigos improvisados e nas casas de parentes e amigos. Enquanto uns se dedicavam, arriscando as próprias vidas, a salvar as vítimas do dilúvio, outros só queriam promover o caos e boicotar as doações.

Muitos saqueadores foram presos, mas os disseminadores de ódio e desinformação continuavam todos soltos até o momento em que escrevo esta coluna.

Já fiz a cobertura de muitas enchentes, mas nunca tinha visto nada parecido, tamanha a destruição provocada, não só pelas chuvas, mas pela incúria de governantes ao longo dos tempos, permitindo plantações e construções nas margens dos rios, com a "flexibilização" dos códigos ambientais.

Não se trata agora de procurar culpados e partidarizar as responsabilidades, mas de unir esforços no hercúleo trabalho de reconstrução do Rio Grande do Sul, que deverá levar décadas.

É hora de arregaçar as mangas e colocar mãos à obra, para ao menos minimizar o sofrimento de quem perdeu tudo nas enchentes, menos a esperança. Quem precisa de ajuda não quer saber se virá do poder municipal, estadual ou federal.

O dinheiro não vem carimbado. Importante é que venha logo, para que os flagelados possam recomeçar suas vidas em lugares mais seguros, sem medo do amanhã.

É preciso isolar os negacionistas da crise climática, que se mostrou terrivelmente real. Mas tem gente que ainda não acredita, a começar pelos parlamentares que usam a tribuna da Câmara para atacar os ambientalistas e a ciência, e propagar mentiras para faturar likes e votos nas próximas eleições.

Ninguém pode negar que o governo federal tem cumprido a sua parte, liberando recursos financeiros e humanos para recuperar a infraestrutura e os serviços públicos do estado o mais rápido possível. Mas só isso não basta.

Será necessário que os demais poderes se engajem no projeto de uma profunda reforma da legislação ambiental, para que essas tragédias não se repitam no futuro. A defesa do meio ambiente não pode mais depender da boa vontade e do bom senso dos governantes de turno.

Tem que ser uma obrigação prevista em leis mais rígidas, bem ao contrário de tentar "afrouxar" as atuais regras de licenciamento ambiental, como se busca nos mais de 20 projetos que estão em discussão no Congresso neste momento, ameaçando as áreas protegidas na Amazônia e nos territórios indígenas, em nome do "progresso" do agronegócio predatório e da exploração mineral sem controle.

Estamos, mais uma vez, diante da "difícil escolha", entre e civilização e a barbárie, o atraso e o futuro. Quem ainda tiver alguma dúvida, pode rever sem parar as imagens da grande tragédia gaúcha já deixou um rastro de destruição, varrendo do mapa cidades inteiras, com mais de 150 mortos e muitos milhares de deslocados e desabrigados.

Vida que segue.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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