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Tragédia no Rio Grande do Sul: há de se falar em culpados, sim!

O Rio Grande do Sul está vivendo a maior tragédia climática da história do nosso país e talvez uma das maiores catástrofes naturais do mundo. Mais de 1,5 milhão de pessoas atingidas.

Não há números seguros que indiquem a quantidade de pessoas desabrigadas, mortas e desaparecidas. Neste exato momento, enquanto escrevo e quando estiverem lendo, ainda existirão pessoas e animais aguardando para serem resgatados, porque a situação segue se agravando tanto em Porto Alegre como nas cidades do entorno e no interior do estado.

O governador Eduardo Leite tinha ciência dos prognósticos. A calamidade que o estado enfrentou em 2023 deveria ter servido de alerta e ensejado uma série de medidas de proteção à população, bem como a criação de um plano estratégico eficiente para o enfrentamento de catástrofes climáticas. Nada foi feito.

O dinheiro que deveria ter sido investido pesadamente para contingenciar crises, como a que o povo gaúcho está vivendo neste momento, não foi alocado com a prioridade devida.

Além de não investir em prevenção, o governador ainda adotou medidas para afrouxar mais de 500 pontos do Código Ambiental, dentre eles a gravíssima autorização para o "autolicenciamento". E o que é isso? Caso um empresário queira construir algo em uma área ambiental, só necessita preencher um formulário dizendo que irá seguir as normas e, em 48 horas, ele recebe o aval do governo para realizar a obra em uma área que deveria ser protegida. Nenhuma fiscalização governamental in loco.

O Estado se isentou de fazer o seu papel fiscalizatório priorizando a economia em detrimento da proteção ao meio ambiente.

Em igual sentido, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, contribuiu gravemente para que a enchente fosse tão catastrófica na capital gaúcha.

Das 23 Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (EBAPs) que compõem o sistema de drenagem da cidade, apenas 4 estavam em operação quando a cidade foi invadida pelas águas. Há mais de 2.500 cargos vagos no Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), órgão responsável pela manutenção do sistema de contenção de cheias. O município de Porto Alegre tem mais de 400 milhões em caixa especificamente para ser destinados à realização destes serviços, mas nada foi investido.

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A tragédia que estamos pesarosamente assistindo e o povo gaúcho está vivenciando é resultado do descaso com o meio ambiente, irresponsabilidade dos governantes com a coisa pública e fruto do negacionismo científico, uma vez que essa catástrofe foi amplamente anunciada por pesquisadores e professores, mas o governo do Rio Grande do Sul e, em especial, da cidade de Porto Alegre, nada fez para aplacar a dimensão do desastre. E agora, instalada a crise, ainda lidam com a situação de absoluto caos com total ineficiência e lentidão em relação ao suporte às vítimas.

O governador e o prefeito de Porto Alegre não fizeram o que poderiam e deveriam fazer para evitar que o povo gaúcho fosse pego desprevenido, bem como deixaram de investir em recursos que tornassem o evento menos devastador. Agora o caos está posto e imposto ao povo sul-rio-grandense como um todo.

Essa omissão dolosa não deve ficar impune. Urge responsabilizar governantes que agem de maneira irresponsável, colocando as pessoas em risco, em especial em situações em que a prevenção é essencial para não piorar o inevitável.

Cabe ao Ministério Público analisar o caso e adotar as medidas necessárias. No direito vomparado, temos o exemplo do caso Bernardinis: um grupo de sete cientistas membros da Comissão para Grandes Riscos da Itália, que foram condenados por não informar à população a respeito da previsão de um terremoto ocorrido em Áquila, em 2009.

Os cientistas italiano tinham informações sobre o evento, mas preferiram tranquilizar os cidadãos acerca da gravidade do abalo sísmico. Essa atitude fez com que as pessoas não se preparassem, fator que influenciou no aumento da tragédia que acabou alcançando 80 mil pessoas.

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Esperamos que o governador e o prefeito de Porto Alegre sejam responsabilizados por sua conduta omissiva e comissiva, contribuindo para o afrouxamento das regras ambientais e sucateando do órgão responsável pelo controle das enchentes na capital. A avassaladora tragédia que o povo gaúcho está vivendo pode se tornar um paradigma em relação à obrigatoriedade de os governantes tutelarem de forma realmente efetiva a proteção ao meio ambiente.

Nenhum povo merece ser negligenciado a ponto de ver sua terra, sua vida, dos seus parentes e amigos, sua história e seus bens serem devastados em razão da sobreposição do interesse econômico em relação ao valor humano.

Está na hora da sociedade cobrar e de o Poder Judiciário fazer valer o art. 225 da Constituição Federal, impondo ao Poder Público que de fato adote medidas que protejam o meio ambiente. Só assim poderão existir futuras gerações.

*Adriana Cecilio é gaúcha, advogada, professora de direito constitucional, autora da obra "A Separação dos Poderes e o Sistema de Freios e Contrapesos" e diretora nacional da Coalizão Nacional de Mulheres.

Opinião

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