Ataques sobem, e negacionistas do clima tentam calar cientistas e imprensa
Uma onda de ataques contra jornalistas e cientistas que lidam com temas ambientais ganha força e abre uma nova fronteira de preocupação no combate às mudanças climáticas.
Levantamentos realizados por organismos internacionais e entidades de pesquisa revelam que o avanço do populismo, a erosão da democracia, a desinformação e o impacto de novas tecnologias estão colocando pressão sobre a segurança e a liberdade de cientistas. Segundo um estudo da Unesco, de 2024, dois de cada cinco pesquisadores do clima sofreram ameaças à sua segurança.
A constatação das pesquisas é de que os ataques não ocorrem por acaso e são orquestrados a partir de interesses específicos, seja por parte de autoridades ou do setor privado.
A ofensiva não se limita aos cientistas que lidam com meio ambiente. Na pandemia da covid-19, a Unesco destaca que um de cada cinco cientistas que trabalhou na busca por vacinas ou remédios registraram ter sofrido ataques. No caso das mulheres pesquisadoras, metade delas aponta que foi alvo de assédio.
"Quando as vozes críticas dos cientistas são silenciadas, a capacidade de nossas sociedades de produzir conhecimento relevante e imparcial, de pensar criticamente e de distinguir a verdade da falsidade é prejudicada", alertou Gabriela Ramos, diretora-geral adjunta de Ciências Humanas e Sociais da Unesco.
"Isso seria errado em qualquer momento. É ainda mais problemático quando o mundo precisa de mais ciência para lidar com a natureza composta dos desafios que enfrentamos, seja na frente climática, digital, demográfica ou econômica", destacou.
Desde março, a entidade costura um programa sobre a promoção da liberdade científica e a segurança dos cientistas. Mas admite que o movimento que atinge os pesquisadores do setor ambiental faz parte de uma tendência mais ampla de ataques contra pesquisadores.
Ainda em 2022, um levantamento revelado pelo Parlamento Europeu, que coletou cerca de 4.500 respostas, mostra que um terço dos acadêmicos entrevistados achava que sua liberdade de pesquisa havia se deteriorado nos últimos anos — 21% deles disseram que "já praticaram autocensura".
O Conselho Internacional de Ciências também está preocupado. "Em todo o mundo, as descobertas dos cientistas ambientais e os alertas dos defensores do meio ambiente há muito tempo provocam censura, intimidação, assédio e até mesmo violência quando desafiam interesses econômicos, agendas políticas ou ideologias", apontam.
"Em setores como o de extração de madeira, pesca, agricultura, fabricação de produtos químicos, mineração e extração de combustíveis fósseis, por exemplo, as evidências científicas de impactos ambientais e sociais negativos podem ser vistas como um obstáculo ao ganho econômico de curto prazo", explicam.
Segundo eles, muitas vezes, os governos têm interesses particulares nesses setores e percebem a ciência ambiental como um desafio à política nacional e à autoridade da liderança. "No cenário geopolítico atual, a extração de recursos geralmente tem prioridade sobre a administração ambiental responsável", alerta Jorge Huete, vice-reitor da Universidade Centro-americana, da Nicarágua, e diretor do Centro de Biologia Molecular de Manágua.
"Em um momento em que a ciência é de suma importância para o bem-estar humano e ambiental, a liberdade científica está sob ataque em muitos lugares", diz Vivi Stavrou, secretária-executiva do Comitê de Liberdade e Responsabilidade na Ciência do Conselho Internacional.
"São exatamente esses direitos e princípios relacionados à prática livre e responsável da ciência que são atacados quando pessoas e grupos, por uma variedade de interesses, procuram minar a pesquisa científica", completa.
Jornalistas ambientais sob ataque
O fenômeno é ainda mais grave em relação aos jornalistas que cobrem temas relacionados com meio ambiente. Neste caso, os estudos da Unesco, também de 2024, revelam que, numa pesquisa com 900 jornalistas de 129 países:
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber70% deles afirmam já terem sido alvo de intimidação ou campanhas de difamação.
Entre eles, dois em cada cinco sofreram violência física posteriormente.
Pelo menos 749 jornalistas ou meios de comunicação que publicam sobre questões ambientais foram atacados nos últimos 15 anos. Nesse período, a desinformação online aumentou drasticamente.
"Sem informações científicas confiáveis sobre a atual crise ambiental, nunca poderemos ter esperança de superá-la", disse Audrey Azoulay, Diretora Geral da Unesco.
"No entanto, os jornalistas com os quais contamos para investigar esse assunto e garantir que as informações sejam acessíveis enfrentam riscos inaceitavelmente altos em todo o mundo, e a desinformação relacionada ao clima está correndo desenfreada nas mídias sociais", lamentou.
No informe Imprensa e Planeta em Perigo, a análise revelou que mais de 300 ataques ocorreram entre 2019-2023 — um aumento de 42% em relação ao período de cinco anos anterior (2014-2018).
"Pelo menos 44 jornalistas que investigavam questões ambientais foram atacados fisicamente nos últimos 15 anos, e só cinco casos resultaram em condenações — uma taxa de impunidade chocante de quase 90%", afirmou.
O relatório mostra que outras formas de ataque físico também prevaleceram, com 353 incidentes. Também constatou que os ataques mais do que dobraram nos últimos anos, aumentando de 85, em 2014-2018, para 183, entre 2019-2023.
Os dados mostram que as mulheres jornalistas relatam estar mais expostas do que os homens ao assédio online.
"Além dos ataques físicos, um terço dos jornalistas pesquisados disse ter sido censurado e quase metade (45%) disse ter se autocensurado ao cobrir o meio ambiente, devido ao medo de ser atacado, de ter suas fontes expostas ou por saber que suas matérias estavam em conflito com os interesses das partes interessadas", completa a pesquisa.
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