Ação contra Nikolas por transfobia se arrasta há 8 meses e volta ao início

Autor de uma fala transfóbica contra a colega Erika Hilton (PSOL-SP) na semana passada na Câmara, o deputado federal Nikolas Ferreira já é alvo de uma denúncia por transfobia em Minas Gerais. A investigação se arrasta na Justiça há oito meses e teve seu desfecho novamente adiado no início de maio, quando a juíza estadual responsável pelo caso atendeu um pedido do parlamentar e enviou o processo para a Justiça Federal.

O que aconteceu

Deputado virou réu por expor uma menor de idade transexual na internet. Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais no ano passado, após expor a jovem em um banheiro de um colégio particular de Belo Horizonte. Ele mostrou a garota em um vídeo para seu canal de Youtube, dizendo-se indignado por ela usar o banheiro feminino.

Em setembro de 2023, a juíza estadual Kenea Marcia Damato de Moura Gomes recebeu a denúncia e abriu uma ação penal contra o parlamentar. Ele se tornou réu pelos crimes de discriminação e preconceito, que podem levar à prisão de um a três anos, além da perda de mandato e pagamento de multa.

No mês passado, porém, ela resolveu enviar o caso para a Justiça Federal. Na prática, o processo volta à estaca zero. O caso volta a ser analisado pelo MP, mas agora em instância federal, e o procurador vai decidir se mantém ou não a denúncia. Depois, um juiz federal vai avaliar se torna réu ou não o denunciado.

Desde 2019, o STF entende que os crimes de homofobia e transfobia devem ser equiparados aos crimes da Lei do Racismo. Como não há uma lei específica que trate da intolerância com a população LGBTQIA+, o Supremo adotou esse entendimento.

O acusado, ao se referir a todo momento à pessoa de XXXX*, menina transexual de 14 anos de idade, como menino, vociferando que ela seria um 'estuprador em potencial', chamando de 'ousadia' o fato dela frequentar o banheiro do gênero com o qual se identifica, e que sua presença constrangeria as demais alunas, revela, em verdade, seu preconceito contra todas as pessoas transexuais, evidenciando, portanto, flagrante discriminação atentatória de direitos e liberdades fundamentais de grupo de vulneráveis, praticado em razão, única e exclusivamente, da identidade de gênero da vítima.
denúncia do MP-MG contra Nikolas Ferreira

O UOL procurou a assessoria de Nikolas Ferreira para se manifestar sobre o caso, mas ele não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

Precedentes do STJ

Ao se defender da denúncia na Justiça, Nikolas argumentou que seu vídeo foi divulgado no Youtube e teria alcance internacional. Por isso, segundo a defesa do parlamentar, o caso deveria ser julgado na Justiça Federal e não estadual.

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STJ já decidiu em casos anteriores que conteúdos com alcance internacional devem ser analisados pela Justiça Federal. Ao atender o pedido do parlamentar, a juíza entendeu que há precedentes do Superior Tribunal de Justiça de que vídeos divulgados no Youtube tem alcance internacional, o que deve ser julgado pela Justiça Federal.

Além disso, juíza considerou impacto do conteúdo a toda uma coletividade. Para a magistrada, o vídeo poderia incitar outras pessoas a cometerem a mesma prática.

Os fatos narrados pelo Ministério Público, a princípio, revelam que a conduta praticada pelo acusado, embora tenha mencionado uma adolescente específica, também atingiria a toda a coletividade, de maneira que poderia incitar outras pessoas às mesmas práticas.
decisão da juíza Kenea Damato de Moura Gomes, da 5ª Vara Criminal de Belo Horizonte

Deputado representou contra promotores

Além de ter conseguido mudar a instância do caso, Nikolas Ferreira acionou os promotores que o denunciaram na Corregedoria do MP-MG. No pedido, feito em dezembro do ano passado, o deputado acusa os promotores de serem parciais e suspeitos de atuarem contra ele, além de supostamente exporem a jovem trans que ele mostra em seu vídeo pelo fato de a denúncia não ter sido apresentada sob sigilo.

A Corregedoria chegou a abrir uma Reclamação Disciplinar. Os três promotores que assinam a denúncia — Mario Konichi Higuchi Júnior, Josely Ramos Pontes e Mônica Sofia Pinto Henriques da Silva — tiveram que prestar esclarecimentos ao órgão, em um procedimento que tramitou sob sigilo e acabou sendo arquivado sem punição para os três.

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Após o caso, o promotor Mario Higuchi deixou a Promotoria de Defesa de Direitos Humanos. Dos três promotores que ofereceram a denúncia, ele era o único que integrava braço do MP que atua com a temática de proteção às minorias e garantia de Direitos Humanos.

As demais promotoras atuam nas áreas de Defesa da Saúde e Defesa da Infância e Juventude. Elas entraram no caso pelas peculiaridades do episódio, que envolve uma menor de idade trans que sofreu problemas psicológicos após a exposição no canal do deputado. Diferente de Mario, elas seguem atuando em suas promotorias.

Deputado segue proferindo ataques transfóbicos

Enquanto seu caso se arrasta na Justiça, Nikolas Ferreira protagonizou novo episódio de transfobia na semana passada. Na ocasião, ele rebateu a parlamentar do PSOL, Erika Hilton, durante uma sessão na Comissão de Direitos da Mulher, na Câmara na última quinta-feira (6).

Erika havia chamado a deputada Julia Zanatta (PL-SC) de "ridícula", "feia" e "ultrapassada". "Vai hidratar esse cabelo", disse a parlamentar do PSOL.

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Em resposta, Ferreira falou: "Pelo menos ela é ela". Erika é uma mulher trans. A sequência foi gravada e o vídeo, divulgado nas redes sociais.

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