Pacote que põe fim ao regime de prisão semiaberto avança no Congresso

Um pacote de projetos de lei que prevê o endurecimento do Código Penal e da Constituição tem ganhado força no Senado após a derrubada do veto presidencial para manter a proibição de saídas temporárias.

O que aconteceu

O pacote é composto por dois projetos de leis, uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) e um projeto de lei complementar. Os textos, de autoria da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), têm como objetivo alterar quem administra os presídios, mudar a Lei de Execuções Penais, endurecer o tratamento dado a líderes de organizações criminosas e acabar com o regime semiaberto — quando o preso pode sair da unidade para trabalhar.

Propostas são consideradas impopulares e ineficientes por parlamentares e especialistas em segurança ouvidos pelo UOL. "Não estou preocupada com popularidade. O grande problema do governos federal e dos estaduais é a segurança pública", afirmou Margareth. "Em Mato Grosso, temos cerca de 900 km de fronteira seca com roubos de carga, de gado. Precisamos pensar em soluções."

Ideia de protocolar pacote de lei surgiu após senadora receber vídeo de um suposto integrante de facção criminosa. "Recebi um vídeo com dois menores que cortaram a cabeça de um integrante de uma facção contrária. Conversei com o governador e disse que estamos perdendo a guerra contra o crime", afirmou ela. A parlamentar ressalta não ser especialista em segurança pública. "Me cerquei dos melhores e vamos discutir."

Projetos com teor punitivista ganharam força após derrubada das saídas temporárias pelo Congresso. Discursos como esse trazem ganhos eleitorais, segundo Felippe Angeli, coordenador de advocacy da plataforma Justa. Isso porque a segurança pública aparece em pesquisas eleitorais como uma das principais preocupações do cidadão.

Senadora afirma que vai trabalhar para buscar apoio do governo. Ela disse ter conversado com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e aguarda retorno do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

Líderes de facções e adolescentes

Margareth aposta no avanço do projeto que endurece penas a líderes de facções. O texto altera o Código Penal para que líderes de organizações criminosas armadas cumpram pelo menos 75% da pena em regime totalmente fechado e em prisões de segurança máxima. Mas, segundo Angeli, lideranças de facções criminosas mudam constantemente, o que coloca em xeque a proposta. "Quando um integrante é preso, outro rapidamente assume o posto, é algo muito fluído e rápido", afirma.

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A relatoria do projeto está com o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que disse analisar o assunto. "Em outro projeto semelhante (PL 853/2024), que trata da progressão de pena para quem comete crime hediondo, apresentei emendas para impedir a progressão de regime caso o réu seja líder de organização criminosa ou tenha praticado o crime com resultado morte", afirma.

Mesmo projeto de lei prevê que adolescentes devem ter tempo de internação em unidades socioeducativas ampliado. A proposta quer dobrar o tempo de internação para adolescentes que tenham vínculos com organizações criminosas. De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o tempo máximo de internação determinado para medida socioeducativa é de três anos.

Adolescentes são usados como mão de obra para o tráfico. Uma pesquisa do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), realizada em 2018, classificou o tráfico de drogas como uma das piores formas de trabalho infantil. Nesses locais, os jovens costumam manter contato, ser aliciados e servir como a mão de obra para organizações criminosas.

Outro projeto de lei de autoria da senadora prevê o fim do regime semiaberto. Ela questiona o funcionamento do sistema em que a pessoa em execução da pena deixa a unidade durante o dia e retorna ao local à noite. Familiares de presos afirmam que a modalidade é fundamental para a reintegração do preso à sociedade. "Todo mundo [que cumpre pena em regime fechado] quer chegar ao semiaberto para voltar ao convívio social", diz Emerson Ramayana, advogado e egresso do sistema prisional.

Muitos estados sequer têm o regime semiaberto em funcionamento, em outros há um descumprimento da lei. Ao invés de resolver o problema, a proposta da senadora exclui o regime. Quem se beneficia com isso são as facções criminosas.
Felipe Angeli, coordenador de advocacy da plataforma Justa

Estados decidem sobre presídios e penas

A PEC que prevê a mudança de quem administra os presídios está sem relator até o momento. A proposta quer que os estados tomem decisões sobre o direito penitenciário — e não mais a União. O texto está na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado. Contudo, segundo Angeli, do Justa, o crime no Brasil é interestadual. "O crime não é regional, nem localizado, ele é federal. É comum que criminosos de um estado sejam capturados em outro. Cada estado ter sua própria lei atrapalha os trabalhos interestaduais", diz ele.

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O pacote tem também um projeto de lei complementar em que os estados possam fazer mudanças no sistema penal e processual penal em relação ao cumprimento da pena. O PLP também está na Comissão de Segurança Pública do Senado, sob relatoria do senador Roger Carvalho (PT-SE).

Se aprovado, o projeto autoriza estados a legislarem sobre questões específicas. Hoje, a progressão de regime, a decisão de um valor de multa ou penas alternativas à prisão são determinadas pelo juiz baseado em leis federais. O objetivo é que cada estado legisle com base na realidade local.

São propostas que passam pelo populismo penal e se avançarem serão necessariamente levadas ao Supremo, que terá de se manifestar. Elas não levam em consideração os impactos sociais e econômicos na segurança pública, são pensadas para gerar dividendos políticos.
Felipe Angeli, coordenador de advocacy da plataforma Justa

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