PF: venda de joias foi para Bolsonaro em espécie e custeou período nos EUA

A PF (Polícia Federal) afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria formado uma associação criminosa para desviar mais de R$ 6 milhões em presentes recebidos por ele em visitas oficiais para outros países enquanto Chefe de Estado e que o dinheiro resultante das negociações era passado para ele em espécie. As informações constam do relatório final do inquérito da PF sobre a investigação, tornado público nesta segunda-feira (8). Inicialmente a PF havia informado em relatório que o desvio superava os 25 milhões, mas depois corrigiu a informação, tratada como "erro material na conclusão".

O que aconteceu

Segundo a PF, ex-auxiliares de Bolsonaro venderam os presentes oficiais e entregaram o dinheiro em espécie para o ex-presidente. O relatório final da PF tem 476 páginas e é assinado pelo delegado responsável pelo caso, Fabio Shor.

O total das joias investigadas no caso chega a US$ 1.227.725,12 ou R$ 6.826.151,661, segundo a PF. O valor não considera os bens ainda pendentes de perícia, além das esculturas douradas de um barco e uma árvore e um relógio Patek Philippe, que foram vendidos. A investigação diz que a associação criminosa envolvendo o ex-presidente e auxiliares tentou "legalizar" a incorporação dos bens para poder vendê-los, o que indicaria crime de lavagem de dinheiro. O relatório não informa, porém, qual fatia deste valor teria ficado com Bolsonaro.

Conclusão é a mais dura acusação contra o ex-presidente até o momento. O caso seguiu nesta segunda-feira para análise do procurador-geral da República, que terá 15 dias para se manifestar. É o primeiro inquérito no qual a PF afirma que Bolsonaro teria recebido dinheiro em espécie desviado dos cofres públicos, já que os presentes eram considerados bens do Estado brasileiro.

A defesa de Jair Bolsonaro (PL) chamou de "insólito" o inquérito da PF. Mas não disse se o ex-presidente sabia da venda dos presentes ou não. Os advogados dizem que Bolsonaro devolveu espontaneamente bens que recebeu em viagens oficiais e reclama que outros ex-presidentes não sejam investigados.

Os elementos acostados nos autos evidenciaram a atuação de uma associação criminosa voltada para a prática de desvio de presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República JAIR BOLSONARO e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior.
trecho de relatório da PF

Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.
trecho de relatório da PF

Dentro da estratégia traçada, o grupo investigado utilizou a estrutura do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica - GADH
para "legalizar" a incorporação dos bens de alto valor, presenteados por autoridades estrangeiras, ao acervo privado do ex-presidente da República JAIR BOLSONARO. Essa atuação ilícita teve a finalidade de desviar bens, cujo valor mercadológico somam o montante de US$ 1.227.725 ou R$ 6.826.151, 661
.
trecho de relatório da PF

Além de Bolsonaro, foram indiciadas outras 11 pessoas. Dentre os indiciados estão o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, o ex-ajudante de ordens e delator Mauro Cid e seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid. Também estão entre os indiciados os advogados Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, que atua para o próprio Bolsonaro e seu filho, Flávio Bolsonaro.

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Dinheiro das joias custeou Bolsonaro nos EUA

Ainda de acordo com a PF, parte do dinheiro em espécie recebido por Bolsonaro pela venda das joias custeou a estadia dele nos Estados Unidos. O ex-presidente foi para o país no dia 30 de dezembro, antevéspera da posse do presidente eleito Lula (PT), e ficou lá por três meses.

Os gastos do ex-presidente constam do material apreendido pela PF em posse do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Marcelo Câmara, que também foi indiciado. "Foram encontradas informações a respeito de gastos, manutenção ou outros dados que dizem respeito a gastos do ex-presidente Jair Bolsonaro enquanto permaneceu em solo estadunidense", diz o relatório. "Após a derrota nas eleições de 2022, Marcelo Câmara foi um dos escolhidos para assessorar o ex-presidente Jair Bolsonaro. (...) Ele tinha acesso a informações pessoais, dados bancários, fiscais, agenda e diversas outras informações do ex-presidente."

A PF diz que, antes de viajar, Bolsonaro fez uma operação de câmbio, passando R$ 800 mil de sua conta no Banco do Brasil para conta no Banco do BB Américas. O valor, na conversão daquele momento, chegou a pouco mais de U$ 151 mil.

Nos gastos do presidente registrados em uma planilha de Marcelo Câmara, Bolsonaro ainda tinha praticamente o mesmo valor em conta quando deixou os Estados Unidos, em abril. Isso, segundo a PF, indica que ele usou apenas dinheiro em espécie para se bancar durante a estadia no país.

Considerando a cotação de fechamento da taxa Ptax do dólar americano no dia 27/12/2022, no valor de R$ 5,283242, a operação
de câmbio realizada por Jair Bolsonaro resultou em uma conversão aproximada de R$ 800.000,03 para cerca de US$ 151.423,37, valor muito próximo ao registrado por Marcelo Câmara em seu controle de prestação de contas para o mês de abril de 2023.

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Ou seja, o saldo da conta de Jair Bolsonaro no BB Américas em abril de 2023 tinha o mesmo valor do depósito inicial, realizado em 27 de dezembro de 2022, revelando que, possivelmente, não realizou movimentações financeiras (crédito/débito) no período em que esteve residindo nos Estados Unidos.

Desta forma, a análise contextualizada das movimentações financeiras de Jair Messias Bolsonaro no Brasil e nos Estados Unidos, demonstra que o ex-presidente, possivelmente, não utilizou recursos financeiros depositados em suas contas bancárias no Banco do Brasil e no BB América para custear seus gastos durante sua estadia nos Estados Unidos, entre os dias 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023.

Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro,
que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano. A utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o "dinheiro sujo" à economia formal, com aparência lícita.

trecho do relatório da PF

Próximos passos

Bolsonaro e seus auxiliares foram indiciados por lavagem de dinheiro, associação criminosa e peculato (desvio de dinheiro público). Se condenado, o ex-presidente pode pegar até 32 anos de prisão, considerando as penas máximas de cada um dos três crimes.

O indiciamento é a primeira etapa. Baseada nas investigações, a PF indicia alguém quando há elementos suficientes para afirmar que a pessoa é autora ou participou dos crimes que foram apurados no inquérito. Isso não quer dizer que os investigados já sejam considerados culpados.

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Agora, a PF encaminha o inquérito à PGR, que decide se vai apresentar denúncia ou não. Caso Bolsonaro vire réu, o caso será julgado pelo STF.

Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foram convocados a depor para a PF em agosto do ano passado e optaram por ficar em silêncio. Em delação premiada, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid disse que as joias foram vendidas para pagamento em dinheiro vivo a Bolsonaro. Ao jornal O Estado de S.Paulo, o ex-presidente negou ter ordenado a venda das joias e disse que não recebeu nenhum valor por elas.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que informaram a matéria e a Home Page, o valor dos bens que Bolsonaro e auxiliares teriam tentado desviar chega a R$ 6.826.151,661, e não R$ 25.298.083,73. A PF informou que se tratou de um "erro material na conclusão" e depois corrigiu. A informação foi corrigida na reportagem.

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